Ficou demonstrado que ela exercia também atividades lícitas, como recarga de celulares
A Quinta Turma do Tribunal Superior do Trabalho rejeitou o recurso da Sonho Real Loterias Ltda., de Campina Grande (PB), contra o reconhecimento do vínculo de emprego de uma vendedora. A empresa alegava que a ilicitude de sua atividade – apostas do jogo do bicho – resultaria na nulidade do contrato. Mas, segundo o colegiado, a vendedora exercia outras atividades lícitas, como recarga de celulares e venda de bilhetes de loterias legais.
Cambista
Na reclamação trabalhista, a vendedora disse que havia trabalhado para a casa lotérica de 2009 a 2021. Ao negar a existência de relação de emprego, o juízo de primeiro grau considerou, com base nos depoimentos da trabalhadora e do preposto da empresa, que ela atuava como cambista do jogo do bicho. Segundo a sentença, o fato de ela executar outras tarefas lícitas não afasta a razão principal do estabelecimento, que era ilícita.
Obrigações
Contudo, o Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região (PB) acolheu recurso da vendedora e condenou a empresa a anotar a carteira de trabalho e pagar todas as parcelas decorrentes da relação de emprego. De acordo com o TRT, a exploração, entre outras, de atividade classificada como contravenção penal não é suficiente para eximir a lotérica de suas obrigações trabalhistas, sobretudo quando há provas da prestação de outros serviços de natureza lícita, como a venda de créditos para celulares.
Ilicitude do objeto
No recurso ao TST, a loja argumentou que, para a validade de qualquer negócio jurídico, é imprescindível que se constate a licitude do objeto, inclusive o trabalhista. “Se a atividade prestada é ilícita e o empregado tem consciência da sua ilicitude, como no caso, pode-se afirmar que não existiu contrato de trabalho, e, consequentemente, nenhum efeito jurídico dele decorrerá”, sustentou.
O recurso foi fundamentado na Orientação Jurisprudencial (OJ) 199, que considera nulo o contrato de trabalho celebrado para o desempenho de atividade relacionada à prática do jogo do bicho, em razão da ilicitude de seu objeto.
Validade do contrato
O relator do recurso, ministro Breno Medeiros, explicou que a jurisprudência do TST vem se posicionando no sentido de reconhecer a validade do contrato de trabalho de pessoas que, ainda que prestem serviço em local destinado a atividade ilícita, não atuem exclusivamente nela. Nesse caso, afasta-se a aplicação da OJ 199.
O ministro citou diversos precedentes nesse sentido e, ainda, decisões em que o TST reconhece a validade do contrato com estabelecimentos como bingos, mas em que o serviço prestado não diz respeito diretamente às atividades ilícitas – seguranças, pessoal de limpeza, etc.
O recurso ficou assim ementado:
AGRAVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. NULIDADE POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. AUSÊNCIA DE TRANSCENDÊNCIA . A decisão não contraria o precedente firmado em sede de repercussão geral pelo STF (AI 791.292 QO-RG, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 12/08/2010), no qual a Excelsa Corte decidiu “que o art. 93, IX, da Constituição Federal exige que o acórdão ou decisão sejam fundamentados” , uma vez que o e. TRT expôs fundamentação suficiente, consignando de forma explícita os motivos pelos quais concluiu pelo reconhecimento do vínculo de emprego, o que evidencia, por consectário lógico, a ausência de transcendência da matéria. Agravo não provido. VÍNCULO DE EMPREGO. EXERCÍCIO CONCOMITANTE DE ATIVIDADE ILÍCITA E DE ATIVIDADE LÍCITA. ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL 199 DA SDI-1. NÃO APLICÁVEL. VÍNCULO DE EMPREGO RECONHECIDO. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA . O e. TRT reformou a sentença de piso para reconhecer o vínculo de emprego por verificar que, concomitantemente ao exercício de atividade ilícita relacionada ao “jogo do bicho”, a reclamante também exercia atividade lícita consistente na venda de crédito para recarga de celulares, reputando, assim, preenchidos os requisitos dos arts. 2º e 3º da CLT. A jurisprudência desta Corte vem se posicionando no sentido de que deve ser reconhecida a validade do contrato de trabalho de profissional que, ainda, que preste serviço em local destinado à atividade ilícita, não atue exclusivamente no elemento do tipo penal, resultando afastada a incidência da Orientação Jurisprudencial nº 199 da SBDI-1 do TST . Dessa forma, a decisão da Corte a quo que reconheceu a validade do contrato do contrato de trabalho em razão do exercício, pela reclamante, também de atividades lícitas, em favor da reclamada, não contraria o referido verbete, tampouco ofende os dispositivos legais invocados. Agravo não provido .
A decisão foi unânime.
Processo: Ag-AIRR-113-10.2021.5.13.0008