Amanhã, 1º de maio, Dia Internacional do Trabalho, a Justiça do Trabalho completará 83 anos de existência no Brasil. São mais de oito décadas acompanhando as mudanças nas relações de trabalho e garantindo aos trabalhadores brasileiros o acesso à justiça e à proteção dos direitos de forma cada vez mais célere.
No entanto, apesar da criação da Justiça do Trabalho e das leis trabalhistas existentes, o Brasil ainda se depara com desafios na proteção dos direitos dos trabalhadores. O trabalho escravo ou análogo à escravidão, por exemplo, é um crime ainda comum no país. O Brasil registrou, em 2023, o maior número de denúncias de trabalho escravo e análogo à escravidão da história. Os dados são do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. Segundo a pasta, foram 3.422 denúncias protocoladas em 12 meses, ou seja, 61% a mais que em 2022, e o maior número desde que o Disque 100 foi criado, em 2011.
Conselheiro Lafaiete – MG
Um caso recente foi decidido pelo juízo da Vara do Trabalho de Conselheiro Lafaiete e mostra a situação de um trabalhador que foi submetido, junto com um grupo de empregados, à condição análoga à de escravos por uma empresa da construção civil naquela cidade. Eles foram resgatados após denúncia e a fiscalização dos auditores-fiscais do Ministério do Trabalho.
Um deles propôs ação trabalhista e garantiu judicialmente o direito de receber uma indenização por danos morais, no valor de R$ 10 mil. A decisão é da juíza Luciane Parma Pinto, que atuava na Vara do Trabalho de Conselheiro Lafaiete.
Entenda o caso
O trabalhador alegou que, durante o contrato celebrado entre 12/8/2022 a 6/9/2022, foi ludibriado pela empregadora com a proposta de emprego na construção civil naquela cidade. Informou que passou por diversas aflições e insatisfações, como o alojamento degradante.
“Foram três dias de viagem para o local dos serviços, com alimentação inadequada, falta de treinamento, equipamentos e supervisão, ameaças constantes do empregador, sem carteira assinada, recebendo parte dos direitos somente após a confirmação do trabalho análogo ao de escravo pelo Ministério Público, em ação de fiscalização que teria constatado as condições inadequadas”, disse.
Na defesa, a empregadora alegou que não foi apurado crime de redução à condição análoga à de escravo ou de tráfico de pessoas pela Polícia Federal, conforme inquérito acostado aos autos. Informou ainda que sempre forneceu boas condições de trabalho, alojamento e alimentação aos empregados, sendo o ambiente de trabalho sabotado pelos empregados, quando da fiscalização do Ministério Público do Trabalho.
Decisão
Mas, ao decidir o caso, a juíza Luciane Parma Pinto, reconheceu a ilegalidade da conduta da empregadora. Consta do relatório do Ministério do Trabalho que, no dia 6/9/2022, uma equipe composta por quatro auditores-fiscais do trabalho se deslocou até o canteiro de obras, no bairro Santa Efigênia, e, posteriormente, no bairro Boa Vista, no município de Conselheiro Lafaiete, e procedeu à inspeção no alojamento dos trabalhadores. A ação fiscal foi iniciada para a apuração de irregularidades trabalhistas, mediante emissão de Ordem de Serviço pelo Setor de Inspeção do Trabalho da Gerência Regional de Conselheiro Lafaiete.
Pelo relatório, o empregador recrutou empregados em cidades muito distantes, com poucas oportunidades de trabalho. “Pagou o transporte até o interior de Minas Gerais e ofertou emprego com salários baixos. Alojou os empregados em um imóvel com várias irregularidades, tudo sem adotar medidas de segurança minimamente adequadas e sem ter oferecido treinamento aos trabalhadores, alguns sem nenhuma experiência naquele tipo de obra”, descreveu o documento.
Consta ainda, do relatório de fiscalização, que o alojamento fornecido não atendia às condições mínimas de conforto e higiene, pois não houve o fornecimento de cama para todos. “Alguns trabalhadores dormiam em colchões colocados diretamente no chão. O empregador forneceu somente forros para cobrir alguns colchões e alguns travesseiros sem fronhas, que não estavam em bom estado de conservação. As roupas de cama e cobertores, todos finos e inadequados para o clima da região, foram trazidos na viagem pelos próprios trabalhadores, que relataram sentir muito frio”.
Foi relatado também que, de todo o material apurado, ficou fácil perceber que o empregador se valeu da situação de extrema vulnerabilidade dos trabalhadores para tentar inserir cláusulas abusivas nos contratos de trabalho. “Sabedor de que os empregados são pessoas paupérrimas, vulneráveis e que estavam muito distantes de seus lares e sem condições de arcar com as despesas de retorno, o empregador pretendeu obrigá-los a permanecer trabalhando por, pelo menos, seis meses, com ameaças de descontos das passagens de vinda”.
Para a juíza sentenciante, o empregador transferiu todas as responsabilidades e riscos da obra aos próprios empregados, colocando-os em real risco de acidente e morte, e, ainda, ameaçando lançar sobre eles os prejuízos sofridos.
“Diante de tão graves irregularidades, os empregados encontrados trabalhando no dia da fiscalização, entre eles o autor da ação, foram resgatados pela autoridade fiscalizadora, que determinou a tomada de medidas por parte do empregador, além do embargo da obra, as quais não foram integralmente cumpridas”, pontuou a julgadora.
A magistrada registrou ainda que, embora o Relatório n° 2243377/2023, relativo ao Inquérito Policial IPL 2023.0009188-SR/PF/MG e elaborado pela da Polícia Federal, tenha concluído pela não verificação da ocorrência dos delitos previstos nos artigos 149 e 149-A, II, do Código Penal, tal fato não elide as más condições de trabalho a que era submetido o autor, demonstrado através do Relatório de Fiscalização, com inspeção no local.
Para a magistrada, as situações constatadas nos autos atraem a responsabilidade civil do empregador, que gera o dever de reparação pelo ato ilícito, o qual representa a ação ou omissão, atribuível ao agente e danosa para o lesado, ferindo o ordenamento jurídico.
“Por conseguinte, evidenciada a conduta antijurídica da ré ao submeter o reclamante a precárias condições de trabalho, desprovidas dos requisitos mínimos de segurança, bem como à manutenção da prestação de serviços mediante ameaças e as agressões morais sofridas na relação de trabalho, em afronta à dignidade do ser humano, descumprindo, ainda, o dever constitucional de manter um ambiente laboral sadio e seguro, devendo ser responsabilizado pelo dano imposto ao reclamante, na forma dos artigos 186 e 927 do Código Civil”, concluiu a magistrada
A juíza determinou então o valor da indenização por danos morais, no importe de R$ 10 mil, considerando a condição econômica da empresa, o grau de culpa, a extensão da lesão e o tempo de serviço do ex-empregado; e visando, ainda, ao caráter punitivo e pedagógico da condenação. Cabe recurso da decisão.