Instrumento processual destinado à proteção de interesses difusos da sociedade, a ação civil pública (ACP), prevista na Constituição Federal de 1988, foi regulamentada pela Lei 7.347/85. Essencialmente, a norma trata da responsabilização por danos morais e patrimoniais causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico, urbanístico e paisagístico.
Em 2011, a Lei 12.529 alargou o alcance da ACP para as infrações cometidas contra a ordem econômica.Três anos depois, em 2014, também foi acrescentada à Lei 7.347 a proteção à honra e à dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos (Lei 12.966) e ao patrimônio público e social (Lei 13.004).
Ordem econômica
Por se tratar de lei infraconstitucional, muitas controvérsias envolvendo a ACP acabam chegando ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). Em um desses casos, o tribunal aplicou a inovação trazida pela Lei 12.529, quando a Segunda Turma reconheceu o cabimento de ACP em pedido de responsabilização civil e paralisação da atividade de exploração de máquinas caça-níqueis.
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) extinguiu o feito sem julgamento de mérito, por entender que compete ao juízo criminal apreciar a prática de contravenção penal, bem como decidir sobre as medidas de fechamento do estabelecimento, bloqueio de contas bancárias e apreensão de máquinas caça-níqueis.
A Segunda Turma, entretanto, deu provimento ao recurso do Ministério Público estadual sob o argumento de que a Lei 7.347, em seu artigo 1º, V, dispõe ser cabível o ajuizamento de ACP contra infrações de ordem econômica.
“A exploração de jogos de azar acarreta graves prejuízos à ordem econômica, notadamente no campo da sonegação fiscal, da evasão de divisas e da lavagem de dinheiro”, observou o ministro Herman Benjamin, relator (REsp 813.222).
Tributos e contribuições
De acordo com o artigo 1º, parágrafo único, da Lei 7.347, a ACP não é cabível “para veicular pretensões que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente determinados”.
Esse dispositivo foi aplicado no julgamento do REsp 1.228.967,na Primeira Turma.O Ministério Público do Rio de Janeiro ajuizou ACP com o objetivo de condenar notários que tiveram a nomeação anulada a devolver os valores recebidos a título de emolumentos e custas durante o exercício de suas funções em cartórios extrajudiciais.
A turma, além de não reconhecer prejuízo para a administração pública, em razão do pagamento pelos serviços prestados ter sido feito por particulares, manteve o entendimento de que as custas e os emolumentos constituem espécie tributária, não podendo o MP cobrar sua restituição por meio de ACP.
Bloqueio de bens
Com o objetivo de evitar danos aos bens tutelados pela ACP, a Lei 7.347 admite a possibilidade de ser ajuizada ação cautelar. A Primeira Seção, em julgamento de recurso repetitivo, firmou a tese de que é possível a decretação da indisponibilidade de bens em ação civil pública por ato de improbidade administrativa (Tema 701).
Para o STJ, a decretação de indisponibilidade dos bens não se condiciona à comprovação de dilapidação efetiva ou iminente de patrimônio, porque visa, justamente, evitar a dilapidação patrimonial futura, no intuito de garantir o ressarcimento ao erário ou a devolução do produto do enriquecimento ilícito, decorrente de eventual condenação.
Legitimados
Têm legitimidade para propor a ACP e a ação cautelar: o Ministério Público; a Defensoria Pública; a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios; autarquias, empresas públicas, fundações ou sociedades de economia mista e associações (constituídas há pelo menos um ano e que tenham entre suas finalidades a proteção dos bens tutelados pela ACP).
O artigo 5º, V, parágrafo 3º, da Lei 7.347 também disciplina que, em caso de desistência infundada ou abandono da ação por associação legitimada, o Ministério Público ou outro legitimado assumirá a titularidade ativa.
No julgamento do REsp 1.372.593, a Segunda Turma entendeu que essa possibilidade também pode ser aplicada aos casos em que for verificado vício na representação processual da associação autora.
No caso apreciado, uma associação ajuizou ACP para impedir a construção de um shopping em razão de impactos ambientais. Em primeira instância, o processo foi extinto sem julgamento de mérito porque o juiz entendeu que o ingresso do Ministério Público não seria possível porque a Lei 7.347 só trata de casos de desistência ou abandono de causa, não abarcando o vício de representação.
Para a Segunda Turma, entretanto, “antes de proceder à extinção do processo, deve-se conferir oportunidade ao Ministério Público para que assuma a titularidade ativa da demanda. Isso porque as ações coletivas trazem em seu bojo a ideia de indisponibilidade do interesse público”.
Erga omnes
De acordo com o artigo 16 da Lei 7.347, “a sentença civil fará coisa julgada erga omnes (produz efeito para todos), nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova”.
No julgamento do REsp 1.319.232, em que ficou definido que o índice de correção monetária aplicável às cédulas de crédito rural, no mês de março de 1990, nas quais prevista a indexação aos índices da caderneta de poupança, foi o BTNF (Bônus do Tesouro Nacional) no percentual de 41,28%, a Terceira Turma aplicou esse dispositivo ao definir a abrangência da decisão.
No julgamento dos embargos de declaração, o colegiado consignou que, “ajuizada a ação civil pública pelo Ministério Público, com assistência de entidades de classe de âmbito nacional, perante a Seção Judiciária do Distrito Federal, e sendo o órgão prolator da decisão final de procedência o STJ, a eficácia da coisa julgada tem abrangência nacional”.
Legislação Aplicada
Outros dispositivos da Lei 7.347 que foram aplicados em julgados do STJ podem ser conferidos no serviço Legislação Aplicada, disponível no site do STJ. A ferramenta seleciona e organiza acórdãos e súmulas representativos da aplicação da norma analisada. Para cada artigo, parágrafo, inciso ou alínea, há uma pesquisa automática e atualizada que consulta o acervo de acórdãos.
Para acessar o serviço, basta seguir o caminho Jurisprudência > Legislação Aplicada, a partir do menu superior do site do STJ.