A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) restabeleceu decisão de primeiro grau que anulou uma sentença homologatória de partilha e declarou a companheira do falecido como a única herdeira, excluindo os irmãos dele da linha sucessória. Ao anular a homologação da partilha, o juízo levou em conta a tese fixada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no Tema 809 da repercussão geral e, também, a falta de citação da companheira no processo.
Por unanimidade, a Terceira Turma afastou a conclusão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) de que o Tema 809 não seria aplicável ao caso pelo fato de a partilha já estar homologada antes do julgamento em que o STF considerou inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros.
A ação de inventário foi proposta por um irmão do falecido, que indicou os demais irmãos como herdeiros. Diante do consenso das partes até então citadas no processo, o juiz homologou a partilha e atribuiu aos herdeiros os respectivos quinhões. Antes da expedição do formal de partilha, a companheira do falecido requereu a sua habilitação nos autos.
Irmãos excluídos
Em razão desse fato, o juiz declarou insubsistente a sentença homologatória anteriormente proferida. E, após o julgamento do Tema 809 pelo STF, aplicou ao inventário a regra do artigo 1.829 do Código Civil, tornando a convivente herdeira e excluindo os irmãos do falecido da linha sucessória.
O TJSP, porém, reformou a sentença, por considerar que o Tema 809 – como definido pelo próprio STF – só seria aplicável aos inventários cuja sentença de partilha ainda não houvesse transitado em julgado. Considerando que a partilha já se encontrava homologada e que não havia nenhum recurso, o TJSP decretou a nulidade dos atos produzidos após a sentença homologatória e determinou que fosse expedido o formal de partilha.
Inexistência jurídica
A ministra Nancy Andrighi, relatora do caso no STJ, apontou que o juízo do inventário, ao declarar a insubsistência da sentença homologatória da partilha, nada mais fez do que reconhecer a sua inexistência jurídica em razão da ausência de citação da companheira do autor da herança.
Com base na jurisprudência do STJ, a ministra ressaltou que não é possível falar em coisa julgada de sentença proferida em processo no qual não se formou a relação jurídica necessária ao seu desenvolvimento.
“Ainda que se pudesse cogitar da formação de coisa julgada material a partir de sentença homologatória de acordo de partilha e consequente possibilidade de execução do formal de partilha – que, na hipótese, sequer foi expedido –, não se pode olvidar que a execução seria ineficaz em relação à recorrente, que, relembre-se, apenas ingressou na ação de inventário após a prolação da sentença homologatória de acordo entre os colaterais”, concluiu a magistrada ao restabelecer a decisão que reconheceu a convivente como única herdeira do falecido.
O RE 878694 ficou assim ementado:
Direito constitucional e civil. Recurso extraordinário. Repercussão geral. Inconstitucionalidade da distinção de regime sucessório entre cônjuges e companheiros.
1. A Constituição brasileira contempla diferentes formas de família legítima, além da que resulta do casamento. Nesse rol incluem-se as famílias formadas mediante união estável.
2. Não é legítimo desequiparar, para fins sucessórios, os cônjuges e os companheiros, isto é, a família formada pelo casamento e a formada por união estável. Tal hierarquização entre entidades familiares é incompatível com a Constituição de 1988.
3. Assim sendo, o art. 1790 do Código Civil, ao revogar as Leis nºs 8.971/94 e 9.278/96 e discriminar a companheira (ou o companheiro), dando-lhe direitos sucessórios bem inferiores aos conferidos à esposa (ou ao marido), entra em contraste com os princípios da igualdade, da dignidade humana, da proporcionalidade como vedação à proteção deficiente, e da vedação do retrocesso.
4. Com a finalidade de preservar a segurança jurídica, o entendimento ora firmado é aplicável apenas aos inventários judiciais em que não tenha havido trânsito em julgado da sentença de partilha, e às partilhas extrajudiciais em que ainda não haja escritura pública.
5. Provimento do recurso extraordinário. Afirmação, em repercussão geral, da seguinte tese: “No sistema constitucional vigente, é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no art. 1.829 do CC/2002”.
O recurso ficou assim ementado:
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. DIREITO DAS SUCESSÕES. PROLAÇÃO DE SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA DE PARTILHA IRRECORRIDA. AUSÊNCIA DE EXPEDIÇÃO DO FORMAL DE PARTILHA. OBSERVAÇÃO DE VÍCIO GRAVE, CONSISTENTE NA AUSÊNCIA DE CITAÇÃO DE LITISCONSORTE NECESSÁRIO. DECLARAÇÃO NO BOJO DO PRÓPRIO INVENTÁRIO. POSSIBILIDADE. SENTENÇA JURIDICAMENTE INEXISENTE. INEXISTÊNCIA DE TRÂNSITO EM JULGADO E DE COISA JULGADA MATERIAL. QUERELA NULLITATIS INSANABILIS. PRESCINDIBILIDADE. RECONHECIMENTO DO VÍCIO NA FASE DE CUMPRIMENTO DA SENTENÇA POR DISPOSIÇÃO LEGAL. MATÉRIA SUBMETIDA AO CONTRADITÓRIO E QUE DISPENSAVA A DILAÇÃO PROBATÓRIA. LIMITES SUBJETIVOS DA COISA JULGADA NO INVENTÁRIO E PARTILHA. INEFICÁCIA EM RELAÇÃO A TERCEIROS, COMO O LITISCONSORTE NECESSÁRIO NÃO CITADO. DECLARAÇÃO DE INEXISTÊNCIA JURÍDICA DA SENTENÇA QUE ATRAI A INCIDÊNCIA DA TESE FIRMADA PELO STJ NO JULGAMENTO DO TEMA 809. AGRAVO JULGADO POR FUNDAMENTO DISTINTO DOS ALEGADOS PELA PARTE. RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE INTERESSE. ARGUMENTOS SUSCITADOS PELA PARTE DESCONSIDERADOS NO ACÓRDÃO E REITERADOS NAS CONTRARRAZÕES DO RECURSO ESPECIAL. COGNOSCIBILIDADE. MODIFICAÇÃO DA ORDEM LEGAL DE VOCAÇÃO HEREDITÁRIA. IMPOSSIBILIDADE.1- Ação proposta em 21⁄05⁄2010. Recursos especiais interpostos em 01⁄10⁄2019 e 02⁄10⁄2019 e atribuídos à Relatora em 30⁄01⁄2020.2- O propósito do recurso especial de MARIA BARBARA DE OLIVEIRA é definir se a tese fixada pelo Supremo Tribunal Federal por ocasião do julgamento do tema 809, segundo a qual “é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no art. 1.790 do CC⁄2002, devendo ser aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável, o regime do art. 1.829 do CC⁄2002”, é aplicável na hipótese em que, a despeito da existência de sentença de partilha irrecorrida que homologou acordo celebrado pelos colaterais, únicos herdeiros conhecidos ao tempo de sua prolação, houve o superveniente reconhecimento de herdeira apta a exclui-los da linha sucessória.3- Os propósitos do recurso especial de EMÍLIO XAVIER DE OLIVEIRA, por sua vez, consistem em definir: (i) se há omissão relevante no acórdão recorrido; e (ii) se poderia o Tribunal de Justiça de São Paulo, a despeito da existência de sentença de partilha irrecorrida, nulificar os atos processuais que lhe são subsequentes sem que tenha havido pedido nesse sentido no agravo de instrumento por ele interposto.4- O juízo do inventário, após a prolação de sentença homologatória de acordo de partilha irrecorrida e antes da expedição do respectivo formal, reconhecer a existência de vício grave consistente na ausência de citação de litisconsorte necessário e, assim, a inexistência jurídica da sentença por ele proferida, que não transita em julgado e tampouco forma coisa julgada material.5- A inexistência jurídica da sentença pode ser declarada em ação autônoma (querela nullitatis insanabilis) e também no próprio processo em que proferida, na fase de cumprimento de sentença ou até antes dela, se possível, especialmente na hipótese em que a matéria foi previamente submetida ao crivo do contraditório e não havia a necessidade de dilação probatória.6- Em virtude dos limites subjetivos da coisa julgada, o formal de partilha será título executivo judicial apenas em relação ao inventariante, aos herdeiros e aos sucessores a título singular ou universal, não alcançando, contudo, terceiros, como o litisconsorte necessário não citado para o inventário.7- Declarada a inexistência jurídica da sentença na própria ação de inventário, deve ser aplicada a tese firmada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do tema 809, por meio da qual foi declarada a inconstitucionalidade do art. 1.790 do CC⁄2002.8- A parte que teve fundamento desprezado por ocasião do julgamento de recurso por ela interposto, mas que foi vencedora por fundamentação distinta e declinada de ofício pelo órgão julgador, não tem interesse para interpor recurso especial, devendo a questão ser reavivada nas contrarrazões do recurso porventura interposto pelo vencido. Precedente.9- Hipótese em que a parte, ao fundamento de que dedicou tempo, esforços e valores na inventariança e no zelo dos bens deixados por seu irmão, pretende a parte modificar a ordem legal de vocação hereditária, o que é absolutamente inadmissível, devendo a questão ser oportunamente apreciada pelo juízo do inventário ou em eventual ação autônoma.10- Recurso especial de MARIA BARBARA DE OLIVEIRA conhecido e provido; recurso especial de EMÍLIO XAVIER DE OLIVEIRA não conhecido.
Leia o acórdão.