É vedada a compra de imóvel com móveis de “porteira fechada” por inexigibilidade

Não é possível a aquisição de bem imóvel com os bens que o guarnecem, na modalidade “porteira fechada”, via inexigibilidade de licitação. Isso porque não há amparo jurídico que autorize esta forma de aquisição pela administração pública e a compra de equipamentos e mobiliários usados não é contemplada na Lei nº 14.133/21 (Nova Lei de Licitações e Contratos). Assim, essa forma de aquisição pode ser interpretada como fraude ao processo licitatório.

No entanto, a aquisição de bens imóveis pode ser realizada por meio de inexigibilidade de licitação, desde que sejam atendidos os requisitos elencados no parágrafo 5º do artigo 74 da Lei nº 14.133/21.

Essa é a orientação do Pleno do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR), em resposta à Consulta formulada pelo Município de Terra Roxa (Região Oeste), sobre a possibilidade de aquisição de bem imóvel com todos os bens móveis que o guarnecem por inexigibilidade de licitação, na modalidade “porteira fechada”.

 

Instrução do processo

A Coordenadoria de Gestão Municipal (CGM) do TCE-PR afirmou que não há previsão expressa na Lei nº 8.666/93 (Lei de Licitações e Contratos) e nem na Lei nº 14.133/21 quanto à aquisição de bens imóveis em conjunto com os bens móveis que nele constem. Assim, frisou que, apesar de ser comumente praticado na esfera privada, esse tipo de compra não é permitido à administração pública, em razão da lacuna legislativa.

A CGM ressaltou que não se pode estender os requisitos de inexigibilidade de imóveis para coisas móveis, já que a norma é clara e divide cada um deles em seus incisos próprios. Além disso, destacou que a Lei nº 14.133/21 permite a aquisição de bens móveis por inexigibilidade de licitação, mas com requisitos que divergem daqueles relativos à aquisição de imóveis.

O Ministério Público de Contas (MPC-PR) salientou que a legislação não permite a aquisição na forma de “porteira fechada” pela administração pública; e que a compra de equipamentos e mobiliários usados não está prevista na Lei nº 14.133/21. Assim, considerou que a aquisição na forma questionada poderia ser interpretada como fraude ao processo licitatório.

Mas o órgão ministerial lembrou que bens imóveis podem ser adquiridos por meio de inexigibilidade de licitação, desde que sejam atendidos os requisitos dispostos na Lei nº 14.133/21.

 

Legislação e doutrina

O artigo 37 da Constituição Federal dispõe que a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

O inciso XXI desse artigo constitucional estabelece que, ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.

O artigo 74 da Nova Lei de Licitações e Contratos fixa que é inexigível a licitação quando inviável a competição. Os incisos I e V desse artigo destacam que a inexigibilidade é cabível, em especial, nos casos de aquisição de materiais, de equipamentos ou de gêneros ou contratação de serviços que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivos; e de aquisição ou locação de imóvel cujas características de instalações e de localização tornem necessária sua escolha.

O parágrafo 5º do artigo 74 da Lei nº 14.133/21 dispõe que, em caso de inexigibilidade para aquisição ou locação de imóvel, devem ser observados os requisitos de avaliação prévia do bem, do seu estado de conservação, dos custos de adaptações, quando imprescindíveis às necessidades de utilização, e do prazo de amortização dos investimentos; certificação da inexistência de imóveis públicos vagos e disponíveis que atendam ao objeto; e justificativas que demonstrem a singularidade do imóvel a ser comprado ou locado pela administração e que evidenciem vantagem para ela.

Segundo o jurista Marçal Justen Filho, os incisos do artigo 74 da Lei nº 14.133/21 apresentam uma função restritiva, estabelecendo requisitos de admissibilidade da contratação direta nos casos especificamente por cada qual disciplinados.

 

Decisão

O relator do processo, conselheiro-substituto Livio Sotero Costa lembrou que a lei previu critérios diferenciados para inexigibilidade de licitação em relação a bem imóveis e móveis, além dos requisitos para demonstrar a singularidade do imóvel em si.

Costa afirmou que, apesar de a lei não dispor um rol taxativo das hipóteses de inexigibilidade, há o pressuposto de inviabilidade de competição. Ele ressaltou que há no mercado diversos fornecedores de móveis, equipamentos e utensílios, mesmo hospitalares ou usados, o que possibilita a competição; e que essa circunstância demandaria avaliar diversos critérios, como estado de conservação, atualidade tecnológica, depreciação e custo de manutenção.

O conselheiro-substituto destacou que, embora o rol não seja exaustivo, a lei, nas hipóteses elencadas, traça parâmetros a serem respeitados. Assim, mesmo que fosse admitida a aquisição sem licitação dos bens móveis, a administração teria muita dificuldade para definir o valor de mercado de cada um dos bens.

O relator afirmou que a compra pública, diferentemente da esfera privada, demanda que sejam claramente demonstradas, em processo próprio, as vantagens para o poder público; e que a decisão de uma eventual inexigibilidade de licitação para a aquisição apenas do imóvel exige essa demonstração no processo administrativo correlato, na forma ditada pela lei.

Assim, Costa concluiu pela impossibilidade de aquisição conjunta do bem imóvel e dos bens móveis que o compõem mediante dispensa ou inexigibilidade de licitação.

Os conselheiros aprovaram o voto do relator, por unanimidade, na Sessão de Plenário Virtual nº 2/24 do Tribunal Pleno do TCE-PR, concluída em 8 de fevereiro. O Acórdão nº 326/24 foi disponibilizado em 21 de fevereiro, na edição nº 3.154 do Diário Eletrônico do TCE-PR (DETC).

Processo nº: 365862/23

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