Tema está em discussão em duas ações propostas por entidades que representam empresas de ensino superior privado
O Ministério Público Federal (MPF) defendeu, perante o Supremo Tribunal Federal (STF), o não conhecimento de duas Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs) que pretendem anular as decisões judiciais de concessão de descontos lineares a alunos de universidades particulares em razão da adoção de ensino remoto durante a pandemia de covid-19. Para o MPF, um pacote de decisões judiciais não pode ser analisado por meio de ADPF, antes dos recursos ordinários, sob pena de se cercear a liberdade dos juízes, vulnerando o Sistema de Justiça e o devido processo legal. O posicionamento foi defendido nesta quinta-feira (11) pelo vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, e reitera pareceres assinados pelo procurador-geral da República, Augusto Aras.
Os descontos lineares concedidos a estudantes universitários durante a pandemia são questionados nas ADPFs 706 e 713, propostas pelo Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras e pela Associação Nacional das Universidades Particulares (Anup). As entidades querem o direito de negociar os descontos caso a caso, apenas nas situações em que os estudantes comprovem a perda de renda em razão da pandemia. A alegação é que os custos das universidades não teriam caído na medida dos descontos, já que a adoção do ensino remoto teria demandado gastos com computadores, capacitação de professores, servidores de informática, aquisição de EPIs, entre outros.
As ADPFs estão sob a relatoria da ministra Rosa Weber e tiveram pareceres contrários do procurador-geral da República, Augusto Aras. Ele opinou pelo não conhecimento das ações, apontando a ilegitimidade das autoras e a impossibilidade de se analisar a questão por meio desse instrumento processual. No mérito, Aras considerou que os descontos lineares não violam a livre iniciativa e a autonomia universitária, como alegam as entidades, já que esses princípios devem ser compatibilizados com as normas de proteção e defesa do consumidor, por não serem absolutos.
Na visão do PGR, a negociação caso a caso desprotegeria os estudantes, que são a parte mais frágil da relação de consumo. “A prestação de serviços educacionais não é daqueles facilmente descartáveis ou substituíveis. Constitucionalmente legítima, portanto, a intervenção do legislador e do Poder Judiciário para equilibrar a relação de consumo”, afirmou.
Em sustentação oral na sessão desta quinta-feira, o vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, reiterou a manifestação pelo não conhecimento das ações. Segundo ele, ao analisar um pacote de decisões judiciais por meio de ADPF, o Supremo Tribunal pode se tornar uma corte de censura para os juízes. “Tenho receio de que a ADPF se transforme em um grande recurso para se obter, do STF, uma orientação sobre como os juízes do Brasil devem se portar”, declarou.
Segundo Humberto Jacques, isso representa um risco para a democracia, que precisa da liberdade dos juízes e do devido processo legal para existir. Para o vice-PGR, as decisões judiciais sobre os descontos devem ser questionadas por meio dos devidos recursos, percorrendo-se o caminho correto. Ele lembrou ainda que o Supremo já ofereceu balizas sobre o tema, ao rechaçar, em ADIs, leis estaduais que previam descontos para estudantes universitários durante a pandemia.
Íntegras das manifestações