Com base no interesse público e na função social das associações, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) acolheu recurso de um pesquisador e determinou que a União Brasileira de Compositores (UBC) forneça a ele informações sobre a participação individual de cada artista em obras musicais coletivas. A decisão foi unânime.
Na ação, o pesquisador alegou que realiza estudo de doutorado na área de propriedade intelectual e, para conduzir o projeto, seria necessário ter acesso integral aos dados cadastrais das obras musicais catalogadas pela UBC.
O pedido foi julgado improcedente em primeiro grau, com sentença mantida pelo Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR). Para o tribunal, a associação não é órgão público integrante da administração direta ou indireta de qualquer dos entes federativos, tampouco recebe recursos públicos, de forma que não poderia ser submetida à Lei de Acesso à Informação.
Ainda segundo o TJPR, a obrigatoriedade de fornecimento público do percentual de participação de cada artista em músicas coletivas não estaria prevista na IN 3/2015, editada pelo extinto Ministério da Cultura para regulamentar a Lei 9.610/1998. Essa informação, segundo o tribunal, só deveria ser disponibilizada para a Diretoria de Direitos Intelectuais e os seus associados.
Informações são de interesse público
A relatora do recurso especial do pesquisador, ministra Nancy Andrighi, apontou que as associações de gestão coletiva de direitos autorais, apesar de possuírem natureza jurídica de direito privado, exercem atividade de interesse público (artigo 97, parágrafo 1º, da Lei 9.610/1998), devendo atender a sua função social.
Além disso, a ministra lembrou que o artigo 98 da Lei de Direitos Autorais prevê que as associações devem manter cadastro centralizado de todos os contratos, declarações ou documentos que comprovem a autoria e a titularidade das obras e dos fonogramas, bem com as participações individuais em cada obra. O mesmo artigo estabelece que essas informações são de interesse público e seu acesso deverá ser disponibilizado por meio eletrônico, de forma gratuita.
Em relação à IN 3/2015, a relatora apontou que a suposta incompatibilidade entre a norma e a Lei de Direitos Autorais é apenas aparente, especialmente em razão da necessidade de observância ao interesse público e à função social das associações.
“Ora, ainda que a instrução normativa não albergue expressamente a pretensão do recorrente, é bem verdade que ela também não a veda, convivendo harmonicamente com o disposto no parágrafo 7º do artigo 98 da Lei de Direitos Autorais”, concluiu a magistrada ao reformar o acórdão do TJPR e determinar que a UBC forneça as informações solicitadas pelo pesquisador.
O recurso no TJPR, recebeu o seguinte nº 0004336-36.2017.8.16.0194, ficando assim ementado em 2º Grau:
APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER – PEDIDO JULGADO IMPROCEDENTE – RECURSO DO AUTOR. ALEGAÇÃO DE QUE A RÉ SE SUBMETE À LEI DE ACESSO À INFORMAÇÃO (LEI Nº 12.527/11) EM RAZÃO DA SUA NATUREZA JURÍDICA – IMPROCEDÊNCIA – RÉ QUE NÃO É ÓRGÃO PÚBLICO INTEGRANTE DA ADMINISTRAÇÃO DIRETA OU INDIRETA DA UNIÃO, ESTADOS, DISTRITO FEDERAL MUNICÍPIOS, NEM TAMPOUCO RECEBE RECURSOS PÚBLICOS DIRETAMENTE DO ORÇAMENTO, MEDIANTE SUBVENÇÕES SOCIAIS OU OUTRO INSTRUMENTO CONGÊNERE. ALEGAÇÃO DE QUE OS PRECEITOS CONTIDOS NA LEI Nº 9.610/98 NÃO DEVEM SER RELATIVIZADOS POR INSTRUÇÃO NORMATIVA – IMPROCEDÊNCIA – NÃO OCORRÊNCIA DE RELATIVIZAÇÃO DA LEI – INSTRUÇÃO NORMATIVA QUE TEM A FINALIDADE DE DETALHAR COM MAIOR PRECISÃO O CONTEÚDO DA LEI. PEDIDO DE DISPONIBILIZAÇÃO DE INFORMAÇÕES ACERCA DOS PERCENTUAIS DE CADA ARTISTA SOBRE AS PARTICIPAÇÕES INDIVIDUAIS NAS OBRAS – IMPROCEDÊNCIA – AUSÊNCIA DE OBRIGATORIEDADE DE DISPONIBILIZAÇÃO DESSA INFORMAÇÃO AO PÚBLICO – DISPONIBILIZAÇÃO DA INFORMAÇÃO RESTRITA À DIRETORIA (DE DIREITOS INTELECTUAIS) E AOS ASSOCIADOS. RECURSO NÃO PROVIDO, COM MAJORAÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS NA FASE RECURSAL.
O recurso no STJ, ficou assim ementado:
DIREITO AUTORAL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. INTERESSADO QUE PLEITEIA O ACESSO INTEGRAL ÀS INFORMAÇÕES RELATIVAS À PARTICIPAÇÃO INDIVIDUAL DE CADA ARTISTA NAS OBRAS MUSICAIS COLETIVAS. INFORMAÇÃO DE CARÁTER PÚBLICO. ACESSO QUE DEVE SER GRATUITAMENTE DISPONIBILIZADO POR MEIO ELETRÔNICO A QUALQUER INTERESSADO. ART. 98, § 6º E § 7º, DA LEI 9.610⁄98.1. Ação de obrigação de fazer por meio da qual se objetiva que a União Brasileira de Compositores – UBC forneça informações relativas à participação individual de cada autor nas obras musicais coletivas (percentuais de titularidade).2. Ação ajuizada em 25⁄04⁄2017. Recurso especial concluso ao gabinete em 11⁄12⁄2020. Julgamento: CPC⁄2015.3. O propósito recursal é definir acerca da obrigatoriedade da recorrida – UNIÃO BRASILEIRA DE COMPOSITORES – em disponibilizar as informações pleiteadas pelo recorrente, a saber, a participação individual de cada artista nas obras musicais coletivas.4. As associações de gestão coletiva de direitos autorais, a despeito de possuírem natureza jurídica de direito privado, exercem, tal qual dispõe o art. 97, § 1º, da Lei 9.610⁄98, atividade de interesse público, devendo atender a sua função social.5. Nos termos do art. 98, § 6º, da Lei 9.610⁄98, introduzido pela Lei 12.853⁄13, as associações deverão manter um cadastro centralizado de todos os contratos, declarações ou documentos de qualquer natureza que comprovem a autoria e a titularidade das obras e dos fonogramas, bem como as participações individuais em cada obra e em cada fonograma, prevenindo o falseamento de dados e fraudes e promovendo a desambiguação de títulos similares de obras. Ainda, nos moldes do que dispõe o § 7º do mencionado dispositivo legal, tais informações são de interesse público e o acesso a elas deverá ser disponibilizado por meio eletrônico a qualquer interessado, de forma gratuita.6. Do confronto entre o disposto no art. 98, § 6º e § 7º, da Lei 9.610⁄98 e o art. 6º, I, II, III e IV, e § 1º, da Instrução Normativa nº 3⁄2015 do Ministério da Cultura (IN nº 3⁄2015 do MinC), pode-se constatar que a suposta incompatibilidade entre as suas redações é meramente aparente, não resistindo ante à necessidade de observância do próprio interesse público e função social das associações. Ainda que a instrução normativa não albergue expressamente a pretensão do recorrente, é bem verdade que ela também não a veda, convivendo harmonicamente com o disposto na Lei de Direitos Autorais.7. Recurso especial conhecido e provido.