
A família do falecido reconheceu a falta de pagamento nos últimos sete anos, mas apontou que o contrato foi corretamente quitado durante os 41 anos anteriores. E sustentou que, independentemente do prazo decorrido sem pagamento, a interpelação prévia do devedor – que não ocorreu – seria indispensável para caracterizar a mora.
De acordo com a família, o contratante teria deixado de pagar as parcelas mensais por ter sido afetado pelo mal de Alzheimer; além disso, o contrato não poderia ser rescindido unilateralmente, por se tratar de relação de consumo.
As alegações não foram acolhidas pelo tribunal de origem, o qual entendeu que o prazo de sete anos impede que o cancelamento sem prévia notificação seja considerado abusivo.
Desinteresse
No STJ, o relator do processo, ministro Antonio Carlos Ferreira, destacou que, conforme a jurisprudência do tribunal, o contrato de previdência com plano de pecúlio por morte guarda semelhança com o seguro de vida, estendendo-se às entidades abertas de previdência complementar as normas aplicáveis às seguradoras.
Ele ressaltou que, assim como no caso dos seguros, o mero atraso no pagamento das prestações não importa em encerramento automático do contrato de previdência privada com plano de pecúlio por morte, para o que se exigiria a prévia constituição em mora do contratante, por meio de interpelação.
Entretanto, no caso sob análise, em que o segurado passou um longo período sem pagar, o magistrado considerou ter ficado demonstrado o seu desinteresse na continuidade da relação contratual. Segundo ele, não se trata de “mero atraso”, pois “o contratante adotou comportamento incompatível com a vontade de dar continuidade ao plano de pecúlio”.
Boa-fé
Antonio Carlos Ferreira apontou ainda que não há no processo provas de circunstância excepcional que justifique o descumprimento da obrigação, tendo o tribunal de origem, inclusive, afastado a hipótese de falha de memória do segurado, em razão de doença neurodegenerativa.
Para o relator, a pretensão da família – de não se considerar encerrado o contrato nessas condições – é contrária à boa-fé contratual, princípio imprescindível na relação negocial. “O comportamento das partes durante o cumprimento do contrato deve ser interpretado levando em conta o critério da boa-fé”, afirmou.
O recurso ficou assim ementado:
PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA. PECÚLIO POR MORTE. NORMAS APLICÁVEIS AOS CONTRATOS DE SEGURO. ENCERRAMENTO DO CONTRATO POR INADIMPLÊNCIA. NOTIFICAÇÃO. AUSÊNCIA. FALTA DE PAGAMENTO DAS PRESTAÇÕES POR LONGO PERÍODO. BOA-FÉ CONTRATUAL. RECURSO DESPROVIDO.1. “A jurisprudência do STJ é no sentido de que o contrato de previdência privada com plano de pecúlio por morte assemelha-se ao seguro de vida, estendendo-se às entidades abertas de previdência complementar as normas aplicáveis às sociedades seguradoras, nos termos do art. 73 da LC 109⁄01” (REsp n. 1.713.147⁄MG, Relatora Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 11⁄12⁄2018, DJe 13⁄12⁄2018).2. “O mero atraso no pagamento de prestação do prêmio do seguro não importa em desfazimento automático do contrato, para o que se exige, ao menos, a prévia constituição em mora do contratante pela seguradora, mediante interpelação” (REsp 316.552⁄SP, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 09⁄10⁄2002, DJ 12⁄04⁄2004, p. 184).3. Na hipótese em que o contratante adotou comportamento incompatível com a vontade de dar continuidade ao plano de pecúlio, ao deixar de adimplir com as parcelas contratadas por longo período – no caso concreto cerca de 7 (sete) anos –, deve ser considerada legítima a recusa da entidade de previdência privada ao pagamento do pecúlio por morte, não obstante a ausência de prévia interpelação para o encerramento do contrato, pois não se trata de “mero atraso” no pagamento. Além disso, a pretensão de que se considere por não encerrado o contrato, nessas condições, contraria o princípio da boa-fé contratual.4. Recurso especial a que se nega provimento.
Leia o acórdão.