Eles se deitavam perto do meio-fio da rodovia para descansar durante o intervalo intrajornada.
A Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho rejeitou o recurso de revista da EZN Construtora e Serviços, de Alfredo Chaves (ES), que buscava reduzir o valor da indenização por danos morais coletivos por não fornecer local seguro para descanso de operários que trabalhavam às margens de uma rodovia. Para o colegiado, o valor, arbitrado em R$ 150 mil, é razoável e proporcional às circunstâncias do caso.
Acidente com morte
Na ação civil pública, o Ministério Público do Trabalho (MPT) disse que fora publicada, em jornal local, notícia de acidente que resultou na morte de um trabalhador às margens da rodovia ES-375, que liga Vargem Alta a Iconha. Após a refeição, ele se deitou perto do acostamento e foi atropelado por um Toyota Bandeirante que, “desgovernado e sem controle” que subiu no meio-fio da rodovia e o atropelou.
Na fiscalização, concluiu-se que os operários, após a refeição, se deitavam próximos ao meio-fio da rodovia, em área de sombra, para descansar, pois a empresa não fornecia local seguro. Diante da situação, que colocava em risco a integridade física dos trabalhadores, o MPT pediu a condenação da construtora por danos morais coletivos.
Saúde e segurança no trabalho
O juízo da 2ª Vara do Trabalho de Guarapari (ES) entendeu que a situação era habitual e que o empregador tinha a obrigação de minimizar riscos e de adotar medidas de segurança nesse sentido. Segundo a sentença, a violação consciente de princípios e normas elementares de saúde e segurança no trabalho coloca em perigo a vida e a saúde dos trabalhadores, causando lesão a toda a sociedade, pela violação da ordem jurídica e de bens e valores fundamentais. Assim, fixou indenização em R$ 150 mil por dano moral coletivo.
O Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região (ES) manteve a sentença.
Dano coletivo
A relatora do recurso de revista da construtora, ministra Maria Helena Mallmann, explicou que a violação das normas de saúde e segurança no trabalho não apenas contribuíram para o acidente fatal ocorrido como também colocavam em perigo a saúde e a vida dos empregados, configurando lesão injusta a direito da coletividade dos trabalhadores e de toda a sociedade. A situação, a seu ver, justifica a configuração de dano moral coletivo, “em virtude de intolerável infração às normas que integram o ordenamento jurídico”.
O recurso ficou assim ementado:
I – AGRAVO DE INSTRUMENTO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO ANTES DA LEI N.º13.015/2014.
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO MORAL COLETIVO. AUSÊNCIA DE DISPONIBILIZAÇÃO DE LOCAL SEGURO PARA FRUIÇÃO DO INTERVALO INTRAJORNADA. DESCANSO DOS TRABALHADORES NO ACOSTAMENTO DA RODOVIA. ACIDENTE DE TRABALHO COM ÓBITO DE UM TRABALHADOR. EXPOSIÇÃO DOS DEMAIS TRABALHADORES AO MESMO RISCO. QUANTUM MANTIDO PELO TRT EM R$150.000,00. MAJORAÇÃO DO VALOR. INDEVIDA. A jurisprudência desta Corte Superior, no tocante ao quantum indenizatório fixado pelas instâncias ordinárias, é no sentido de que a revisão do valor da indenização somente é possível quando excessiva ou irrisória a importância arbitrada a título de reparação de dano moral, em flagrante violação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Na hipótese, restou configurado o dano moral coletivo em razão da falta de disponibilização de um ambiente seguro para a fruição do intervalo de refeição e descanso dos trabalhadores , que deitavam às margens da rodovia, no acostamento, em ambiente de tráfego de veículos em velocidade elevada. No caso concreto, verifica-se que a indenização por danos morais coletivos, mantida pelo TRT em R$150.000,00 (cento e cinquenta mil reais) , levou em consideração a gravidade dos fatos, o porte econômico das reclamadas, o seu grau de culpa e o caráter pedagógico da medida. Nesse contexto, conclui-se que o valor arbitrado não se mostra desproporcional. Precedentes desta Corte Superior em que, em casos análogos de dano moral coletivo, a indenização foi fixada em valor inferior ao arbitrado na hipótese. Agravo de instrumento a que se nega provimento.
II – RECURSO DE REVISTA DA CONSTRUTORA ÁPIA LTDA. INTERPOSTO ANTES DA LEI N.º13.015/2014.
COISA JULGADA. ASSINATURA DE TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA ENTRE A PRIMEIRA RÉ E O MPT. OBJETO DISTINTO DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PESSOAS JURÍDICAS DISTINTAS NA AÇÃO CIVIL PÚBLICA. Como consignado no acórdão regional, o termo de ajustamento de conduta foi firmado exclusivamente entre a primeira ré e o MPT, ” impondo àquela a implementação de treinamentos com fito de informar os empregados acerca dos riscos profissionais que possam originar-se, além da manutenção de um local adequado para refeições e para descanso e manutenção da sinalização de segurança nas vias públicas (ID 15469). Destarte, empecilho não há no ajuizamento de ACP, buscando em face das tomadoras de serviço (segunda e terceira rés) o cumprimento de obrigações de fazer e não fazer, vez que se trata de pessoas completamente distintas “. Foi asseverado também no acórdão regional que ” Quanto ao pedido de indenização por dano moral coletivo , observa-se que não há no TAC celebrado com a primeira ré qualquer disposição nesse sentido , sendo certo que a eficácia liberatória decorrente da assinatura do TAC diz respeito exclusivamente ao cumprimento das obrigações nele firmadas, sob pena de se violar o princípio do acesso à justiça referente ao interesses e direitos, em regra, indisponíveis, quais sejam: os da coletividade “. Nesse contexto, não há como se acolher a alegação de coisa julgada em virtude do aludido termo de ajustamento de conduta, porquanto forçoso reconhecer a diferença de objeto entre o Termo de Ajustamento e a Ação Civil Pública, bem como que esta se direcionou a pessoas jurídicas distintas. Recurso de revista não conhecido.
LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM . MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. Na hipótese, o Tribunal Regional registrou que o Ministério Público do Trabalho (MPT) possui legitimidade ativa para agir na causa, destacando que ” para o desiderato a que se propõe este processo, que é a punição por dano moral coletivo, o falecimento do trabalhador , a todo os títulos lamentável, não é a vexata quaestio que deve ser apreciada, é sim o fato de que as empresas vem efetivamente se descurando de manter, de forma segura, o ambiente em que seus trabalhadores de rodovia prestam serviços “. A decisão regional está em consonância com a jurisprudência pacífica desta Corte, que reconhece a legitimidade ativa do Ministério Público do Trabalho nas ações coletivas para a tutela dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos de trabalhadores integrantes da categoria. Recurso de revista não conhecido.
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO MORAL COLETIVO. AUSÊNCIA DE DISPONIBILIZAÇÃO DE LOCAL SEGURO PARA FRUIÇÃO DO INTERVALO INTRAJORNADA. DESCANSO DOS TRABALHADORES NO ACOSTAMENTO DA RODOVIA. DANO IN RE IPSA . ACIDENTE DE TRABALHO COM ÓBITO DE UM TRABALHADOR. EXPOSIÇÃO DOS DEMAIS TRABALHADORES AO MESMO RISCO. REEXAME FÁTICO. MANTIDO PELO TRT EM R$150.000,00. MINORAÇÃO INDEVIDA. O exame do acórdão regional não deixa dúvidas acerca da conduta antijurídica das reclamadas . O TRT destacou que ” as empresas vêm efetivamente se descurando de manter, de forma segura, o ambiente em que seus trabalhadores de rodovia prestam serviços . Seja em caráter preventivo, seja mediante fiscalização, atuando eficazmente durante a prestação de serviço. O casos concreto do infortúnio do trabalhador, como se disse, daria ensejo à indenização por dano moral aos seus familiares, mas a negligência da empresa quanto à segurança de seus trabalhadores e falta de disponibilização de melhores condições de descanso durante a faina em locais de evidente risco, como são as rodovias, enseja o dano moral coletivo “. Foi asseverado no acórdão regional que ” Não é unicamente o fato do falecimento dele que dá ensejo a este dano, e sim a falta de cuidado do empregador em relação aos seus trabalhadores que vêm se submetendo às mesmas condições inseguras na prestação de serviço . Por um acaso fatídico, esse faleceu, mas certamente em outros dias em outros horários ele e outros fizeram a mesma coisa sem que tivesse acontecido nada, mas sempre correndo o mesmo risco. Isto porque a empresa, pelo que se vê, não tomava as medidas para que isso não ocorresse “. A Corte Regional registrou que ” não há qualquer comprovação nos autos de que a 1ª ré tenha informado seus empregados sobre os riscos profissionais que possam originar-se nos locais de trabalho (NR 1, item 1.7, alínea “c”, I), até porque, segundo se extrai do relato das testemunhas ouvidas no Relatório de Análise e Investigação de Acidente de Trabalho com Óbito (ID 15465 – ps. 12-13), a prática do repouso ao lado da rodovia após a refeição não se restringia ao empregado falecido “. Foi consignado no acórdão regional que ” além da previsibilidade do acidente acontecido, pois qualquer pessoa com discernimento mínimo sabe dos perigos de se transitar às margens de uma rodovia, a primeira ré possuía plena capacidade de adotar as medidas de segurança que poderiam ter evitado o acidente, sendo certo que seu contrato de subempreitada com segunda ré girou em torno de quase R$ 3.000.000,00 (três milhões de Reais), conforme instrumento do id Num. 15465 – Págs. 7/11 ” . Nesse contexto fático, insuscetível de alteração ante o óbice da Súmula 126 do TST, ao violar de forma patente e consciente princípios e normas elementares, de ordem pública, que regem a saúde e segurança no ambiente de trabalho, contribuindo para o acidente fatal ocorrido, tendo colocado em perigo a saúde e a vida dos trabalhadores, a reclamada, ora recorrente, causou lesão injusta e intolerável a direito não só da coletividade dos trabalhadores, seus empregados expostos aos mesmos riscos de acidente fatal, mas, também, lesionou direito de toda a sociedade, porquanto a violação da ordem jurídica, na espécie, foi grave, intolerável e injustificável, atingindo valores e bens fundamentais para a sociedade, como o direito à vida e à segurança e a própria dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho, todos amparados em nossa ordem constitucional. O entendimento do Tribunal Regional está em conformidade com a jurisprudência desta Corte, no sentido de que, nas hipóteses em que demonstrada a conduta antijurídica da empresa, mediante o descumprimento de normas de segurança e medicina do trabalho, o dano moral coletivo é devido, sendo considerado in re ipsa . No que se refere ao valor arbitrado , a jurisprudência desta Corte Superior, no tocante ao quantum indenizatório fixado pelas instâncias ordinárias, vem consolidando entendimento de que a revisão do valor da indenização somente é possível quando excessiva ou irrisória a importância arbitrada a título de reparação de dano moral, em flagrante violação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Na hipótese dos autos, verifica-se que a indenização por danos morais coletivos, arbitrada em R$150.000,00 (cento e cinquenta mil reais) , ao considerar as circunstâncias do caso com suas peculiaridades, o bem jurídico ofendido e a capacidade financeira das reclamadas, está dentro dos padrões da razoabilidade e da proporcionalidade. Recurso de revista não conhecido.
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. CONTRATO DE SUBEMPREITADA.
O Tribunal Regional, amparado no conteúdo fático-probatório delineado nos autos, manteve a sentença que reconheceu a responsabilidade solidária da primeira e segunda reclamadas, consignando que ” não se trata de terceirização na forma cristalizada na Súmula 331 do TST, mas de contrato de empreitada entre a segunda ré e o terceiro réu e de contrato de subempreitada entre a primeira e segunda reclamadas , na exata dicção do art. 455 da CLT “. A decisão regional está em consonância com a jurisprudência desta Corte, no sentido de que, nos casos de empreitada e subempreitada, o empreiteiro principal responde de forma solidária pelas obrigações do subempreiteiro, segundo os termos do art. 455 da CLT. Recurso de revista não conhecido.
A decisão foi unânime.
Processo: ARR-100068-37.2013.5.17.0152