Em parecer ao STF, Paulo Gonet afirma que norma fere os princípios da razoabilidade e da isonomia,além de violar os direitos à vida e à saúde
O procurador-geral da República, Paulo Gonet, enviou ao Supremo Tribunal Federal (STF) parecer favorável à Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7510, que questiona lei paulista que anistiou as multas aplicadas a quem descumpriu as regras sanitárias fixadas por decretos estaduais durante a pandemia de covid-19, entre elas o uso obrigatório de máscara. Para o PGR, o perdão das multas não atende ao princípio da razoabilidade, além de violar o preceito constitucional de proteção dos direitos fundamentais à vida e à saúde e o princípio da isonomia, ao premiar infratores inadimplentes.
Editada em novembro do ano passado, a Lei paulista 17.843/2023 cancela as multas aplicadas em razão do descumprimento de cinco decretos estaduais que estabeleciam medidas sanitárias para conter o avanço da covid-19. Entre eles, estão os Decretos 64.956/20 e 64.959/20, que tornavam obrigatório o uso de máscara no transporte público e em espaços públicos em todo o estado, com previsão de multa em caso de descumprimento.
Na justificativa para aprovação do projeto de lei que anistia as multas, o Governo de São Paulo alega que, com o fim da crise sanitária, a manutenção das cobranças não contribuiria para o desenvolvimento social e econômico do estado. Além disso, como os valores são baixos, haveria sobrecarga da Administração com o gerenciamento de milhares de processos administrativos e de cobranças de multas sem finalidade arrecadatória.
Na manifestação enviada ao STF, Paulo Gonet explica que a concessão de anistia é uma prerrogativa do Poder Legislativo. Entretanto, esse poder não é absoluto e deve ser analisado a partir de dois aspectos: os direitos afetados pela medida e as finalidades buscadas com o benefício.
Medida necessária
O PGR pontua que, durante a pandemia, o consenso científico determinava que o uso de máscara era fundamental para conter o avanço de uma doença que, apenas no Brasil, matou mais de 700 mil pessoas. Ao mesmo tempo, muitos indivíduos se recusavam a adotar a medida, apesar das recomendações dos especialistas. Ou seja, a multa funcionou como um importante elemento inibidor da violação das regras sanitárias, garantindo o direito de todos à vida e à saúde.
Gonet ressalta que o uso da máscara no período crítico da pandemia não se mostrou equivocado para que se justificasse o abandono da multa pelo descumprimento da obrigação. Para ele, a anistia, no caso da norma paulista, significa apenas “a deformidade da função da multa como tal” e premia os infratores inadimplentes, em detrimento de quem quitou suas obrigações, numa clara violação ao princípio da isonomia.
Além disso, o argumento do Governo paulista de que a cobrança seria muito onerosa para a Administração não se sustenta. “Quando a aplicação da multa visa a deter gravíssimo perigo à saúde pública, a razoabilidade da sua cobrança não pode ser aferida tão-somente pelo parâmetro do custo burocrático”, explica. Para o PGR, as medidas sanitárias de combate e prevenção à covid-19, “em especial no que toca ao uso de máscara, merecem todo o empenho para a sua observância, inclusive com o reforço da aplicação de multas em caso de descumprimento”.
A manifestação também lembra que a atuação do Estado não deixa de ser obrigatória por ser trabalhosa e dispendiosa. Assim, analisando os possíveis benefícios da anistia em contraposição aos direitos por ela violados, o PGR conclui que o perdão previsto na norma paulista não atende ao princípio da razoabilidade e deve ser declarado inconstitucional pelo STF.
ADI 7510