Segundo Augusto Aras, deve-se privilegiar a legislação que permite optar entre o local do fato e o domicílio do autor
Em parecer enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF), o procurador-geral da República, Augusto Aras, sugeriu como tese de repercussão geral que é constitucional a regra de competência jurisdicional que permite a escolha entre o local do fato e o domicílio do autor para o ajuizamento de ação de reparação de danos causados por matéria veiculada na internet. A manifestação foi em recurso extraordinário representativo do Tema 208 da Sistemática da Repercussão Geral, que discute a competência jurisdicional para processar e julgar ação de reparação de danos causados por crítica veiculada na internet.
Para o procurador-geral, deve-se privilegiar a escolha do Parlamento externada por meio da norma sobre a regra de competência, que era prevista no art. 100, parágrafo único, do CPC/73 e hoje está no art. 53, V, do CPC/2015, porque “recai na zona de conformação entre a liberdade de expressão e informação e os direitos de acesso à justiça e de indenização por dano material ou moral decorrente da violação à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas, sendo suscetível de mediação pelos mecanismos democráticos legislativos.”
Aras aponta que a regra permite o exercício de um direito constitucional atribuído àquele que sofreu o dano, tendo em conta as repercussões do ato no domicílio do autor. Considera também a lógica da tecnologia contemporânea, na qual a produção da informação se faz frequentemente em plataformas de acesso planetário e a circulação de informações falsas acarreta, com especial intensidade, efeitos sobre a vida no contexto comunitário.
“Diante da premissa lógica da impossibilidade de tramitação do feito em dois foros, trata-se de escolha legislativa justificada e possível, incapaz de, por si só, ferir o núcleo essencial da liberdade de expressão”, argumenta. Para o PGR, a previsão legal da competência visa, de modo legítimo, a equilibrar a proteção daquele que pode ter sido injustamente atingido por uso abusivo da liberdade de expressão.
No parecer, o procurador-geral destaca que, ao reconhecer a repercussão geral da discussão, o STF apontou a necessidade de análise da seguinte questão: a lei que viabiliza o ajuizamento de ação de reparação de danos decorrentes de publicação de notícia em página da internet no local de domicílio da vítima implica cerceamento à liberdade de informação? O questionamento se baseia no fato de que, uma vez considerado possível esse ajuizamento, o responsável pela publicação fica sujeito a ser demandado nas mais diversas localidades.
Nesse contexto, Aras sustenta que, apesar de a liberdade de expressão e informação ser um direito fundamental, seu exercício de forma abusiva pode ocasionar violação a direitos também fundamentais. E cita dispositivo da Convenção Americana Sobre Direitos Humanos o qual reconhece que a liberdade de expressão de informação admite restrições próprias. “O dispositivo assegura que o exercício da liberdade de expressão não pode estar sujeito à censura prévia, mas permite a fixação, na forma prevista em lei, de hipóteses de responsabilidade ulterior”, frisa.
O PGR também recorda que a Constituição Federal reconhece e protege as duas dimensões da liberdade de expressão e informação, estabelecendo restrições, como a possibilidade de indenização por dano moral à imagem e à inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra. Segundo Augusto Aras, uma das principais estratégias à preservação da liberdade de expressão sem permitir abusos é a responsabilização posterior à manifestação diante de violações à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas, que ensejem dano material ou moral, conjugada aos mecanismos previstos para concretizá-la.
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