Juízo do local de destino da droga é competente para julgar remessa do exterior para o Brasil por via postal

A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) flexibilizou o entendimento da Súmula 528 e estabeleceu que, no caso de remessa de drogas ao Brasil por via postal, com o conhecimento do endereço designado para a entrega, a competência para processamento e julgamento deve ser fixada no juízo do local de destino.

O colegiado acompanhou o relator do conflito de competência, ministro Joel Ilan Paciornik, para quem, sendo conhecido o endereço designado para a entrega, a fixação da competência no local de destino da droga propicia mais eficiência à investigação e mais rapidez ao processo.

O conflito foi suscitado no STJ após a apreensão de ecstasy no Centro Internacional dos Correios em Pinhais (PR). A droga foi remetida da Holanda e tinha como destinatários residentes de Sinop (MT).

Contudo, o juízo federal de Sinop declinou da competência em função da Súmula 528, segundo a qual, havendo remessa de drogas por via postal, o processo por crime de tráfico internacional cabe ao juiz federal do local onde ocorre a apreensão. O juízo de Pinhais, por sua vez, suscitou o conflito no STJ, em razão de recente julgamento que flexibilizou a aplicação da Súmula 151.

Contrabando e descaminho

Segundo Joel Ilan Paciornik, a Terceira Seção, no julgamento do CC 172.392, de sua relatoria, flexibilizou a incidência da Súmula 151 nas hipóteses em que a mercadoria apreendida, objeto de contrabando e descaminho, estiver em trânsito e for conhecido o endereço da empresa à qual se destina.

Naquela oportunidade, ressaltou, foi estabelecida a competência do juízo de destino da mercadoria, ou seja, do local em que a empresa está situada, em razão da facilidade de colheita de provas e da consequente otimização da duração do processo.

Analisando os precedentes que embasaram a redação da Súmula 528, o relator constatou que o principal fundamento adotado foi o de que a competência deve ser fixada no momento de consumação do delito, em observância ao artigo 70 do Código de Processo Penal.

Nesses precedentes, segundo o magistrado, ponderou-se que, como o tráfico de drogas é um delito de ação múltipla, no momento da apreensão da droga já há a consumação, sendo desnecessário que ela chegue ao destinatário.

Autoria

Joel Paciornik observou que, anteriormente à edição da Súmula 528, o ministro Rogerio Schietti Cruz havia proposto a fixação da competência no juízo do local de destino da droga, exclusivamente no caso de importação pelo correio (ou seja, quando é conhecido o destinatário).

Apesar de ter ficado vencido esse entendimento em função da jurisprudência adotada pelo tribunal, de acordo com o ministro Paciornik, o tempo revelou dificuldades para a investigação no caso de importação em que a droga é apreendida em local distante do destino conhecido.

“Embora, no local de apreensão da droga, já seja possível a realização da prova da materialidade delitiva, o mesmo não acontece no que diz respeito à autoria, cuja apuração a distância é difícil e muitas vezes inviável. Em outras palavras, nem mesmo a força da Súmula 528 consegue alterar a realidade fática da dificuldade investigativa em local distante do endereço de destino da droga”, afirmou, ao destacar que o Ministério Público Federal se posicionou favoravelmente à flexibilização da regra no caso.

Em seu voto, o ministro ponderou que, se a consumação da importação da droga ocorre no momento da entabulação do negócio, o local de apreensão da mercadoria em trânsito não se confunde com o local da consumação do delito, o qual já se encontrava perfeito e acabado desde a negociação.

“A fixação da competência no local de destino da droga, quando houver postagem do exterior para o Brasil com o conhecimento do endereço designado para a entrega, proporcionará eficiência da colheita de provas relativamente à autoria e, consequentemente, também viabilizará o exercício da defesa de forma mais ampla”, afirmou.​

O recurso ficou assim ementado:

CONFLITO  DE  COMPETÊNCIA.  PROCESSUAL  PENAL. TRÁFICO   INTERNACIONAL   DE   DROGAS   VIA   CORREIO. IMPORTAÇÃO.   APREENSÃO   DA   DROGA   EM   CENTRO INTERNACIONAL  DOS  CORREIOS  DISTANTE  DO  LOCAL  DE DESTINO. FACILIDADE  PARA  COLHEITA  DE  PROVAS  DA  AUTORIA DELITIVA  NO  ENDEREÇO  DO  DESTINATÁRIO  DA  DROGA. MITIGAÇÃO  DA  SÚMULA  N.  528  DO  SUPERIOR  TRIBUNAL  DE JUSTIÇA – STJ. COMPETÊNCIA DO JUÍZO SUSCITADO.

  1. O presente conflito de competência deve ser conhecido, por se tratar de  incidente  instaurado  entre  juízos  vinculados  a  Tribunais distintos,  nos  termos  do  art.  105,  inciso  I,  alínea  “d”,  da  Constituição Federal – CF.

  2. No caso dos autos, a Polícia Federal em Sinop/MT instaurou inquérito policial para  apurar  a  suposta  prática  de  crime  de  tráfico internacional de drogas, tipificado no art. 33 c.c. os arts. 40, inciso I, e 70, todos da Lei nº. 11.343/2006, uma vez que, nos dias 23/12/2016, 5/4/2017 e 11/5/2017, no Centro Internacional dos Correios em Pinhais/PR, foram apreendidos objetos postais que continham, respectivamente, 148,47, 30 e 75 g de ecstasy. Apurou-se no procedimento investigatório tratar-se de importação  de droga,  visto  que  os  objetos  postais  foram  remetidos  da Holanda e tinham como destinatários pessoas residentes no município de  Sinop/MT, de acordo com o recibo dos Correios.

  3. O núcleo da  controvérsia  consiste  em  verificar  a possibilidade de redimensionar o alcance da Súmula n. 528/STJ, a qual cuida de tráfico de drogas praticado via postal, nos mesmos moldes em que a Terceira Seção desta Corte Superior de Justiça, no precedente do CC  172.392/SP,  de  minha  relatoria,  DJe  29/6/2020,  flexibilizou  a incidência da Súmula n. 151/STJ, no caso de contrabando e descaminho, quando  a  mercadoria  apreendida  estiver  em  trânsito  e  conhece-se  o endereço da empresa importadora destinatária da mercadoria.

  4. Conforme Súmula n. 528/STJ,”Compete ao Juiz Federal do local da apreensão  da  droga  remetida  do  exterior  pela  via  postal processar  e  julgar  o  crime  de  tráfico  internacional”. Feita  a  necessária digressão sobre os julgados inspiradores da Súmula n. 528/STJ, constata-se que o ilustre Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, no julgamento do CC 134.421/TJ (DJe 4/12/2014), propôs a revisão do seu posicionamento para, exclusivamente no caso de importação de droga via correio (ou seja, quando conhecido o destinatário), reconhecer como competente o Juízo do  local  de  destino  da  droga.  Malgrado  tenha  vencido  a  tese  pela competência  do  local  da  apreensão  da  droga,  em  nome  da segurança jurídica,  a  dinâmica  do  tempo  continua  revelando  as dificuldades investigativas no caso de importação via correios, quando a droga é apreendida em local distante do destino conhecido.

  5. “Em  situações  excepcionais,  a  jurisprudência  desta  Corte tem  admitido  a  fixação  da  competência  para  o  julgamento  do  delito  no local onde tiveram início os atos executórios, em nome da facilidade para a coleta de provas e para a instrução do processo, tendo em conta os princípios que atendem à finalidade maior do processo que é a busca da verdade real”(CC 151.836/GO, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, TERCEIRA SEÇÃO, DJe 26/6/2017).Ademais, uma vez abraçada a tese de que a consumação da importação  da  droga  ocorre  no  momento  da  entabulação  do  negócio jurídico, o local de apreensão da mercadoria em trânsito não se confunde com o local da consumação do delito, o qual já se encontrava perfeito e acabado desde a negociação.

  6. Prestação jurisdicional  efetiva depende  de  investigação policial eficiente. Caso inicialmente o local da apreensão da droga possa apresentar-se  como  facilitador  da  colheita  de  provas  no  tocante  à materialidade delitiva, em um segundo momento, a distância do local de destino  da  droga  dificulta  sobremaneira  as  investigações  da  autoria delitiva, sendo inegável que os autores do crime possuam alguma ligação com o endereço aposto na correspondência.

  7. A fixação da  competência  no  local  de  destino  da  droga, quando houver postagem do exterior para o Brasil com o conhecimento do  endereço  designado  para  a  entrega,  proporcionará  eficiência  da colheita de provas relativamente à autoria e, consequentemente, também viabilizará o exercício da defesa de forma mais ampla. Em suma, deve ser estabelecida a  competência  no  Juízo  do  local  de  destino  do entorpecente, mediante flexibilização da Súmula n. 528/STJ, em favor da facilitação  da  fase  investigativa,  da  busca  da  verdade  e  da  duração razoável do processo.

  8. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo Federal da 2ª Vara Cível e Criminal de Sinop – SJ/MT, o suscitado.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): CC 177882

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