A 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) deu provimento à apelação da Caixa Econômica Federal (CEF) contra sentença que anulou processo de consolidação de imóvel alcançado por alienação fiduciária garantidora de mútuo habitacional, em face de inadimplência do mutuário. O juízo de 1º grau, da 8ª Vara Federal Cível do Mato Grosso também havia anulado os leilões realizados para arrematação do imóvel por terceiro.
De acordo com informações do processo, a CEF consolidou a propriedade do imóvel em seu nome e o levou a leilão por inadimplência contratual do comprador, que ingressou com ação para anular os atos da Caixa alegando que não foi intimado para realizar o pagamento das parcelas vencidas em atraso nem da data realização do leilão. O juízo de 1º grau decidiu sob o fundamento de que não houve a intimação pessoal do autor, considerando que o AR (Aviso de Recebimento) foi recebido por terceiro.
Na apelação ao TRF1, a Caixa defendeu a validade do processo de consolidação da propriedade e validação o leilão realizado, que resultou na arrematação do imóvel por terceiros, à premissa de que houve regular observância do devido processo legal na hipótese dos autos, em razão da intimação pessoal do mutuário por meio de AR entregue ao porteiro do condomínio onde reside. A CEF salientou, ainda, que o autor esteve na posse do imóvel desde 2015 sem realizar qualquer pagamento do financiamento imobiliário, mesmo tendo oportunidade de realizar depósito judicial de valores durante todo o trâmite processual e, consequentemente, demonstrar a sua boa-fé no cumprimento de sua contraprestação no contrato de financiamento imobiliário em questão.
Ao analisar o caso, a relatora, desembargadora federal Daniele Maranhão, entendeu ficar comprovado que o autor da ação foi intimado mediante AR, recebido pelo porteiro do condomínio onde se localiza o imóvel, notificando sobre a realização do leilão, bem como mediante a publicação do edital do leilão no DOU e no site eletrônico da Caixa. “Dessa forma, no caso de notificação em prédio de apartamentos, torna-se muito mais válida a assinatura aposta por terceiro, porque comum o recebimento da correspondência pelo porteiro. Aliás, o STJ já afirmou a presunção da validade de notificação recebida por porteiro de condomínio”, ressaltou a relatora.
Para a magistrada, não houve abusividade no processo diante das oportunidades conferidas ao devedor de purgar a mora e de reaver o imóvel. Entretanto, não houve qualquer providência adequada da parte autora, sendo legítima a expropriação do imóvel. “O regramento da alienação fiduciária disciplinada pela Lei 9.514/97 não configura abusividade que demande correção judicial. A utilização do imóvel como garantia do mútuo obtido é importante instrumento para a higidez do sistema de financiamento imobiliário, beneficiando indistintamente aos mutuantes e mutuários; aos primeiros, porque terão maior segurança para a satisfação de seus créditos e; aos segundos, porque pagarão taxas de juros mais moderadas pelo empréstimo obtido. Afigura-se legítima a comunicação realizada, sob pena de inviabilizar o procedimento e de premiar a inércia da parte em cumprir suas obrigações” destacou a desembargadora ao finalizar o voto.
O recurso ficou assim ementado:
DIREITO CIVIL. SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO. CONTRATO DE MÚTUO. CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE DO IMÓVEL. ART. 26, § 7º, DA LEI 9.514/97. NOTIFICAÇÃO ENCAMINHADA PARA O ENDEREÇO DO MUTUÁRIO. RECEBIMENTO PELA ADMINISTRAÇÃO DO CONDOMÍNIO (PORTARIA). VALIDADE. INTIMAÇÃO PESSOAL. TENTATIVAS FRUSTRADAS. CERTIDÃO DO CARTÓRIO. NOTIFICAÇÃO POR EDITAL VÁLIDA. REGULARIDADE DO PROCEDIMENTO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. DESPROPORCIONALIDADE. APRECIAÇÃO EQUITATIVA. REDUÇÃO. SENTENÇA REFORMADA.
1. O regramento da alienação fiduciária disciplinada pela Lei 9.514/97 não configura abusividade que demande correção judicial. A utilização do imóvel como garantia do mútuo obtido é importante instrumento para a higidez do sistema de financiamento imobiliário, beneficiando indistintamente aos mutuantes e mutuários; aos primeiros, porque terão maior segurança para a satisfação de seus créditos e; aos segundos, porque pagarão taxas de juros mais moderadas pelo empréstimo obtido.
2. Os requisitos procedimentais previstos nos arts. 26 e seguintes da Lei 9.514/97 evidenciam a preocupação do legislador em privilegiar a subsistência do contrato, mesmo diante da inadimplência do mutuário, conforme se vê do quanto disposto no art. 26, § 5º e art. 26-A, § 2º, da Lei 9.514/97.
3. Conforme já decidido pelo STJ, “(…), cabe observar que é muito raro, atualmente, as correspondências serem recebidas pelo próprio morador, sendo mais comum o recebimento pelo porteiro. Tendo em vista esta circunstância, o próprio CPC, em seu art. 238, parágrafo único, passou a prever, a partir da modificação introduzida pela Lei 11.382, de 06/12/2006, que se presume válida a intimação recebida no endereço declinado pelas partes. (…)” (RESP nº 1.195.871 – RJ, Rel. Ministro Raul Araújo, DJe de 08/03/2017).
4. Na hipótese, os documentos trazidos aos autos demonstram que o autor não foi localizado no endereço do imóvel financiado, em 29/5/2015, ocasião em que o oficial do cartório teria sido informado pelo porteiro do prédio que o mutuário havia se mudado, estando em local incerto e não sabido, o que ensejou a intimação por edital para purgar a mora. Além disso, antes de nova comunicação por edital, houve uma segunda tentativa de sua intimação, dessa vez, acerca da realização do Leilão, com encaminhamento de correspondência com aviso de recebimento (AR), regularmente recebido pelo porteiro em 11/11/2019. Ademais, a ciência do leilão é incontroversa, já que o ajuizamento da ação foi anterior ao ato e visava ao provimento judicial antecipatório que obstasse a sua realização.
5. Comprovada a tentativa frustrada de intimação pessoal do mutuário para purgar a mora, e tendo na hipótese a correspondência avisando da realização do leilão sido entregue ao porteiro do condomínio onde reside o autor, que é o endereço declinado no contrato de financiamento do imóvel, afigura-se legítima a comunicação realizada, sob pena de inviabilizar o procedimento e de premiar a inércia da parte em cumprir suas obrigações.
6. “A regra do art. 85, § 3º, do atual CPC – como qualquer norma, reconheça-se – não comporta interpretação exclusivamente pelo método literal. Por mais claro que possa parecer seu conteúdo, é juridicamente vedada técnica hermenêutica que posicione a norma inserta em dispositivo legal em situação de desarmonia com a integridade do ordenamento jurídico”. Precedente: (REsp 1789913/DF, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 12/02/2019, DJe 11/03/2019).
7. Considerando que à causa foi atribuído o valor de R$ 560.000,00 (quinhentos e sessenta mil reais), acaso adotado o percentual a que se refere o art. 85, §2º, do CPC, os honorários advocatícios resultariam na quantia R$ 56.000,00 (cinquenta e seis mil reais), sem as devidas atualizações, que se mostra desarrazoado e desproporcional, notadamente se considerada a pouca complexidade da causa.
8. Apelação da Caixa a que se dá provimento para julgar improcedente o pedido. Prejudicada a apelação do autor.
9. A partir de uma apreciação equitativa, tomando em consideração as balizas dispostas no parágrafo 2º do artigo 85 do CPC, fixam-se os honorários em R$ 3.000,00 (três mil reais), valor que remunera condignamente o trabalho realizado pelo advogado da parte requerida, já considerado no grau recursal, ficando sua exigibilidade suspensa, nos termos do art. 98, §3º, do CPC.
O colegiado acompanhou a relatora de forma unânime.
Processo: 1013381-93.2019.4.01.3600