A 8ª Vara Federal de Porto Alegre negou o pedido para que o Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae) assuma a gestão e operação da Casa de Bombas da Bacia Rodoferroviária. A decisão, publicada ontem (5/11), é do juiz José Ricardo Pereira, mas o mérito da ação ainda será julgado.
O Município de Porto Alegre e o Dmae ingressaram com ação contra a Empresa de Trens Urbanos de Porto Alegre (Trensurb) afirmando que o pedido de transferência visa assegurar a eficiência na drenagem urbana da capital e prevenir novos alagamentos que vêm afetando a população porto-alegrense. Afirmaram que a Casa de Bombas da Bacia Rodoferroviária, implantada em 1984 pelo Trensurb, possuía a finalidade original de drenagem tanto da via permanente ferroviária (trilhos) quanto da pista viária (Bacia Rodoviária), substituindo a antiga casa de bombas que anteriormente realizava essa drenagem, sendo que, nos últimos 40 anos, esta desempenhou papel crucial na prevenção de alagamentos nas vias públicas adjacentes. Narraram que foi constatada, por ocasião da enchente ocorrida em maio deste ano, a existência de falhas graves na gestão do sistema de drenagem, acarretando, inclusive, a impossibilidade de operação regular do transporte ferroviário.
Os autores alegaram também que a Trensurb tem dificultado o acesso dos agentes municipais às suas instalações. Apenas no dia 02/10/2024, as equipes do Dmae tiveram acesso ao poço da Casa de Bombas da Bacia Rodoferroviária, e verificaram que uma das três comportas das tubulações de chegada estava fechada e sem possibilidade de manobra, impossibilitando a entrada das águas pluviais provenientes da Avenida Voluntários da Pátria, nas imediações do DC Navegantes e do cruzamento com a Avenida Sertório. Afirmaram que isso causou represamento da água na pista, resultando em diversos alagamentos na via urbana nos últimos meses, gerando transtornos significativos para a população, que ficou impedida de trafegar pelo local mesmo em episódios de chuvas de menor intensidade.
Argumentaram que, após a realização do conserto e abertura completa da comporta pelo Dmae, a água acumulada na Avenida Voluntários da Pátria escoou de maneira imediata e rápida, evidenciando a importância funcional da Casa de Bombas para o funcionamento regular da drenagem urbana.
Em sua defesa, a Trensurb pontuou que a Bacia Rodoferroviária não poderia ser cedida, pois faz parte integrante da via permanente (trilhos), sendo projetada para esgotar a água acumulada nesta e não na via pública. Alegou que caberia à Prefeitura de Porto Alegre fechar a comunicação com a via pública que deságua na Bacia Rodoferroviária. Destacou ainda que está inserida no Programa Nacional de Desestatização, o que impede a transferência de seus ativos. Afirmou que qualquer decisão sobre a transferência de domínio ou administração de seus bens deveria ser deliberada pela Secretaria Especial do Programa de Parcerias de Investimentos, vinculada à Presidência da República.
Análise preliminar
Ao analisar o caso, o juiz federal José Ricardo Pereira destacou que “a questão envolve verdadeiro litígio estrutural, porquanto os interesses das partes impõem o enfrentamento de grave problema social, presente, por conseguinte, o que a doutrina denomina processo estrutural, quando toda a coletividade será atingida pela decisão que vier a ser tomada na presente demanda, de sorte que a demanda em tela possui natureza coletiva transindividual”. Por isso, considerando o interesse coletivo, ele entendeu que o feito deverá tramitar como ação civil pública.
“Com efeito, é nessa sede processual que poderá melhor se desenvolver a lide complexa que se apresenta, mediante realização de estudos técnicos necessários ao deslinde do feito; a prova processual pertinente, bem ainda eventual modulação de ações das partes envolvidas – entes públicos que possuam sua atuação modulada por normas administrativas -, bem como se apresenta viável a colmatação das obrigações destes, na via de eventual Termo de Ajuste de Condutas, de modo que não haja lacunas, nem superposições, na tutela de interesses transindividuais e coletivos”.
Em relação às provas apresentadas até o momento, o magistrado concluiu que a administração da Casa de Bombas feita pela Trensurb contribuiu para dificultar que se resolvessem os problemas resultantes no menor tempo possível, afetando não só o transporte ferroviário, bem como todo o entorno. Ele ressaltou que, mesmo que a Casa de Bombas tenha sido projetada para esgotar a água acumulada na via permanente e não da via pública, “não restam dúvidas que, ao menos neste momento, sua atuação exerce forte impacto na coletividade, não se podendo, a priori, estabelecer uma diferenciação entre as áreas pertencentes ao município e à empresa pública federal (Trensurb) quando se trata de alagamento que afeta a todos de maneira geral, devendo por isto mesmo, ainda que de forma emergencial, buscar-se uma solução que atenda a todos os interessados’.
O juiz pontuou que a Trensurb informou que adotou providências para garantir o efetivo funcionamento da Casa de Bombas da Bacia Rodoferroviária. Por isso, ele entendeu que estaria suprimida a preocupação dos autores com relação à drenagem da área abrangida no entorno da mesma.
“Ressalte-se que à toda vista não cabe ao Poder Judiciário substituir ou se sobrepor à Administração para alterar a responsabilidade pela manutenção e funcionamento da Casa de Bombas, mas tão somente realizar um controle de legalidade dos atos administrativos, de sorte que, ao menos num juízo perfunctório, não resta demonstrada a probabilidade do direito, mormente a desnecessidade, neste momento, de alterar-se a responsabilidade pelo funcionamento e manutenção do equipamento discutido nos autos”.
O juiz indeferiu o pedido tutela de urgência, mas cabe recurso ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Na decisão, ele também encaminhou a ação para a Central de Processamento. de Litígios Associados à Catástrofe Climática RS – 2024.