MPF defende igualdade de atendimento entre pacientes do SUS e particulares em hospitais da rede privada

Órgão questiona recurso jurídico da União favorável a tratamento discriminatório contra pacientes do SUS atendidos em salas separadas

O Ministério Público Federal (MPF) encaminhou ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), nesta quarta-feira (21), resposta à contestação da União contra decisão judicial que determinou a edição de normativo para disciplinar os contratos celebrados entre gestores do Sistema Único de Saúde (SUS) e instituições privadas. O acórdão emitido pelo TRF4 obriga a União a incluir cláusula expressa de proibição de adoção de recepções e salas de espera diferenciadas entre os pacientes do SUS e particulares. O MPF considerou que as alegações da União representam discriminação contra os pacientes atendidos pelo SUS e ferem o direito ao acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde.

Em 2014, o MPF ajuizou ação civil pública na Justiça Federal contra a situação de discriminação enfrentada por pacientes do SUS que, ao serem atendidos em instituições de saúde privadas, eram obrigados a aguardar em salas separadas dos pacientes particulares ou com planos de saúde privados. Proposta pela Procuradoria da República no Rio Grande do Sul, a ação foi julgada procedente na primeira instância e os recursos interpostos pela União foram rejeitados pelo TRF4, sediado em Porto Alegre (RS). No entanto, a União apresentou nova contestação, por meio de embargos de declaração, alegando omissão do Tribunal no exame de dispositivos legais relacionados ao caso.

Segundo a União, a decisão judicial poderia implicar gastos significativos para as instituições de saúde, ferindo dispositivos da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB – Lei nº 13655/18). O ente federal alegou desrespeito aos princípios da igualdade, da independência entre os Poderes e da proporcionalidade. Além disso, argumentou a necessidade da presença do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), do Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (Conasems) e de instituições públicas e privadas ligadas ao SUS no polo passivo do processo.

Resposta do MPF – Em sua resposta ao recurso, o MPF apresentou contrarrazões justificando a necessidade de manutenção da decisão do Tribunal, por meio de análise detalhada de cada matéria do acórdão, que havia negado os argumentos da União. Por meio da contestação apresentada pela Procuradoria Regional da República da 4ª Região, o MPF demonstrou que não houve omissão no processo e que a decisão judicial deu aplicação correta a “determinações constitucionais que incidem sobre o caso e que foram francamente desrespeitadas pelo Poder Público e pelos hospitais conveniados”.

O órgão também questiona o argumento da União de que a medida poderia onerar as instituições de saúde, uma vez que “não haverá mais a necessidade de estruturas em duplicidade: salas para atendimento de pacientes privados e salas para atendimentos de pacientes do SUS”. O MPF destaca, ainda, o fato de que um paciente pagar por sua internação ou por seu tratamento não lhe dá o direito de aguardar para ser atendido em uma sala diferente “provavelmente, mais bem equipada, mais bonita ou mais confortável”. Além disso, o MPF ressalta que o acórdão do TRF4 examinou todos os pontos da controvérsia, e que a finalidade do recurso da União é simplesmente promover um novo julgamento do caso.

Discriminação – Para o MPF, o recurso da União legitima a discriminação contra os pacientes do SUS ao mesmo tempo que busca o posterior acesso às Cortes Superiores: “Ou seja, como se não bastasse todo o comportamento discriminatório tolerado pela União, pretenderá ela, provavelmente, submeter essa sua conduta às mais altas Cortes deste país, almejando chancelar esse tratamento inconstitucional, discriminatório e intolerável”.

Na resposta apresentada ao TRF4, o MPF observa que “é importante sublinhar o estranhíssimo comportamento da União que, embora ciente do tratamento discriminatório existente no âmbito do SUS, ao invés de defender a população atendida pelo sistema – muitas vezes, pessoas pobres e vulneráveis – prefere alinhar-se aos interesses das instituições privadas de saúde, que não querem misturar pacientes do SUS com pacientes particulares nas salas de espera de suas unidades”.

Na mesma linha, o TRF4 frisou no acórdão que “é infundada a alegação [da União] de que a igualdade de tratamento deve se dar somente no aspecto finalístico do serviço. A recepção inicial do paciente em um hospital, assim como o tempo e o ambiente de espera para o atendimento médico, integram a assistência à saúde em um sentido amplo. Vale dizer, a assistência à saúde não se limita a consultas, exames e procedimentos, pois envolve todo o tratamento dispensado ao paciente, desde a sua chegada no hospital”.

Entenda o caso – Após representação feita ao MPF para investigar o tratamento concedido aos pacientes do SUS em instituições particulares conveniadas, ficou comprovada a existência de locais de entrada e salas de recepções diferenciadas para os usuários do SUS em relação aos usuários particulares e de convênios.

No intuito de buscar uma solução previamente ao ajuizamento de ação judicial, o MPF realizou várias audiências e diligências, além de emitir recomendação ao Ministério da Saúde para que editasse Portaria determinando aos gestores estaduais e municipais que incluíssem cláusulas em seus contratos que vedassem a separação no atendimento aos pacientes. Contudo, a Consultoria Jurídica do Ministério da Saúde entendeu que a cláusula seria desnecessária e a medida nunca foi aplicada.

Processo nº 5062745-31.2014.4.04.7100

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