Admitido recurso extraordinário sobre multa contra Facebook por recusa ao fornecimento de dados

O vice-presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Humberto Martins, admitiu recurso extraordinário em processo que discute a imposição de multa ao Facebook pelo não fornecimento de dados. A quebra de sigilo telemático foi determinada por decisão judicial no âmbito de investigação policial.

Segundo os autos, a quebra do sigilo foi autorizada em junho de 2014, e a multa diária por descumprimento da ordem de fornecimento dos dados, no valor de R$ 50 mil, foi imposta em outubro daquele ano. Acumulada, a multa chegou a quase R$ 4 milhões, valor que foi bloqueado nas contas bancárias do Facebook no Brasil em abril de 2015.

O Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) indeferiu mandado de segurança em que a empresa pedia o reconhecimento da ilegalidade do bloqueio.

Na ocasião, o Facebook alegou que não seria possível cumprir a totalidade da ordem porque o armazenamento e o processamento de dados dos usuários seriam de responsabilidade do serviço prestado pelo Facebook dos Estados Unidos e da Irlanda. Também afirmou que o braço da empresa no Brasil cuida apenas de questões relacionadas à veiculação de publicidade, à locação de espaços publicitários e ao suporte de vendas.

Soberania

Ao analisar recurso do Facebook do Brasil contra o acórdão do TRF3, o ministro do STJ Reynaldo Soares da Fonseca, em decisão monocrática, negou seguimento ao apelo, por considerar que o mandado de segurança havia sido impetrado fora do prazo legal de 120 dias.

Além disso, o relator afirmou que a empresa multinacional deve se submeter às normas brasileiras, quando em atuação no Brasil. Por isso, concluiu que a alegação de tratar apenas de questões publicitárias não eximia a empresa de prestar as informações, o que justificou a imposição da multa. O valor de R$ 50 mil diários não foi considerado exorbitante em razão do elevado poder econômico da empresa.

A decisão do relator foi mantida pela Quinta Turma do STJ, em julgamento cujo acórdão foi publicado em 11 de outubro do ano passado. Contra essa decisão, o Facebook interpôs o recurso para o Supremo Tribunal Federal, cujo juízo de admissibilidade compete ao vice-presidente do STJ.

Ao admitir o recurso extraordinário, o ministro Humberto Martins afirmou que, além dos pressupostos de admissibilidade, foram consideradas as alegações da empresa. “A recorrente, nas razões do recurso extraordinário, alega ofensa ao artigo 1º, I, ao artigo 4º, IV, e ao artigo 5º, caput,LIV e LV, da Lei Maior. Sustenta, em síntese, além da repercussão geral, violação dos princípios constitucionais da soberania, da não intervenção em outro país, do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa”, explicou o ministro.

O recurso no Tribunal de Origem ficou assim ementado:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. MANDADO DE SEGURANÇA. MULTA IMPOSTA EM RAZÃO DE DESCUMPRIMENTO DE ORDEM JUDICIAL, QUE DETERMINARA A QUEBRA DE SIGILO E INTERCEPTAÇÃO TELEMÁTICA DE CONTAS DO FACEBOOK. REITERADA RECALCITRÂNCIA NO CUMPRIMENTO DA ORDEM. DECISÃO QUE DETERMINOU O BLOQUEIO DE VALORES DIRETAMENTE DA CONTA BANCÁRIA DA IMPETRANTE, VIA BACENJUD.
1. Não se verifica ilegalidade na decisão judicial que manteve a cobrança da multa diária, determinou sua atualização e a adoção das medidas necessárias à efetivação da cobrança, tendo em vista a reiterada recalcitrância no cumprimento da ordem judicial. E mesmo que a dinâmica dos fatos possa, eventualmente, demonstrar o contrário, é inviável a dilação probatória no âmbito estrito do mandado de segurança.
2. A existência de título executivo judicial, cujo descumprimento se deu nos próprios autos de processo, permite a adoção de medidas para seu imediato cumprimento, como o bloqueio dos valores por meio do BACENJUD.
3. Segurança denegada.

O recurso chegou no STF e ficou assim decido:

Trata-se de recurso extraordinário interposto contra acórdão do Superior Tribunal de Justiça, assim ementado: “AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DECADÊNCIA DO MANEJO DA IMPETRAÇÃO. INQUÉRITO POLICIAL. QUEBRA DE SIGILO TELEMÁTICO. CUMPRIMENTO TARDIO DE ORDEM JUDICIAL. APLICAÇÃO DE MULTA DIÁRIA À EMPRESA RESPONSÁVEL PELO FORNECIMENTO DE DADOS (FACEBOOK). POSSIBILIDADE. VALOR DAS ASTREINTES. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. 1. Situação em que a FACEBOOK SERVIÇOS ONLINE DO BRASIL LTDA. impugna decisão judicial que, em sede de inquérito, autorizou a interceptação do fluxo de dados telemáticos de contas Facebook de investigados, sob pena de multa diária de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais). 2. Não merece ser conhecido o mandado de segurança impetrado após o decurso de 120 dias da data da intimação do ato apontado como coator (art. 23 da Lei n. 12.016/2009). No caso concreto, deferida a quebra de sigilo em 25/06/2014, a multa diária por descumprimento foi imposta em 23/10/2014. Em seguida, a empresa apresentou inúmeras petições, alegando impossibilidade de cumprimento da totalidade da ordem, devido ao fato de que a empresa responsável pelo armazenamento e processamento de dados de usuários do serviço Facebook se situa nos Estados Unidos da América e na Irlanda. O bloqueio foi efetivado em 09/04/2015, ao qual se seguiu pedido de restituição dos valores bloqueados, ainda no ano de 2015, e um último pedido de reconsideração em 20/06/2016. No entanto, o presente mandado de segurança somente foi protocolado em 16/12/2016, mais de dois anos após a data da imposição da multa. Ainda, que a impetração se voltasse unicamente contra um possível bloqueio ilegal dos valores, o que não é o caso, já que se insurge também contra a imposição da multa diária, o termo inicial da impetração seria a data da efetivação do bloqueio (09/04/2015), pois, como se sabe, pedidos de reconsideração não têm o condão de suspender, nem tampouco de interromper o prazo decadencial. 3. Não há ilegalidade ou abuso de poder a ser corrigido, pois fica claro o descumprimento da decisão judicial que determinara o fornecimento de dados de contas perfis no Facebook de investigados, já que a própria recorrente admite não ter fornecido nem fotos, nem tampouco as mensagens trocadas entre os investigados e terceiros. 4. A mera alegação de que o braço da empresa situado no Brasil se dedica apenas à prestação de serviços relacionados à locação de espaços publicitários, veiculação de publicidade e suporte de vendas não exime a organização de prestar as informações solicitadas, tanto mais quando se sabe que não raras vezes multinacionais dedicadas à exploração de serviços prestados via internet se valem da escolha do local de sua sede e/ou da central de suas operações com o objetivo específico de burlar carga tributária e ordens judiciais tendentes a regular o conteúdo das matérias por elas veiculadas ou o sigilo de informações de seus usuários. 5. Por estar instituída e em atuação no País, a pessoa jurídica multinacional submete-se, necessariamente, às leis brasileiras, motivo pelo qual se afigura desnecessária a cooperação internacional para a obtenção dos dados requisitados pelo juízo. 6. As Turmas que compõem a 3ª Seção desta Corte têm entendido que “a imposição de astreintes à empresa responsável pelo cumprimento de decisão de quebra de sigilo, determinada em inquérito, estabelece entre ela e o juízo criminal uma relação jurídica de direito processual civil”, cujas normas são aplicáveis subsidiariamente no Processo Penal, por força do disposto no art. 3º do CPP. Nesse sentido, “a solução do impasse gerado pela renitência da empresa controladora passa pela imposição de medida coercitiva pecuniária pelo atraso no cumprimento da ordem judicial, a teor dos arts. 461, § 5.º, 461-A, do Código de Processo Civil, c.c. o art. 3.º do Código de Processo Penal” (RMS 44.892/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 05/04/2016, DJe 15/04/2016). 7. A legalidade da imposição de astreintes a terceiros descumpridores de decisão judicial encontra amparo também na teoria dos poderes implícitos, segundo a qual, uma vez estabelecidas expressamente as competências e atribuições de um órgão estatal, desde que observados os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, ele está implicitamente autorizado a utilizar os meios necessários para poder exercer essas competências. Nessa toada, se incumbe ao magistrado autorizar a quebra de sigilo de dados telemáticos, pode ele se valer dos meios necessários e adequados para fazer cumprir sua decisão, tanto mais quando a medida coercitiva imposta (astreintes) está prevista em lei. 8. A existência de título executivo judicial, cujo descumprimento se deu nos próprios autos de processo, permite a adoção de medidas para seu imediato cumprimento, vez que é possível a execução das astreintes, de imediato, mesmo que fixada em decisão interlocutória, podendo ser exigida a partir do descumprimento da obrigação. 9. A renitência da empresa em cumprir a determinação judicial justifica a incidência da multa coercitiva prevista no art. 461, § 5º, do CPC no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), que não se revela excessivo, diante do elevado poder econômico da empresa, até porque valor idêntico foi adotado pelo STJ na QO-Inq n. 784/DF e no RMS 44.892/SP. 10. Agravo regimental a que se nega provimento.” O recurso extraordinário busca fundamento no art. 102, III, a, da Constituição Federal. A parte recorrente alega violação aos arts. 1º, I; 4º, IV; 5º, LIV, LV; e 93, IX, todos da Constituição. Sustenta que: (i) o acórdão recorrido deixou de aplicar o Decreto 3.810/2001 para a obtenção de informações mantidas no exterior; (ii) a imposição de multa processual a terceiro que não integrou o processo judicial e o bloqueio sumário de bens, sem que tivesse tido a oportunidade de apresentar defesa, afrontam os princípios da legalidade, do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa; (iii) “o bloqueio dos ativos de titularidade da RECORRENTE sem a instauração do necessário procedimento de execução – que retirou da empresa a oportunidade de produzir provas sob o crivo do contraditório – representa inaceitável desrespeito à garantia constitucional da isonomia”; (iv) não há no acórdão recorrido fundamentação idônea sobre a legalidade do bloqueio dos ativos financeiros sem a instauração do procedimento de execução. O recurso é inadmissível, tendo em vista que a parte recorrente não atacou o fundamento utilizado pelo Tribunal de origem para decidir a controvérsia acerca do reconhecimento da consumação da decadência do mandado de segurança, uma vez que impetrado após o prazo legal. Desse modo, permanece hígido tal fundamento, autônomo e suficiente para a manutenção do acórdão recorrido, a atrair a incidência da Súmula 283/STF: “É inadmissível o recurso extraordinário, quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles.” Tal como consta no parecer do Ministério Público Federal, “vale reparar que as alegadas hostilidades aos arts. 1º, I, 4º, IV, e 5º, caput, da Constituição Federal não foram objeto de debate no acórdão recorrido, sem motivar embargos de declaração. A circunstância atrai o óbice das Súmulas 282 e 356”. Ademais, por ausência de questão constitucional, o Supremo Tribunal Federal rejeitou preliminar de repercussão geral relativa à controvérsia sobre suposta violação aos princípios do contraditório, da ampla defesa, dos limites da coisa julgada e do devido processo legal (Tema 660 – ARE 748.371-RG, Rel. Min. Gilmar Mendes). Para chegar a conclusão diversa do acórdão recorrido, seria necessária uma nova apreciação dos fatos e do material probatório constante dos autos (Súmula 279/STF), procedimento inviável em recurso extraordinário. Registro, por fim, que esta Corte tem entendimento no sentido de que as decisões judiciais não precisam ser necessariamente analíticas, bastando que contenham fundamentos suficientes para justificar suas conclusões (AI 791.292-QO-RG, Rel. Min. Gilmar Mendes). Na hipótese, a decisão está devidamente fundamentada, embora em sentido contrário aos interesses da parte agravante. Diante do exposto, com base no art. 21, § 1º, do RI/STF, nego seguimento ao recurso.

O mesmo ficou assim ementado após Agravo Regimental:

DIREITO PROCESSUAL PENAL. AGRAVO INTERNO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. DECUMPRIMENTO DE DECISÃO JUDICIAL. APLICAÇÃO DE MULTA PROCESSUAL. DECADÊNCIA. SÚMULA 283/STF. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282 E 356/STF. ANÁLISE DA LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL PERTINENTE E DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. SÚMULA 279/STF. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 93, IX, DA CONSTITUIÇÃO. 1. A parte recorrente não atacou o fundamento utilizado pelo Tribunal de origem para decidir a controvérsia acerca do reconhecimento da consumação da decadência do mandado de segurança, uma vez que impetrado após o prazo legal. Desse modo, permanece hígido tal fundamento, autônomo e suficiente para a manutenção do acórdão recorrido, a atrair a incidência da Súmula 283/STF. 2. Tal como consta no parecer do Ministério Público Federal, “vale reparar que as alegadas hostilidades aos arts. 1º, I, 4º, IV, e 5º, caput, da Constituição Federal não foram objeto de debate no acórdão recorrido, sem motivar embargos de declaração. A circunstância atrai o óbice das Súmulas 282 e 356”. 3. Por ausência de questão constitucional, o Supremo Tribunal Federal rejeitou preliminar de repercussão geral relativa à controvérsia sobre suposta violação aos princípios do contraditório, da ampla defesa, dos limites da coisa julgada e do devido processo legal (Tema 660 – ARE 748.371-RG, Rel. Min. Gilmar Mendes). 4. Para chegar a conclusão diversa dos acórdãos recorridos, imprescindíveis seriam a análise da legislação infraconstitucional pertinente e uma nova apreciação dos fatos e do material probatório constante dos autos, o que não é possível nesta fase processual. Nessas condições, a hipótese atrai a incidência da Súmula 279/STF. 5. A decisão está devidamente fundamentada, embora em sentido contrário aos interesses da parte agravante. 6. Agravo interno a que se nega provimento.

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