Para o procurador-geral da República, Augusto Aras, esse direito reflete manifestação positiva da autodeterminação e liberdade de crença
“É permitido ao paciente recusar-se a se submeter a tratamento de saúde, por motivos religiosos, como manifestação positiva de sua autodeterminação e de sua liberdade de crença”. Esse é o entendimento do procurador-geral da República, Augusto Aras, em manifestação encaminhada ao Supremo Tribunal Federal (STF) na qual analisa recurso extraordinário representativo do Tema 1.069 de repercussão geral. O tema trata do direito de autodeterminação confessional das testemunhas de Jeová em submeter-se a tratamento médico sem transfusão de sangue. Os adeptos dessa religião creem que introduzir sangue no corpo viola as leis de Deus, por contrariar o que está previsto em passagens bíblicas.
Na proposta de tese apresentada no parecer, o procurador-geral da República acrescenta que a recusa a tratamento de saúde, por motivos religiosos, é condicionada à decisão inequívoca, livre, informada e esclarecida do paciente; ao não envolvimento de crianças, adolescentes ou incapazes; e à ausência de risco à saúde pública e à coletividade. Ainda segundo a sugestão, é possível a realização de procedimento médico, disponibilizado a todos pelo sistema público de saúde, com a interdição da realização de transfusão sanguínea ou outra medida excepcional, caso haja viabilidade técnico-científica de sucesso, anuência da equipe médica com a sua realização e decisão inequívoca, livre, informada e esclarecida do paciente.
Aras destaca que o direito de escolha do tratamento médico pelo paciente, por motivos religiosos, quando existe forma alternativa de tratamento eficaz, “há de ser respeitado, no exercício de sua autonomia e liberdade individual”. Para ele, negar esse direito de escolha, afetando a autodeterminação do paciente, implica discriminação por motivos religiosos. “A realização de procedimento médico, sem a utilização de hemoderivados ou de outra medida excepcional, conquanto de maior risco, há de ser atestado como viável pela equipe médica responsável e contar com o consentimento esclarecido do indivíduo que irá submeter-se ao procedimento sobre as chances envolvidas”, pontua.
Entenda o caso – No caso em exame, discute-se a possibilidade de a recorrente submeter-se a procedimento médico de substituição de válvula aórtica, disponibilizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS), sem a transfusão sanguínea, em respeito à sua convicção religiosa. Ela afirma que, embora a equipe médica tenha capacidade para realizar sua cirurgia utilizando estratégias alternativas, “a realização do procedimento está sendo condicionada à assinatura de um Termo de Consentimento para utilização de hemoterapia, por receio do hospital e da equipe médica de eventual responsabilização futura em decorrência da escolha da paciente”. A recorrente alega inconstitucionalidade em condicionar seu direito de acesso à saúde à autorização prévia por violação do princípio da dignidade humana.
O procurador-geral aponta que a questão posta em discussão é diferente de uma colisão de direitos fundamentais, isto é, da discussão do direito à vida versus direito à liberdade de consciência e de crença, “pois a recorrente não recusa o tratamento para sua doença: tão somente, em respeito a sua convicção religiosa, recusa a transfusão sanguínea”.