Reunião especializada dos MPs do Mercosul discutiu formas de barrar o financiamento do crime organizado
“O efetivo combate ao crime organizado exige retirar os meios que permitem às organizações criminosas desenvolverem as suas atividades ilícitas. Descapitalizar as atividades criminosas, eliminando sua fonte de financiamento, é de substancial importância”. A declaração é da procuradora regional da República Anamara Osório, secretária de Cooperação Internacional do Ministério Público Federal (MPF), que representou o procurador-geral da República, Paulo Gonet, na 35ª Reunião Especializada dos Ministérios Públicos do Mercosul (REMPM). Realizado na cidade paraguaia de Encarnación, o encontro reuniu, esta semana, chefes e integrantes dos Ministérios Públicos do Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e de países associados ao bloco para discutir estratégias de combate à criminalidade na região.
O principal tema da reunião foi o financiamento de atividades ilícitas e as medidas que podem ser tomadas em conjunto pelos países para desarticular organizações criminosas transnacionais cada vez mais complexas. Durante o debate temático “REMPM contra as finanças criminosas”, Anamara Osório lembrou que a prática de lavagem de dinheiro se beneficia tanto da tecnologia, que permite a transferência de grandes somas de forma rápida e barata, quanto das legislações divergentes entre os países.
Nesse cenário, a cooperação jurídica internacional e a atuação conjunta dos países são instrumentos eficazes para impedir ou dificultar o financiamento das atividades ilícitas. “Se antes os criminosos achavam que seus ativos no exterior eram inatingíveis, agora, os mecanismos de cooperação jurídica internacional vêm se aprimorando para alcançar e conter o fluxo financeiro de organizações criminosas para o exterior, repatriando os ativos desviados aos Estados prejudicados”, afirmou.
Os dados apresentados no encontro demonstram a importância do trabalho. Desde 2005, a Secretaria de Cooperação Internacional do MPF acompanhou pedidos de assistência jurídica que permitiram a repatriação de 112 milhões de dólares e de 1,2 milhões de euros ao Brasil, valores que haviam sido enviados de forma ilícita à Suíça, ao Reino Unido, aos Estados Unidos e às Bahamas. Outros 175 milhões de dólares foram repatriados diretamente por investigados, com a assinatura de acordos de colaboração. Há ainda cerca de 866 milhões de dólares, 92 milhões de euros e 13 milhões de francos suíços bloqueados a pedido do MPF em países como Suíça, Estados Unidos e Portugal, aguardando decisão judicial definitiva para repatriação.
No caso brasileiro, um dos gargalos para a eficácia na recuperação de ativos é a necessidade de trânsito em julgado das ações, o que nem sempre ocorre antes do prazo definido pelo acordo entre os países para repatriação. Há situações em que os recursos acabam sendo liberados pelos países estrangeiros em virtude do longo tempo transcorrido entre o pedido de bloqueio e o trânsito em julgado. Algumas medidas podem reverter esse quadro, tais como a simplificação do sistema recursal do Brasil, a identificação e prioridade de julgamento das ações com recursos bloqueados no exterior e a especialização de varas para pedidos de cooperação jurídica internacional, entre outras.
Boas práticas – Além de falar sobre os desafios e sobre os instrumentos previstos na legislação brasileira, Anamara lembrou casos de sucesso envolvendo repatriação de ativos. Um deles é a parceria entre o MPF e a Advocacia Geral da União (AGU) para contratação de advogados no exterior que atuam em nome da República Federativa do Brasil na recuperação de valores. Outra iniciativa com bons resultados é o convênio firmado entre o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e o MPF que permite o encaminhamento de relatórios de inteligência financeira estrangeiros com dados relativos a operações suspeitas realizadas no exterior. “É necessário fortalecer técnicas de auxílio direto que nos permitam superar, com legitimidade e previsibilidade, os entraves burocráticos; para que finalmente possamos avançar com maior eficiência na recuperação de ativos”, sustentou a secretária de Cooperação Internacional do MPF.
A programação da 35ª REMPM incluiu também sessões das comissões temáticas, que discutiram assuntos como combate ao crime organizado, direitos humanos e cooperação jurídica internacional. Na subcomissão “Cooperação em áreas de fronteira”, coordenada pela PGR do Brasil, foi apresentado o texto preliminar do Guia de Cooperação em Zona de Fronteira. A publicação é desdobramento do “Encontro do Mercosul de Fiscais em Fronteira: Enfrentamento da Criminalidade Transnacional”, realizado em 2023, em Manaus.
Elaborado com o apoio do Escritório das Nações Unidas para Drogas e Crime (UNODC, na sigla em inglês), o guia aborda os aspectos práticos relacionados à cooperação internacional, instrumentos e ferramentas disponíveis e estratégias para o combate ao crime organizado nessas regiões. As contribuições discutidas na REMPM serão analisadas e poderão integrar a publicação. Haverá também uma segunda etapa para recebimento de contribuições de unidades de cooperação internacional.
REMPM – Criada em 2005, a Reunião Especializada dos Ministérios Públicos do Mercosul (REMPM) surgiu a partir da necessidade de se estabelecer um mecanismo ágil para o relacionamento entre os MPs dos Estados Partes e Associados, com o objetivo de potencializar ações conjuntas de prevenção, investigação e repressão ao crime organizado, narcotráfico internacional, terrorismo, entre outros. Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai integram o grupo na qualidade de Estados Parte, enquanto Chile, Peru, Colômbia, Guiana, Equador, Suriname e Bolívia são associados.
Ao final do evento, foi aprovada a Declaração “REMPM contra as Finanças Criminais”. No documento, os MPs reconhecem a importância de impulsionar estratégias conjuntas que priorizem as investigações das finanças criminais, como forma de combater as economias ilícitas. Apontam também a necessidade de ampliar a cooperação jurídica internacional entre os países e de investir em capacitação e especialização dos agentes em temas como delitos econômicos e financeiros.