Na constituição de uma sociedade de credores – prevista pelo inciso X do artigo 50 da Lei de Falência e Recuperação Judicial –, o fato de a adesão de uma sociedade de economia mista exigir autorização legislativa não caracteriza tratamento diferenciado entre os credores da empresa em recuperação, a menos que a sociedade de economia mista não consiga satisfazer seu crédito de outro modo. O entendimento é da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Ao negar provimento a um recurso do Banco do Brasil, o colegiado manteve decisão do Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) que julgou válido o plano de recuperação judicial da Grão Dourado Indústria e Comércio, aprovado pela maioria dos credores – o que resultou em um deságio de 60% no valor dos créditos da instituição financeira.
Inicialmente, o banco alegou nulidade da cláusula do plano de recuperação que previu a criação da sociedade de credores X-Agro do Brasil, destinada a satisfazer o crédito dos credores por meio de subscrição de ações dessa nova empresa.
Exigência constitucional
Para o banco, a adesão a essa nova sociedade era inviável, já que o inciso XX do artigo 37 da Constituição Federal prevê que as sociedades de economia mista precisam de autorização legislativa para ingressar em tais empresas.
Segundo o recorrente, em razão dessa exigência constitucional, a cláusula acabava por conferir tratamento diferenciado aos credores e, por isso, seria inválida. Sem ingressar na sociedade, o banco passou a receber os pagamentos em dinheiro, com deságio de 60% no valor dos créditos.
Segundo o relator do recurso especial, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, a simples existência de norma constitucional exigindo autorização legislativa para a adesão do banco à sociedade de credores não configura, por si só, tratamento diferenciado entre credores, como bem entendeu o TJGO.
“O prejuízo somente se tornaria efetivo se a opção que restou ao banco não fosse apta a satisfazer o seu crédito, o que não é a hipótese dos autos, pois o crédito do banco vem sendo adimplido regularmente, na forma como prevista no plano”, explicou Sanseverino.
O relator ressaltou que houve efetivo cumprimento do plano de recuperação, e o banco não foi prejudicado.
Deliberação soberana
Outro ponto sustentado pelo banco para o provimento do recurso é que ele teria sofrido prejuízo consistente no deságio de 60% de seu crédito, não obstante o fiel cumprimento do plano de recuperação pela empresa recuperanda.
O entendimento da Terceira Turma é que a aprovação do plano em 2013 foi resultado de uma deliberação soberana da assembleia geral de credores, em votação na qual o banco foi vencido.
Sanseverino disse que, embora o plano tenha sido aprovado em 2013, o banco deixou de adotar medidas de urgência quanto a esse ponto para que a pretensão fosse analisada antes da criação da X-Agro.
Para o ministro, seria inoportuna a eventual anulação do plano de recuperação, pois implicaria desfazer os atos já praticados há mais de cinco anos, entre os quais a constituição da sociedade de credores, afetando o interesse dos demais credores da empresa.
No voto acompanhado pelos demais ministros do colegiado, Sanseverino aplicou a teoria do fato consumado, a fim de preservar o andamento de um plano de recuperação que se mostrou bem-sucedido.
Leia o acórdão.