Nas hipóteses relacionadas à propositura de ação civil pública, o julgador deve determinar a emenda da petição inicial sempre que forem detectados defeitos ou irregularidades relacionados ao pedido, mesmo após a apresentação de contestação pela outra parte.
Com base nesse entendimento, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou, por maioria, recurso de um banco contra decisão do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) que entendeu não ser possível a extinção de ação civil pública contra a instituição financeira sem que, antes da sentença, o autor tivesse a oportunidade de corrigir a inicial no juízo de primeiro grau.
Ao analisar ação civil pública que discute a incidência de juros capitalizados em contratos bancários, o magistrado havia considerado a petição inicial inepta por não preencher os requisitos do artigo 282 do Código de Processo Civil (CPC) – ausência de especificação do pedido, certeza e determinabilidade –, o que motivou a extinção do processo sem resolução do mérito ainda na primeira instância.
“Considero incompatível com a interpretação sistemática e teleológica do sistema processual civil brasileiro e, principalmente, com a metodologia a que se submetem as ações coletivas, gênero de que é espécie a ação civil pública, o procedimento adotado pelo juízo sentenciante que, não realizando o exame prévio da exordial quando da propositura da ação, deu prosseguimento ao feito, e somente por ocasião da contestação, verificando a inépcia da inicial, decidiu pela extinção do processo sem julgamento do mérito, sem oportunizar a solução das irregularidades aventadas”, explicou o ministro relator, Luis Felipe Salomão.
Economia processual
Em relação especificamente à ação civil pública, Salomão explicou que o processo não apresenta curso judicial diferenciado; todavia, ela é expressão de um conjunto de princípios que devem ser adaptados “a partir do processo civil comum para viabilizar a defesa de interesses que extrapolam os simplesmente individuais”.
Segundo o ministro, o novo CPC estabelece que, ao verificar que a petição inicial não preenche todos os requisitos ou se ela tiver defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento do mérito, o juiz deve intimar o autor para corrigi-la ou completá-la, sob pena de indeferimento.
De acordo com Salomão, o prazo, neste caso, deve ser de 15 dias, “a sinalizar verdadeiro compromisso com o aproveitamento dos atos processuais e os princípios da efetividade e economia processuais”.
No caso da ação civil questionada no recurso especial analisado pela Quarta Turma, Salomão afirmou que, mesmo com a inadequação do pedido da inicial aos comandos dos dispositivos de lei, o juiz jamais poderia decidir pela pura e simples extinção do processo sem resolução de mérito.
“Caso o saneamento das imperfeições da peça inicial leve à inovação do pedido ou causa de pedir, caberá ao juiz realizar o necessário controle jurisdicional, garantindo a estabilidade da demanda, promovendo, para tanto, após a emenda da exordial pela ora recorrida, oportunidade de manifestação à recorrente acerca do referido ato, assegurando-se, assim, o contraditório e a ampla defesa, sem qualquer prejuízo às partes, tampouco nulidade do processo”, destacou o relator.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC⁄1973. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PETIÇÃO INICIAL INEPTA. PEDIDO GENÉRICO. EMENDA APÓS A CONSTATAÇÃO. AÇÕES INDIVIDUAIS. JURISPRUDÊNCIA VACILANTE. AÇÕES COLETIVAS. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA EFETIVIDADE. INSTRUMENTO DE ELIMINAÇÃO DA LITIGIOSIDADE DE MASSA.
1. Não há falar em ofensa ao art. 535 do CPC⁄1973, se a matéria em exame foi devidamente enfrentada pelo Tribunal de origem, que emitiu pronunciamento de forma fundamentada, ainda que em sentido contrário à pretensão da parte recorrente.
2. No que se refere às ações individuais, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça diverge sobre a possibilidade de, após a contestação, emendar-se a petição inicial, quando detectados defeitos e irregularidades relacionados ao pedido, num momento entendendo pela extinção do processo, sem julgamento do mérito (REsp 650.936⁄RJ, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 21⁄3⁄2006, DJ 10⁄5⁄2006) em outro, afirmando a possibilidade da determinação judicial de emenda à inicial, mesmo após a contestação do réu (REsp 1229296⁄SP, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 10⁄11⁄2016, DJe 18⁄11⁄2016).
3. A ação civil pública é instrumento processual de ordem constitucional, destinado à defesa de interesses transindividuais, difusos, coletivos ou individuais homogêneos e a relevância dos interesses tutelados, de natureza social, imprime ao direito processual civil, na tutela destes bens, a adoção de princípios distintos dos adotados pelo Código de Processo Civil, tais como o da efetividade.
4. O princípio da efetividade está intimamente ligado ao valor social e deve ser utilizado pelo juiz da causa para abrandar os rigores da intelecção vinculada exclusivamente ao Código de Processo Civil – desconsiderando as especificidades do microssistema regente das ações civis -, dado seu escopo de servir à solução de litígios de caráter individual.
5. Deveras, a ação civil constitui instrumento de eliminação da litigiosidade de massa, capaz de dissipar infindos processos individuais, evitando, ademais, a existência de diversidade de entendimentos sobre o mesmo caso, possuindo, ademais, expressivo papel no aperfeiçoamento da prestação jurisdicional, diante de sua vocação inata de proteger um número elevado de pessoas mediante um único processo.
6. A orientação que recomenda o suprimento de eventual irregularidade na instrução da exordial por meio de diligência consistente em sua emenda, prestigia a função instrumental do processo, segundo a qual a forma deve servir ao processo e a consecução de seu fim. A técnica processual deve ser observada não como um fim em si mesmo, mas para possibilitar que os objetivos, em função dos quais ela se justifica, sejam alcançados.
7. Recurso especial a que se nega provimento.