MPF e MPPR ajuízam ação para que município de Matinhos (PR) estruture e fiscalize o Parque Praia Grande

Local abriga restinga e já teve mais de 147 mil m² mas decreto municipal diminuiu parque pela metade e o coloca em risco

O Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público do Estado do Paraná (MPPR) ajuizaram ação civil pública, com pedido de liminar, contra o município de Matinhos (PR). O objeto da ação é a Lei 1.818/2015, que permitiu a diminuição da área de proteção da Unidade de Conservação do Parque Praia Grande, por justificativa administrativa exclusivamente financeira. Os MPs alegam que a norma é inconstitucional, pois viola o princípio da proibição do retrocesso ambiental, e querem afastar sua aplicação.

Também foi pedido que o município seja obrigado a adotar providências concretas em prol da implantação e estruturação da Unidade de Conservação (UC), tendo por base o perímetro mais protetivo. O pedido é para que o município apresente cronograma com as fases previstas para esse trabalho e que bloqueie as atividades que impliquem degradação ambiental, até o julgamento final desta ação.

Por fim, os MPs requerem também que seja implantada fiscalização ostensiva com apresentação de cronograma de trabalho com a finalidade de identificar, embargar e autuar eventuais intervenções em toda a área da Unidade de Conservação correspondente ao parque, considerando a parte que foi excluída de forma inconstitucional.

O parque – A Unidade de Conservação Municipal Parque Praia Grande, localizada entre os balneários de Saint Ettiene e Flórida, foi instituída em 2006 pela Lei Ordinária 1.067/2006, que implementou o plano diretor do município e criou o parque. O objetivo foi incrementar as áreas protegidas e implantar equipamentos de lazer para assegurar à população local recreação e educação ambiental. Em 2007, um decreto municipal delimitou a área superficial do parque em 138 mil m². Já em 2009, novo decreto expandiu a área para 147 mil m². No entanto, em 2014, outro decreto restringiu significativamente o perímetro do parque para 99 mil m². A área também está em sobreposição de terreno da União.

Retrocesso – Segundo a ação, o município sancionou a Lei 1.818/2015, que confirmou a redução da área estabelecida em 2014 e “chancelou” a discrepância territorial promovida com o passar dos anos em relação à área inicialmente almejada para a definição dos limites do parque municipal disposta no plano diretor de 2006.

Esse retrocesso foi reconhecido pela própria empresa contratada pela prefeitura para prestar consultoria na revisão do plano diretor do município. No relatório, a empresa apontou que houve “redução considerável da área traçada inicialmente para o Parque Municipal Praia Grande. Quando estabelecido em 2006, eram consideradas cerca de 14.670 hectares. Já em 2015, houve redução de mais da metade de sua área, ficando com 5.291 hectares”.

O Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça de Proteção ao Meio Ambiente, Habitação e Urbanismo do MPPR também constatou esse retrocesso em nota técnica ao analisar a revisão do plano diretor. Segundo o órgão, a Administração municipal deveria “explicar quanto à motivação e fundamentação para a redução da área do Parque Municipal Praia Grande, já que houve significativa perda de área protegida”.

Para o MPF e o MPPR, esse cenário ilustra a desordem no planejamento urbano de Matinhos causada pelos decretos que alteraram a delimitação do perímetro do parque municipal. Segundo os MPs, a Lei 9.985/2000 (Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza) prevê que a desafetação ou redução de áreas de unidades de conservação só podem ocorrer mediante lei específica e não por decretos.

Omissão – Questionado sobre a omissão na adoção de providências para desapropriar as áreas definidas para a implantação da UC estabelecida em 2006, o município alegou falta de recursos financeiros para arcar com os pedidos de indenização feitos por proprietários de imóveis situados dentro do parque, por ser uma região densamente povoada e altamente valorizada. Em razão disso, o município, em 2014, por meio de decreto, alterou as dimensões do parque, com a exclusão da faixa que fica defronte a área litorânea. Além disso, informou que impediria qualquer uso ou destinação econômica da área excluída, negando anuência ambiental para ligações de água e energia elétrica e embargando eventuais obras que se pretendessem erguer no local.

No entanto, não foi o que ocorreu. Parecer técnico do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMbio), elaborado em 2016, traçou o histórico de ocupação na região e identificou que a área vem sendo ocupada, com a intensificação de edificações e aberturas de ruas no interior do parque. Além disso, a autarquia constatou que o decreto que diminuiu a área do parque em 2014 contrariou decreto estadual, editado no mesmo ano, que estabelece o zoneamento, uso e ocupação do solo para o município de Matinhos. Em outras palavras, o decreto municipal diminuiu a proteção ambiental da área expressa em norma superior, o que, na visão do órgão, é ilegal. A área que foi excluída do limite do parque abriga um córrego e sua Área de Proteção Permanente (APP) e vegetação de restinga, pertencente ao Bioma Mata Atlântica.

Para os MPs, a intensificação de edificações no interior e entorno do parque que foi apontada pelo ICMBio em 2016, tem se tornado mais grave e pode ser confirmada por uma simples consulta em imagem de satélite disponível na Internet. “Todos estes fatores relacionados evidenciam os reflexos das sucessivas alterações legislativas e reforçam a gravidade dos danos em virtude da redução da área protegida, a qual, conforme o resgate documental realizado e exposto alhures, somente ocorreu pela suposta carência de recursos materiais do município para indenizar as áreas desapropriadas”, escreveram na ação.

Direito ambiental – Para a procuradora da República Monique Cheker e as promotoras de Justiça Dalva Marin Medeiros e Julia de Britto Pereira Fortuna, autoras da ação, o direito ambiental é regido por princípios próprios que exigem a adoção de medidas eficazes para impedir a degradação do meio ambiente. Ao analisar a Lei 1.818/2015, ficou demonstrado que não foi feita análise técnica nem foram usados estudos técnicos para reduzir os limites do parque. Como o próprio representante do município admitiu, a redução da área do parque foi no sentido de resolver um problema de titularidade e indenização de imóveis que deveriam ser desapropriados.

“Não se desconhece que o ordenamento territorial seja incumbência dos municípios (art. 30, VIII da CF), mas ao dispor a nova lei sobre delimitação protetiva em sentido contrário ao que a lei do plano diretor dispunha, exigiam-se, no mínimo, expedientes técnicos análogos ao da elaboração do plano diretor. Em tal sentido, estabelecem as resoluções 25/2005 e 83/2009, do Conselho Nacional das Cidades”, escreveram as representantes dos MPs na ação.

Além disso, a Lei 1.818/2015 também vai contra o ordenamento jurídico ambiental brasileiro, que por meio do princípio da vedação do retrocesso ambiental, busca proibir que atos legislativos ou administrativos suprimam ou reduzam os níveis de proteção ambiental em vigor. “Admitir-se que uma lei restrinja uma área protegida, por interesse exclusivamente financeiro, é admitir o retrocesso ambiental, ainda mais em área que se afigura como de preservação permanente, contando com corpo hídrico comunicante com o mar e vegetação classificada como restinga”, sustentam as autoras da ação.

Os MPs também reforçam que a norma editada pelo município contraria a Lei da Mata Atlântica (Lei 11.428/2006) que no art. 12 estabelece que novos empreendimentos ou edificações só podem ocorrer, preferencialmente, em áreas já substancialmente alteradas ou degradadas. Isso significa que leis posteriores que, mesmo que indiretamente, chancelem a possibilidade de supressão em áreas protegidas (no caso, área excluída do perímetro do parque), contrariam a lei federal.

“Afastar, em controle difuso, a aplicação da Lei 1.818/2015 é medida necessária à solução do avanço desenfreado de edificações em áreas ambientalmente sensíveis, nas quais, dada a consideração e classificação como Unidade de Conservação de proteção integral, não se admite a ocupação e edificação”, sustenta a procuradora do MPF e as promotoras do MPPR.

Íntegra da Ação Civil Pública

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