Decisão reabre processo que pede concessão de benefício especial para pessoas que foram isoladas por terem contraído hanseníase
O Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF6) reconheceu a legitimidade do Ministério Público Federal (MPF) para atuar pela concessão de pensão especial para pessoas atingidas pela hanseníase e submetidas à internação compulsória.
Em 2017, o MPF entrou com ação civil pública contra a União e o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), em favor de pessoas que foram submetidas, até 31 de dezembro de 1986, a isolamento e internação compulsórios em hospitais-colônia para tratamento da hanseníase.
Em Minas Gerais, um dos símbolos dessa época é a Colônia Santa Izabel, localizada na zona rural de Betim, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, criada para abrigar 1.500 pessoas com hanseníase, mas que chegou a isolar quase o triplo – sete mil pessoas que ficavam impedidas de manter qualquer contato com o mundo exterior. Por isso, após ser procurado pelo Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan), o MPF visitou a Colônia Santa Izabel, onde ouviu diversas pessoas durante a instrução do caso, para ajuizar a ação civil pública.
Na ação, o MPF requereu ao Poder Judiciário que a União fosse obrigada a revisar todos os pedidos de pensão especial formulados por pessoas de todo o país, que afirmaram ter sido vítimas da política de internação compulsória, e que o fizeram com fundamento na Lei 11.520/2007, mas que tiveram os respectivos requerimentos de pensão especial indeferidos. O direito à pensão especial foi reconhecido pela Lei 11.520/2007 às pessoas que atendessem aos requisitos legais, quando, reconhecendo a responsabilidade do Estado pela violação dos direitos humanos das pessoas com hanseníase que foram submetidas a internações compulsórias, o presidente da República editou medida provisória, posteriormente convertida em lei, autorizando a concessão a essas pessoas de uma pensão mensal, vitalícia e intransferível. Muitas pessoas que poderiam ter sido reparadas pela lei, ao pleitearem esse direito, encontraram obstáculos administrativos e procedimentais, como a dificuldade de obtenção de documentos comprobatórios que se encontravam em poder da União.
Além do pedido de revisão dos inúmeros casos que haviam sido indeferidos, foi requerido na ação que fosse liminarmente determinado à União que concedesse a pensão especial prevista na Lei n.º 11.520/2007 a nove pessoas que chegaram a ser individualmente ouvidas pelo MPF e que apresentaram documentação comprobatória de que foram submetidas ao isolamento compulsório para tratamento da doença em hospitais-colônia. Também foi pedido que, no julgamento da ação, a União fosse condenada definitivamente a conceder pensão especial a essas nove pessoas cujos casos foram instruídos pelo MPF, assim como que o INSS fosse condenado a proceder ao processamento, à manutenção e ao pagamento da pensão especial prevista na Lei n.º 11.520/2007 a essas nove pessoas, devendo também, a União e o INSS, realizar o processamento e pagamento dos retroativos a elas devidos.
A decisão do TRF6 foi dada em apelação do MPF contra decisão da Justiça Federal de Minas Gerais, que extinguiu a ação civil pública em primeira instância sem análise de mérito. Na ocasião, a 6ª Vara Federal de Belo Horizonte apontou suposta ilegitimidade do Ministério Público para promover esse tipo de ação.
Ao reformar a sentença, o Tribunal determinou a reabertura do processo, considerando que “é notória a existência de relevância social, a autorizar a atuação do MPF”.
O TRF6 afirmou que a jurisprudência das Cortes Superiores reconhece, sem restrições, a legitimidade do MPF para ajuizar ações coletivas na defesa dos direitos difusos. No caso dos direitos individuais homogêneos, o Ministério Público pode atuar sempre que se tratar de direito indisponível ou disponível com relevância social. Inclusive, o Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu expressamente que o Ministério Público possui legitimidade para propor ações na defesa dos direitos previdenciários e benefícios assistenciais.
Falecimento de uma das vítimas – A ação foi ajuizada em 27 de setembro de 2017. Cinco dias depois, a 6ª Vara Federal postergou a análise do pedido de tutela provisória de urgência para fase posterior às manifestações do INSS e da União, que foram apresentadas, respectivamente, em novembro de 2017 e fevereiro de 2018.
Em 22 de março de 2018, o MPF impugnou as contestações e requereu à Justiça a análise urgente do pedido de tutela provisória, por se tratar de direito de pessoas idosas, que se encontram em situação de vulnerabilidade social, e por haver prova clara da probabilidade do direito requerido.
No entanto, como o pedido de tutela de urgência não foi apreciado, o MPF o reiterou em janeiro de 2019, ocasião em que informou o falecimento de uma das vítimas, sem que ela tivesse recebido a devida reparação, o que, conforme a petição, “evidenciava, de modo dramático, o risco ao resultado útil do processo e a urgência da tutela pleiteada, com relação às demais pessoas abrangidas na ação”.
Ainda se passaram mais cinco meses, até que o Juízo Federal, acolhendo preliminar de ilegitimidade de parte suscitada pela União e pelo INSS, julgou extinto o processo sem analisar o mérito, levando o MPF a recorrer, então, ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), em Brasília. No entanto, com a instalação do Tribunal Regional Federal da 6ª Região, localizado em Minas Gerais, o processo foi transferido para o novo Tribunal, onde, enfim, teve um primeiro desfecho favorável às vítimas da política de internação compulsória, com a decisão que reconhece a legitimidade do MPF para propor a ação na defesa do benefício da pensão especial a que essas pessoas têm direito.
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