A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) acolheu recurso da Empresa Folha da Manhã S.A., que edita o jornal Folha de S.Paulo, para determinar que a administração pública estadual forneça informações relacionadas a mortes registradas pela polícia em boletins de ocorrência. Segundo a empresa jornalística, os dados serão utilizados em apuração sobre a efetividade das políticas adotadas pelo governo do estado de São Paulo na repressão e prevenção dos crimes.
O pedido havia sido negado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) sob o fundamento de que, apesar de terem natureza pública, as informações deveriam ser divulgadas com cautela e não seriam indispensáveis para o trabalho jornalístico.
No entanto, para o relator do recurso da Empresa Folha da Manhã, ministro Og Fernandes, não cabe à administração pública ou ao Poder Judiciário discutir o uso que se pretende dar à informação de natureza pública. “A informação, por ser pública, deve estar disponível ao público, independentemente de justificações ou considerações quanto aos interesses a que se destina”, afirmou.
Censura judicial
Segundo o magistrado, a decisão do TJSP significou controle prévio genérico da veiculação de notícias. “Não se está diante nem sequer de um texto pronto e acabado, hipótese em que, de modo já absolutamente excepcional, poder-se-ia cogitar de apreciação judicial dos danos decorrentes de sua circulação, a ponto de vedá-la. Na hipótese, a censura judicial prévia inviabiliza até mesmo a apuração jornalística, fazendo secreta a informação reconhecidamente pública”, declarou o relator.
No mandado de segurança, a empresa alegou que o pedido de acesso às informações havia sido acolhido pela Ouvidoria Geral do Estado, mas a decisão não foi atendida pela autoridade policial. Segundo ela, a administração pública chegou a publicar alguns dados em um portal, mas com abrangência menor do que a solicitada.
O mandado de segurança foi acolhido em primeira instância, mas o TJSP reformou a sentença e negou o pedido. De acordo com o tribunal, além de a informação não ser indispensável para o jornal, os elementos identificadores das pessoas falecidas e dos crimes de homicídio não poderiam ser divulgados na mídia de grande circulação porque haveria risco à segurança e à privacidade das respectivas famílias, tornando-as mais vulneráveis a vinganças e ressentimentos que permanecem após os crimes contra a vida.
Temor prévio
O ministro Og Fernandes apontou que, no ordenamento jurídico brasileiro, não é possível conceber norma que coíba a atuação da imprensa. Por isso, explicou, se existe direito de acesso público a uma informação mantida pelo Estado, não é concebível impedir que a imprensa – apenas por ser imprensa – possa acessá-la.
O relator lembrou que a informação pública é subsídio da produção jornalística, mas as duas coisas não se confundem. Segundo Og Fernandes, os dados públicos podem ser usados pela imprensa de várias formas, como base para novas investigações, cruzamentos ou entrevistas, mas nenhuma dessas utilizações corresponde, de forma direta, à própria veiculação dos dados.
“Não se pode vedar o exercício de um direito – acessar a informação pública – pelo mero receio do abuso no exercício de um outro e distinto direito – o de livre comunicar”, afirmou. “Não se pode inviabilizar o acesso da imprensa à informação pública pelo mero temor precognitivo de que a incerta e eventual veiculação midiática de dados públicos causará potencialmente danos.”
Base de dados
Ao citar as disposições do artigo 11 da Lei de Acesso à Informação, Og Fernandes também lembrou que a concessão do mandado de segurança não obriga a administração a fornecer diretamente os documentos, podendo remeter o jornal à base em que constem os dados solicitados.
Quanto ao portal público, o ministro disse que as informações ali divulgadas cobrem parte do período de interesse do jornal. Assim, apenas os dados que não estiverem disponíveis no portal deverão ser disponibilizados diretamente à empresa jornalística.
De acordo com o relator, o portal é um meio de cumprimento da obrigação de fornecer acesso aos dados públicos, o qual não afasta o interesse jurídico da empresa no reconhecimento do seu direito líquido e certo de ter acesso a eles, “qualquer que seja o uso que deles pretenda fazer, independentemente de justificação prévia. Eventual abuso ou ilicitude, verificado oportunamente, dará ensejo às devidas responsabilizações”, concluiu Og Fernandes ao restabelecer a sentença.