Contrato de franquia não assinado é válido se o comportamento das partes demonstrar aceitação do negócio

É válido o contrato de franquia, ainda que não assinado pela franqueada, quando o comportamento das partes demonstra a aceitação tácita do acordo.

Com base nesse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou válido o contrato firmado entre uma franqueadora de intercâmbio esportivo e uma franqueada – que não assinou o documento –, para em seguida confirmar a sua rescisão por descumprimento.

A ação rescisória foi ajuizada pela franqueadora. O juízo de primeiro grau rejeitou a alegação de nulidade do contrato e declarou rescindida a franquia por culpa da franqueada, com aplicação de multa e indenização por perdas e danos. O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) confirmou a existência e a validade da relação de franquia entre as partes, mantendo a sentença.

No recurso especial submetido ao STJ, a franqueada alegou que o contrato seria nulo devido à inobservância da forma escrita exigida pelo artigo 6º da Lei 8.955/1994 (revogada pela Lei 13.966/2019). Ante essa suposta invalidade, argumentou que o contrato seria incapaz de gerar obrigações às partes e pediu a reforma do acórdão do TJDFT.

Princípio da liberdade de forma

A relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, afirmou que a forma do negócio jurídico é o modo pelo qual a vontade é exteriorizada. No ordenamento jurídico brasileiro, vigora, segundo ela, o princípio da liberdade de forma (artigo 107 do Código Civil).

Isso significa, frisou Nancy Andrighi, que, salvo quando a lei requerer expressamente forma especial, a declaração de vontade pode operar de forma expressa, tácita ou mesmo pelo silêncio (artigo 111 do Código Civil).

“A manifestação de vontade tácita configura-se pela presença do denominado comportamento concludente; ou seja, quando as circunstâncias evidenciam a intenção da parte de anuir com o negócio. A análise da sua existência dá-se por meio da aplicação da boa-fé objetiva na vertente hermenêutica”, declarou.

Negócio jurídico baseado na confiança

Na hipótese analisada, segundo a relatora, mesmo ausente a assinatura no acordo de franquia, a sua execução por tempo considerável configurou verdadeiro comportamento concludente, por exprimir a aceitação tácita das partes com as condições acordadas.

Para a magistrada, a exigência legal de forma especial é questão atinente ao plano da validade do negócio. Por essa razão, caso a forma prescrita em lei não seja assumida na declaração das partes, é cominada pena de nulidade ao negócio jurídico (artigo 166, IV, do Código Civil).

Todavia, no entender de Nancy Andrighi, a alegação de nulidade pode se revelar abusiva por contrariar a boa-fé objetiva na sua função limitadora do exercício de direito subjetivo ou mesmo redutora do rigor da lei.

Segundo a ministra, a conservação do negócio jurídico significa dar primazia à confiança provocada na outra parte da relação contratual.

O processo mostra que a franqueadora enviou o instrumento contratual de franquia à franqueada. Esta, embora não tenha assinado e restituído o documento àquela, colocou em prática os termos contratados, tendo recebido treinamento, utilizado a marca e instalado a franquia. Inclusive, pagou à franqueadora as prestações estabelecidas no contrato – lembrou a relatora.

“Assim, a alegação de nulidade por vício formal configura-se comportamento contraditório com a conduta praticada anteriormente”, ressaltou.

O recurso ficou assim ementado:

CIVIL.  RECURSO ESPECIAL.  AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL CUMULADA COM OBRIGAÇÃO DE FAZER. INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. FRANQUIA. CONTRATO NÃO ASSINADO PELA FRANQUEADA. NULIDADE. INOCORRÊNCIA. VEDAÇÃO AO COMPORTAMENTO CONTRADITÓRIO.  JULGAMENTO:CPC/2015.

  1. Ação proposta em 15/09/2017, da qual foi extraído o presente recurso especial interposto em 02/07/2019 e concluso ao gabinete em 11/03/2020.

  2. O propósito recursal consiste em dizer acerca da validade do contrato de franquia não assinado pela franqueada.

  3. A franquia qualifica-se como um contrato típico, consensual, bilateral, oneroso, comutativo, de execução continuada e solene ou formal. Conforme entendimento consolidado desta Corte Superior, como regra geral, os contratos de franquia têm natureza de contato de adesão. Nada obstante tal característica, a franquia não consubstancia relação de consumo. Cuida-se, em verdade, de relação de fomento econômico, porquanto visa ao estímulo da atividade empresarial pelo franqueado.

  4. A forma do negócio jurídico é o modo pelo qual a vontade é exteriorizada. No ordenamento jurídico pátrio, vigora o princípio da liberdade de forma (art. 107 do CC/02). Isto é, salvo quando a lei requerer expressamente forma especial, a declaração de vontade pode operar de forma expressa, tácita ou mesmo pelo silêncio (art. 111 do CC/02).

  5. A manifestação de vontade tácita configura-se pela presença do denominado comportamento concludente. Ou seja, quando as circunstâncias evidenciam a intenção da parte de anuir com o negócio. A análise da sua existência dá-se por meio da aplicação da boa-fé objetiva na vertente hermenêutica.

  6. Na hipótese, a execução do contrato pela recorrente por tempo considerável configura verdadeiro comportamento concludente, por exprimir sua aceitação com as condições previamente acordadas com a recorrida.

  7. A exigência legal de forma especial é questão atinente ao plano da validade do negócio (art. 166, IV, do CC/02). Todavia, a alegação de nulidade pode se revelar abusiva por contrariar a boa-fé objetiva na sua função limitadora do exercício de direito subjetivo ou mesmo mitigadora do rigor legis. A proibição à contraditoriedade desleal no exercício de direitos manifesta-se nas figuras da vedação ao comportamento contraditório (nemo potest venire contra factum proprium) e de que a ninguém é dado beneficiar-se da própria torpeza (nemo auditur propriam turpitudinem allegans). A conservação do negócio jurídico, nessa hipótese, significa dar primazia à confiança provocada na outra parte da relação contratual.

  8. No particular, a franqueadora enviou à franqueada o instrumento contratual de franquia. Esta, embora não tenha assinado e restituído o documento àquela, colocou em prática os termos contratados, tendo recebido treinamento da recorrida, utilizado a sua marca e instalado as franquias. Inclusive, pagou à franqueadora as contraprestações estabelecidas no contrato. Assim, a alegação de nulidade por vício formal configura-se comportamento contraditório com a conduta praticada anteriormente. Por essa razão, a boa-fé tem força para impedir a invocação de nulidade do contrato de franquia por inobservância da forma prevista no art. 6º da Lei 8.955/94.

  9. Recurso especial conhecido e desprovido.

Leia o acórdão do REsp 1.881.149.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1881149

Deixe uma resposta

Iniciar conversa
Precisa de ajuda?
Olá, como posso ajudar