Magistrados apontaram falha em garantir o acompanhamento psicológico necessário para filho após separação
Os desembargadores da 12ª Câmara Cível acordaram de forma unânime pela manutenção da decisão de 1º Grau que multou os pais de um adolescente por falharem ao não garantir o acompanhamento psicológico necessário para seu filho, infração administrativa do artigo 249 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A multa por omissão e negligência evidencia a importância do cumprimento dos deveres familiares e a prioridade dos Direitos da Criança e do Adolescente. Os valores da multa devem ser revertidos ao fundo gerido pelo Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente de Curitiba (Comtiba).
Após o divórcio dos genitores e por causa de conflitos familiares e violência intrafamiliar, o Conselho Tutelar decidiu intervir ao identificar que o filho apresentava problemas de saúde mental. Foi recomendado o tratamento psicológico, mas o adolescente compareceu a apenas três sessões e, em seguida, deixou de ser levado pelos pais às consultas. O Ministério Público entrou, então, com uma ação contra os pais, alegando que eles estavam negligenciando suas responsabilidades como responsáveis pelo bem-estar do filho. Ao analisar o caso deste processo, o juiz da origem constatou que os “pais permaneceram, deliberadamente, descumprindo os deveres inerentes ao poder familiar sobre o filho”, com a “omissão em velar pela saúde mental do protegido” não cumprindo, dessa forma, as determinações do Conselho Tutelar.
O desembargador Eduardo Cambi, relator do caso, citou na decisão o artigo 227 da Constituição Federal de 1988, que estabelece: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. Na mesma linha, a decisão cita o artigo 22 do ECA, que afirma a incumbência dos “pais, titulares do poder familiar, o dever de sustento, guarda e educação dos filhos, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer as determinações judiciais”. O desembargador destacou que a responsabilidade pela saúde e pelo bem-estar do adolescente é compartilhada entre os dois pais, independentemente de quem detém a guarda em caso de separação.
A decisão destaca a importância de garantir os direitos da criança e do adolescente, como saúde, educação e dignidade, conforme estabelecido no ECA e na Constituição.
O processo ficou assim ementado:
DIREITO DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES. DIREITOS HUMANOS. APELAÇÃO CÍVEL. INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA. PROTEÇÃO DO DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE MENTAL. NECESSIDADE DE TRATAMENTO PSICOLÓGICO E DE ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO-PSICOLÓGICO. INFANTE NA GUARDA FÁTICA DA GENITORA. TENTATIVA DO PAI DE RESPONSABILIZAÇÃO EXCLUSIVA DA MÃE PELA FALTA DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE DO FILHO. DEVER DE AMBOS OS PAIS, INDEPENDENTEMENTE DO MODELO DE EXERCÍCIO DA GUARDA. PERPETUAÇÃO DA CULTURA DA IRRESPONSABILIDADE MASCULINA COM A PROLE. INADMISSIBILIDADE. DESCUMPRIMENTO DOS DEVERES INERENTES AO PODER FAMILIAR POR AMBOS OS PAIS. INFRAÇÃO CARACTERIZADA. APLICAÇÃO DO PROTOCOLO DE JULGAMENTO COM PERSPECTIVA DE GÊNERO. MANUTENÇÃO DA REPRIMENDA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.
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Cabe aos pais, como primeiros sujeitos da cadeia de agentes protetores e no exercício do poder familiar, assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos fundamentais das crianças e adolescentes. Prevalência da doutrina da proteção integral. Aplicação dos artigos 227, caput, da CRFB, 1.634, inc. I, do CC, bem como dos artigos 4º, 19 do ECA.
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É dever de ambos os pais, independentemente do regime de exercício da guarda, assegurar à criança e ao adolescente, com prioridade absoluta, a efetivação dos direitos humanos-fundamentais, dentre eles o direito à saúde mental, por meio de tratamento psicológico e de acompanhamento terapêutico psicológico. Aplicação do princípio da parentalidade responsável. Exegese dos artigos 226, § 6º, e 227, caput, da CRFB, do artigo 18.1 da Convenção dos Direitos da Criança da ONU, bem como dos artigos 4º da Lei 8.069/1990 (ECA) e 3º da Lei 13.257/2016 (Marco Legal da Primeira Infância).
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A guarda, seja ela unilateral ou compartilhada, não exclui o outro genitor da vida do filho, nem tampouco isenta o pai/mãe não guardião de seu dever de garantir os direitos humanos-fundamentais da prole, uma vez que tais obrigações decorrem do poder familiar. Havendo a dissolução da união dos genitores, seja de modo conflituoso ou não, a mãe continuará sendo mãe e o pai continuará sendo pai, cabendo a ambos o cumprimento de seus respectivos papéis no resguardo do direito à saúde de seus filhos. Inteligência dos artigos 1.634 do CC e 22 da Lei nº 8.069/1990 (ECA).
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Caracteriza a infração administrativa prevista no artigo 249 do ECA a inobservância do direito à saúde mental da criança e do adolescente, decorrente da conduta, culposa ou dolosa, dos pais que descumprem os deveres inerentes ao poder familiar, ou de determinação de autoridade judiciária ou do Conselho Tutelar, ficando sujeitos ao pagamento de multa de três a vinte salários mínimos, aplicando-se o dobro em caso de reincidência.
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Não pode o pai se esquivar da responsabilidade parental de assegurar o direito à saúde mental do filho com o argumento de que a guarda fática do infante estava com a mãe.
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Deve o Poder Judiciário promover a equidade de gênero por meio da não repetição de estereótipos, que façam perpetuar a cultura da discriminação e de preconceitos, inerentes ao patriarcado e ao machismo estrutural que reforçam práticas misóginas e mecanismos de opressão contra as mulheres, tais como a tradicional irresponsabilidade masculina no contexto das obrigações parentais. Exegese do ODS nº 5 da ONU e da Recomendação nº 128 de 2022 do CNJ (Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero).
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No caso concreto, ao deixarem de agir frente à necessidade de acompanhamento psicológico do filho adolescente – postura mantida mesmo depois de advertidos judicialmente –, ambos os pais violaram os deveres inerentes ao poder familiar, conduta passível de multa.
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A aplicação da sanção administrativa foi precedida de diversas tentativas de conscientização por agentes da rede de proteção, além de determinação judicial expedida em nome dos dois genitores, não havendo que se falar em responsabilidade exclusiva da mãe. Exegese do artigo 249 do ECA.
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Apelação conhecida e não provida.
0006526-48.2021.8.16.0188