Ao analisar legislação do DF, Augusto Aras afirmou que norma invade competência privativa da União para legislar sobre o tema
Em parecer encaminhado ao Supremo Tribunal Federal (STF), o procurador-geral da República, Augusto Aras, defende a inconstitucionalidade de uma lei editada pelo Distrito Federal em 2014, que alterou a ordem de fases de licitações. Para o PGR, a medida contraria a Lei 8.666/1993 e, consequentemente, invade a competência privativa da União para legislar nesses casos. A matéria está na Suprema Corte com repercussão geral reconhecida (Tema 1.036). Com isso, o resultado do julgamento passa a vincular todos os processos relativos ao mesmo assunto, em todas as instâncias da Justiça brasileira.
A Lei de Licitações e Contratos estabelece a seguinte ordem para as fases do procedimento licitatório: edital, habilitação, classificação, homologação e adjudicação. Já a Lei Distrital 5.345/2014 – alvo da controvérsia no Supremo – estipula que a etapa da classificação anteceda à da habilitação, nas modalidades de concorrência e tomada de preço. O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) questionou o trecho da norma na Justiça do DF, que considerou a alteração inconstitucional. O Executivo distrital, então, recorreu ao Supremo. A decisão virá do julgamento em sede de recurso especial.
Ao se manifestar nos autos, a Procuradoria-Geral da República alega ocorrência de inconstitucionalidade formal, já que o DF editou lei ditando regras gerais sobre fases da licitação em clara usurpação da competência privativa da União. No documento, Augusto Aras explica que é vedado ao ente subnacional legislar sobre a matéria de modo distinto do estabelecido na lei federal. Nesse sentido, não há distinções entre modalidades de licitação, pois todas são determinadas por critérios, como o valor do contrato a ser firmado – caso da concorrência, da tomada de preços e do convite -, e a finalidade a que se destinam, tais como o leilão e o concurso.
Especificamente sobre a alteração das fases, o procurador-geral estaca que um dos problemas em se proceder à habilitação dos licitantes antes da classificação das propostas, é o potencial de se alongar a duração das licitações por causa da interposição de sucessivos recursos administrativos e judiciais na conclusão de cada uma das etapas. Em licitações complexas, por exemplo, a classificação de um proponente incapaz de comprovar a habilitação técnica ou econômica implica riscos de atrasos e de judicialização.
“A Lei Distrital 5.345/2014, ao estabelecer a inversão indiscriminada das fases de habilitação e classificação nas modalidades concorrência e tomada de preços, ofende o regramento mínimo sobre as ‘normas gerais’ de licitação e contratos já estabelecido, em diversos precedentes, pelo STF”, argumenta Augusto Aras no documento enviado ao STF.
Acrescenta, ainda, que algumas leis federais que permitem a inversão das fases do procedimento licitatório são exceções à regra geral prevista na Lei 8.666/1993. Como exemplos, o documento menciona a Lei do Pregão (Lei 10.520/2020), a qual dispõe sobre modalidade autônoma de licitação, matéria abrangida pela competência privativa da União, e o Regime Diferenciado de Contratações Públicas (Lei 12.462/2011), voltado para os Jogos Olímpicos e Paralímpicos de 2016, a Copa do Mundo de 2014 e a Copa das Confederações de 2013.
A lei distrital, por outro lado, prevê procedimento diferente do previsto na Lei 8.666 para a integralidade das licitações nas modalidades concorrência e tomada de preços. “Cuida-se, portanto, de ‘norma geral’ sobre licitações, matéria que foge ao escopo da competência suplementar dos entes subnacionais”, observa o PGR.
A discussão sobre as alterações das fases do processo licitatório já chegou à Câmara dos Deputados, a qual aprovou, em setembro do ano passado, uma subemenda substitutiva global reformulada do Plenário ao Projeto de Lei 1.292/1995, alterando diversos pontos da Lei 8.666/1993, e permitindo inversão das fases de habilitação e classificação. No entanto, a matéria ainda se encontra sob apreciação do Senado Federal.
Fixação de tese – O procurador-geral opina pelo desprovimento do recurso extraordinário interposto pelo Distrito Federal e, considerados a sistemática da repercussão geral e os efeitos do julgamento deste recurso em relação aos demais casos que tratem ou venham a tratar do Tema 1.036, sugere a fixação da seguinte tese: “É inconstitucional lei local que disciplina as fases do procedimento licitatório de modo diverso do previsto na legislação federal”.
Íntegra da manifestação no RE 1188352