Para Augusto Aras, se decidir analisar ações, STF deve manter texto da lei, que é constitucional, e apresenta avanços em relação à anterior
O procurador-geral da República, Augusto Aras, enviou ao Supremo Tribunal Federal (STF) pareceres nos quais opina contra ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) que questionam artigos da Lei de Abuso de Autoridade (Lei 13.869/2019). A norma estabelece penas para condutas impróprias de juízes e membros do Ministério Público, como o uso de prova ilícita ou a instauração de inquérito sem indício da prática de crime, entre outras. De acordo com Aras, se a regra for revogada, a lei anterior (Lei 4.865/1965), que traz previsões semelhantes, volta a vigorar. Como as inconstitucionalidades apontadas estão presentes também na legislação anterior, não é possível conhecer as ADIs em razão da “inutilidade do provimento jurisdicional”.
No mérito, Augusto Aras destaca que, se o STF decidir pelo conhecimento das ações, há de ser mantida a nova lei. O PGR afirma que a norma representa avanço em relação à legislação anterior. “A anterior Lei de Abuso de Autoridade não se apresentava como um instrumento suficiente para a tutela penal de condutas praticadas com exercício abusivo do poder por agentes do Estado”, afirma.
Aras também sustenta que a regra não fere a autonomia de juízes e membros do MP, já que atinge apenas quem atuar fora dos limites da função, com desvio de finalidade e objetivo manifesto de prejudicar terceiros ou de obter vantagem indevida para si ou para outrem. “Não busca a Lei 13.869/2019, assim como não buscava a antiga Lei de Abuso de Autoridade (Lei 4.898/1965), criminalizar condutas funcionais regulares dos agentes públicos estatais, notadamente as praticadas pelas magistraturas constitucionais no âmbito de sua independência e autonomia funcional. O que busca coibir e reprimir é o exercício abusivo do poder que ocasione injustos gravames aos direitos de qualquer pessoa”, diz.
Segundo o PGR, a divergência na interpretação da lei ou na avaliação de fatos e provas não configura abuso de autoridade, segundo o texto da própria regra, que impede o chamado “crime de hermenêutica”, protegendo a atuação de juízes e de membros do MP. “Assim, por exemplo, se um promotor de Justiça oferece denúncia contra alguém e o juiz rejeita a ação penal por atipicidade da conduta em face do princípio da insignificância, não há como imputar ao membro do Ministério Público a prática do crime de abuso de autoridade, uma vez que o que houve foi mera divergência interpretativa entre o órgão ministerial e o magistrado”.
Aras também afirma que o STF já reconheceu a validade de tipos penais abertos, desde que sujeitos à integração pelo magistrado. Ainda assim, segundo ele, os tipos penais da Lei 13.869/2019 não são abertos demais a ponto de não admitir integração judicial. Para o PGR, a regra vai exigir interpretação do Judiciário, que, na análise de casos concretos, irá conformar o novo diploma à Constituição Federal. O procurador-geral lembra que a norma pune os agentes apenas em caso de dolo específico, quando a atuação tiver o objetivo de prejudicar outra pessoa ou beneficiar o próprio agente ou terceiros. “Somente os casos gravíssimos de desviada atuação institucional é que poderão ser subsumidos na Lei 13.869/2019”, afirma.
Questionamentos parciais – Nos pareceres, Augusto Aras explica que as ações não questionam a Lei de Abuso de Autoridade como um todo, apenas a parte especial, que define os crimes e as penas. E, por isso, se os trechos forem suprimidos por inconstitucionalidade, o texto normativo restante ficará incompleto e sem sentido. De acordo com o PGR, além de desvirtuar a essência da norma, isso tornaria a lei penal imperfeita. “Em tal circunstância, eventual pronunciamento de inconstitucionalidade haverá de abranger a lei como um todo, conforme assentado pelo Supremo Tribunal Federal ao tratar da questão da impugnação fragmentada de um complexo normativo unitário e incindível”, explica Aras nos pareceres.
O PGR sustenta que, ao analisar a constitucionalidade da norma como um todo, é preciso verificar também a situação da lei anterior que, conforme pontua, guarda os problemas apontados na atual e que voltará a vigorar, caso a Lei de Abuso de Autoridade seja anulada pelo STF. A norma antiga é ainda mais vaga quanto à definição de condutas e tipos penais para casos de abuso de autoridade. Para o PGR, caso a lei antiga volte a vigorar, serão mantidos os aspectos considerados inconstitucionais e haverá o chamado “efeito repristinatório indesejado”. Nessas situações, a jurisprudência indica que o STF não deve conhecer as ações.
Proposição – As ADIs contra a Lei de Abuso de Autoridade foram propostas pelo partido Podemos e por entidades de classe ligadas ao Judiciário, como a Associação Nacional dos Juízes Federais, a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público, a Associação dos Procuradores da República e a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho. Elas tramitam em conjunto e apontam que, ao criar tipos penais com termos vagos e imprecisos, a Lei de Abuso de Autoridade representaria, na prática, retaliação a agentes públicos e o engessamento da atividade-fim de instituições de Estado responsáveis pelo combate à corrupção.
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