Cobradora que perdeu olho ao ser atingida por saco de lixo receberá indenização

A empresa responderá por danos morais, materiais e estéticos decorrentes de acidente de trabalho

A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho restabeleceu sentença que condenou a Expresso Vera Cruz Ltda., de Jaboatão dos Guararapes (PE), ao pagamento de pensão mensal vitalícia e  indenizações por danos morais e estéticos a uma cobradora que perdeu o globo ocular direito ao ser atingida por um saco de lixo arremessado contra o ônibus. Segundo o colegiado, a responsabilidade civil da empresa é objetiva, pois a atividade da empregada envolvia riscos diários.

Lixão

O acidente ocorreu em dezembro de 2013, quando o ônibus em que a cobradora trabalhava passou próximo a um “lixão”. O saco de lixo, arremessado através da janela, atingiu seu rosto e acabou causando úlcera de córnea, que levou à perda da visão, à retirada do olho direito e à colocação de prótese em seu lugar.

A 2ª Vara do Trabalho de Jaboatão dos Guararapes condenou a empresa ao pagamento de pensão vitalícia mensal de 30% de sua última remuneração e arbitrou os valores de R$ 30 mil e R$ 20 mil, respectivamente, a título de indenizações por danos morais e estéticos.

A decisão, no entanto, foi alterada pelo Tribunal Regional da 6ª Região (PE), que afastou a responsabilidade da empresa, por entender que o acidente e os diversos assaltos sofridos na linha não decorreram do descumprimento de alguma obrigação a que estava vinculada a empregadora.

Vulnerabilidade

Para a Terceira Turma do TST, no entanto, em razão de a atividade de cobrador de ônibus implicar risco acentuado para os trabalhadores – que trabalham em situação de vulnerabilidade e são, com relevante frequência, alvo de condutas criminosas -, incide a responsabilidade objetiva, ou seja, independente de culpa. No caso, além do acidente que resultou na perda do globo ocular, há registros de pelo menos dez assaltos sofridos pela cobradora no exercício de suas atividades.

Segundo o relator, ministro Mauricio Godinho Delgado, nessa situação, presume-se a culpa da empregadora, que não comprovou ter adotado as medidas necessárias em matéria de segurança e saúde no trabalho, a fim de evitar os infortúnios. O ministro ressaltou, ainda, que a perda do globo ocular culminou na redução da capacidade de trabalho  da empregada e que os diversos assaltos ocorridos causaram-lhe danos psíquicos e emocionais.

O recurso ficou assim ementado:

A) AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI 13.467/2017. ACIDENTE DE TRABALHO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR. NEXO CAUSAL. CULPA PRESUMIDA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS, ESTÉTICOS E MATERIAIS. Demonstrado no agravo de instrumento que o recurso de revista preenchia os requisitos do art. 896 da CLT, dá-se provimento ao agravo de instrumento, para melhor análise da arguição de violação dos arts. 186 e 927 do CCB, suscitada no recurso de revista. Agravo de instrumento provido.

B) RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI 13.467/2017. ACIDENTE DE TRABALHO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR. NEXO CAUSAL. CULPA PRESUMIDA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS, ESTÉTICOS E MATERIAIS. O pleito de indenização por dano moral e material resultante de acidente do trabalho e/ou doença profissional ou ocupacional supõe a presença de três requisitos: a) ocorrência do fato deflagrador do dano ou do próprio dano, que se constata pelo fato da doença ou do acidente, os quais, por si sós, agridem o patrimônio moral e emocional da pessoa trabalhadora (nesse sentido, o dano moral, em tais casos, verifica-se pela própria circunstância da ocorrência do malefício físico ou psíquico); b) nexo causal ou concausal, que se evidencia pela circunstância de o malefício ter ocorrido em face das circunstâncias laborativas; c) culpa empresarial, excetuadas as hipóteses de responsabilidade objetiva. Embora não se possa presumir a culpa em diversos casos de dano moral – em que a culpa tem de ser provada pelo autor da ação -, tratando-se de doença ocupacional, profissional ou de acidente do trabalho, essa culpa é presumida, em virtude de o empregador ter o controle e a direção sobre a estrutura, a dinâmica, a gestão e a operação do estabelecimento em que ocorreu o malefício. A Constituição Federal de 1988 assegura que todos têm direito ao meio ambiente do trabalho ecologicamente equilibrado, porque essencial à sadia qualidade de vida, razão pela qual incumbe ao Poder Público e à coletividade, na qual se inclui o empregador, o dever de defendê-lo e preservá-lo (arts. 200, VII, e 225, caput). Não é por outra razão que Raimundo Simão de Melo alerta que a prevenção dos riscos ambientais e/ou eliminação de riscos laborais, mediante adoção de medidas coletivas e individuais, é imprescindível para que o empregador evite danos ao meio ambiente do trabalho e à saúde do trabalhador. Acidentes do trabalho e/ou doença profissional ou ocupacional, na maioria das vezes, “são eventos perfeitamente previsíveis e preveníveis, porquanto suas causas são identificáveis e podem ser neutralizadas ou mesmo eliminadas; são, porém, imprevistos quanto ao momento e grau de agravo para a vítima” (MELO, Raimundo Simão de. Direito ambiental do trabalho e a saúde do trabalhador. 5.ed. São Paulo: Ltr, 2013, p. 316). Tanto a higidez física como a mental, inclusive emocional, do ser humano são bens fundamentais de sua vida, privada e pública, de sua intimidade, de sua autoestima e afirmação social e, nesta medida, também de sua honra. São bens, portanto, inquestionavelmente tutelados, regra geral, pela Constituição (art. 5º, V e X). Assim, agredidos em face de circunstâncias laborativas, passam a merecer tutela ainda mais forte e específica da Constituição da República, que se agrega à genérica anterior (art. 7º, XXVIII, CF/88). É do empregador, evidentemente, a responsabilidade pelas indenizações por dano moral, material ou estético decorrentes de lesões vinculadas à infortunística do trabalho, sem prejuízo do pagamento pelo INSS do seguro social. Na hipótese em exame, extrai-se do acórdão recorrido que restou incontroverso “nos autos que o autor foi vítima de acidente de trabalho típico em 18/11/2009 e que, em razão do infortúnio, ficou com sequelas em dois dedos da mão esquerda“, bem como que culminou incapacidade laboral parcial e permanente, nos termos do laudo pericial conclusivo. Contudo, em que pese reconhecer a existência de acidente de trabalho típico, o TRT reformou a sentença para julgar improcedentes os pleitos de indenização por danos morais, estéticos e materiais, por assentar que a “inexistência nos autos de prova contundente de que o acidente de trabalho decorreu de negligência patronal, em razão de suposta falta de manutenção das máquinas utilizadas”. Todavia, o contexto fático delineado no acórdão recorrido permite que esta Corte proceda ao enquadramento jurídico diverso da questão. Com efeito, conforme se extrai do laudo pericial, mencionado no acórdão recorrido, quanto ao diagnóstico do Autor, esse “apresenta quadro compatível/sugestivo com o diagnóstico de sequela de traumatismo (esmagamento de 4º dedo de mão esquerda e ferimento corto contuso de polegar de mão esquerda com lesão de tendão flexor) por trauma acidente com serra circular“, o que confirma a ocorrência de acidente de trabalho típico sofrido, que resultou em incapacidade parcial e permanente para as atividades laborativas, estimada pelo expert em 9%. A propósito, também consta no acórdão recorrido que houve agravamento da lesão ao longo do tempo, já que se constatou “perda da flexão ativa de falange distal de polegar e perda segmentar de 4º dedo mão esquerda (falange distal e média)“, bem como que há “incapacidade parcial, permanente e restrita a ação manual que envolva polegar e 4º dedo da mão esquerda“, não cabendo novas terapias ou tratamentos complementares na atualidade. Embora não se desconheça que, segundo o art. 436 do CPC/1973 (art. 479 do CPC/2015), o juiz não esteja adstrito ao laudo pericial, fato é que, na hipótese em exame, a prova técnica não foi infirmada pelos demais elementos de prova constantes nos autos, de modo que persiste a conclusão regional quanto à redução definitiva da capacidade laboral do Obreiro, em decorrência do acidente de trabalho típico sofrido. Uma vez constatados o acidente típico de trabalho e o dano, e considerando-se que o empregador tem o controle e a direção sobre a estrutura, a dinâmica, a gestão e a operação do estabelecimento em que ocorreu o malefício, desponta a premissa da culpa presumida da Reclamada. Em que pese tal presunção de culpa seja relativa, tem-se que, na hipótese em exame, tal presunção não foi infirmada pelos demais elementos de prova dos autos. Extrai-se do acórdão recorrido, outrossim, a ausência de prova de que a Reclamada tenha fornecido o treinamento ao Reclamante. Nesse contexto, não há como considerar que a Empregadora tenha adotado medidas que fossem capazes de proteger o seu empregado no desempenho da atividade, sobretudo em relação ao dever de cuidado à saúde, higiene, segurança e integridade física (art. 6º e 7º, XXII, da CF, 186 do CCB/02), deveres anexos ao contrato de trabalho e, ainda que se alegue o contrário, eventuais medidas adotadas foram claramente insuficientes para evitar a ocorrência do acidente de trabalho. Assim, presentes o dano (acidente de trabalho resultou em incapacidade laboral temporária); o nexo de causalidade e a incidência da culpa presumida, tem-se como consequência a declaração da responsabilidade civil da Reclamada pelos danos decorrentes da doença ocupacional – observados os limites da petição inicial. Recurso de revista conhecido e provido.

A decisão foi unânime.

Processo: RR-876-36.2014.5.06.0142

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