Multa aplicada pela Anvisa não está sujeita aos efeitos da recuperação judicial, decide Terceira Turma

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmou entendimento no sentido de que as multas administrativas aplicadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), apesar de sua natureza não tributária, não estão sujeitas ao plano de recuperação judicial.

Para o colegiado, tanto a Lei 11.101/2005 quanto as normas relativas à cobrança de créditos da Fazenda Pública não fazem distinções relevantes, no tocante à forma de cobrança ou execução, sobre a natureza tributária ou não tributária dos créditos fiscais, razão pela qual prevalece a interpretação de que esses valores não devem ser submetidos ao plano de recuperação.

Após ver negado o seu pedido para inclusão de multa da Anvisa no plano de recuperação, uma empresa alegou, em recurso ao STJ, que as multas de natureza administrativa – como a aplicada pela autarquia – não possuem natureza tributária, de modo que, sendo o fato gerador anterior à data do pedido de recuperação judicial, o crédito deveria se sujeitar aos seus efeitos.

Norma do CTN não regula crédito público não tributário

Segundo a relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, o fato de o artigo 187 do Código Tributário Nacional tratar apenas dos créditos tributários e não os sujeitar à recuperação não gera a conclusão imediata de que os créditos não tributários deveriam ser submetidos ao plano, sendo necessário o exame das demais normas que regulam os créditos públicos.

A magistrada apontou que o artigo 6º da Lei 11.101/2005, sem fazer qualquer distinção quanto à natureza do crédito, excepciona as execuções fiscais da regra geral de suspensão das execuções ajuizadas contra o devedor em recuperação.

Além disso, a ministra lembrou que, nos termos do artigo 2º da Lei 6.830/1980, qualquer valor cuja cobrança seja atribuída à União, aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios é considerado dívida ativa da Fazenda Pública, a qual abarca tanto os débitos de natureza tributária quanto de não tributária.

Liquidação dos créditos da Fazenda Pública

De acordo com Nancy Andrighi, a própria Lei 10.522/2002 – que trata do parcelamento especial previsto no artigo 68 da Lei de Recuperação Judicial e Falência – prevê, em seu artigo 10-A, que tanto os créditos tributários quanto os não tributários poderão ser liquidados conforme uma das modalidades estabelecidas no normativo, de modo que admitir a submissão desses créditos ao plano de soerguimento equivaleria a permitir a possibilidade de cobrança em duplicidade.

“Assim, em que pese a dicção aparentemente restritiva da norma do caput do artigo 187 do CTN, a interpretação conjugada das demais disposições que regem a cobrança dos créditos da Fazenda Pública insertas na Lei de Execução Fiscal, bem como daquelas integrantes da própria Lei 11.101/2005 e da Lei 10.522/2002, autoriza a conclusão de que, para fins de não sujeição aos efeitos do plano de recuperação judicial, a natureza tributária ou não tributária do valor devido é irrelevante”, concluiu a ministra.

O recurso ficou assim ementado:

RECURSO ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. HABILITAÇÃO DE CRÉDITO. MULTA ADMINISTRATIVA. NATUREZA NÃO TRIBUTÁRIA. FAZENDA PÚBLICA. CONCURSO DE CREDORES. NÃO SUJEIÇÃO. INTERPRETAÇÃO CONJUGADA DE DISPOSIÇÕES DO CTN, LEI DE EXECUÇÃO FISCAL E LEI DE FALÊNCIA E RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS. INDISPONIBILIDADE DO INTERESSE PÚBLICO. PRETENSÃO RECURSAL NÃO ACOLHIDA.

1. Incidente de habilitação de crédito apresentado em 29⁄10⁄2014. Recurso especial interposto em 11⁄8⁄2020. Autos conclusos ao gabinete da Relatora em 11⁄3⁄2021.

2. O propósito recursal consiste em definir se o crédito concernente à multa administrativa aplicada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA submete-se aos efeitos da recuperação judicial da devedora.

3. O art. 187, caput, do Código Tributário Nacional exclui os créditos de natureza tributária dos efeitos da recuperação judicial do devedor, nada dispondo, contudo, acerca dos créditos de natureza não tributária.

4. A Lei 11.101⁄05, ao se referir a “execuções fiscais” (art. 6º, § 7º-B), está tratando do instrumento processual que o ordenamento jurídico disponibiliza aos respectivos titulares para cobrança dos créditos públicos, independentemente de sua natureza, conforme disposto no art. 2º, §§ 1º e 2º, da Lei 6.830⁄80.

5. Desse modo, se, por um lado, o art. 187 do CTN estabelece que os créditos tributários não se sujeitam ao processo de soerguimento – silenciando quanto aqueles de natureza não tributária –, por outro lado verifica-se que o próprio diploma recuperacional e falimentar não estabeleceu distinção entre a natureza dos créditos que deram ensejo ao ajuizamento do executivo fiscal para afastá-los dos efeitos do processo de soerguimento.

6. Ademais, a própria Lei 10.522⁄02 – que trata do parcelamento especial previsto no art. 68, caput, da LFRE – prevê, em seu art. 10-A, que tanto os créditos de natureza tributária quanto não tributária poderão ser liquidados de acordo com uma das modalidades ali estabelecidas, de modo que admitir a submissão destes ao plano de soerguimento equivaleria a chancelar a possibilidade de eventual cobrança em duplicidade.

7. Tampouco a Lei 6.830⁄80, em seus artigos 5º e 29, faz distinção entre créditos tributários e não tributários, estabelecendo apenas, em sentido amplo, que a “cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública não é sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência, concordata, liquidação, inventário ou arrolamento”.

8. Esta Corte Superior, ao tratar de questões envolvendo a possibilidade ou não de continuidade da prática, em execuções fiscais, de atos expropriatórios em face da recuperanda, também não se preocupou em diferenciar a natureza do crédito em cobrança, denotando que tal distinção não apresenta relevância para fins de submissão (ou não) da dívida aos efeitos do processo de soerguimento.

9. Assim, em que pese a dicção aparentemente restritiva da norma do caput do art. 187 do CTN, a interpretação conjugada das demais disposições que regem a cobrança dos créditos da Fazenda Pública insertas na Lei de Execução Fiscal, bem como daquelas integrantes da própria Lei 11.101⁄05 e da Lei 10.522⁄02, autorizam a conclusão de que, para fins de não sujeição aos efeitos do plano de recuperação judicial, a natureza tributária ou não tributária do valor devido é irrelevante.

RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO.

Leia o acórdão REsp 1.931.633.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1931633

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