A 2ª Seção do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) determinou que a dona de um caminhão e de três reboques tenha seus bens restituídos – porém, na condição de fiel depositária (pessoa a quem a Justiça confia um bem durante processo). A proprietária impetrou mandado de segurança no Tribunal após decisão, da Justiça Federal do Amazonas, que havia julgado improcedente seu pedido.
De acordo com os autos, o conjunto veicular foi apreendido após abordagem policial, ocorrida no município de Humaitá/AM, durante transporte de madeira. Na ocasião, teria sido constatada, a princípio, divergência entre a espécie declarada no Documento de Origem Florestal (DOF) e a madeira de fato transportada, o que deu origem à apreensão dessa carga.
No TRF1, a impetrante alegou boa-fé, já que foi contratada apenas para transportar a carga, e que não tem responsabilidade sobre o carregamento, e que a responsabilidade do ato supostamente delituoso deve recair sobre a sua contratante, real emitente dos documentos fiscais e de transporte. Ela afirmou não ter conhecimento necessário para verificação de espécie de produtos florestais. Ainda mencionou o fato de não ser reincidente nesse tipo de infração e mesmo em nenhuma outra. Segundo ela, após a impossibilidade de realizar fretes durante o período mais acirrado da pandemia, essa nova paralisação agrava ainda mais as dificuldades enfrentadas pela família, já tido um prejuízo de mais de R$ 150 mil desde a apreensão do conjunto veicular.
Ao analisar o caso, o relator, juiz federal convocado Érico Rodrigo Freitas Pinheiro, disse que houve comprovação nos autos da condição da impetrante apenas como proprietária do conjunto veicular apreendido e que o bem não tem relevância para a investigação.
Destacou o magistrado que na ausência de trânsito em julgado de sentença condenatória, mesmo se mostrando legítima a apreensão de bens para cobrir eventuais danos sofridos pelo Estado ou para se evitar o proveito pelo indivíduo do resultado de sua conduta ilícita, de regra, deve-se respeitar o direito de propriedade, deferindo a posse do bem à proprietária, na condição de fiel depositário do juízo, até que sobrevenha o trânsito em julgado de eventual condenação.
O relator levou em consideração outro argumento da impetrante no sentido de que o acondicionamento dos bens em depósito, sem a devida manutenção, por tempo indeterminado, poderia resultar em deterioração.
O recurso ficou assim ementado:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA ATO JUDICIAL. CRIME AMBIENTAL. APREENSÃO DE CONJUNTO VEICULAR (CAMINHÃO E REBOQUES). DIREITO DE PROPRIEDADE. RESTITUIÇÃO DA POSSE AO PROPRIETÁRIO, MEDIANTE ASSINATURA DE TERMO DE FIEL DEPOSITÁRIO. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. 1. Mandado de segurança impetrado contra ato praticado pelo Juízo da 7ª Vara da Seção Judiciária do Amazonas, que, julgou improcedente o pedido de restituição de bens de titularidade da impetrante (caminhão e reboques) – objeto de apreensão durante abordagem policial, na qual constatada a prática, em tese, de crime ambiental. 2. A jurisprudência deste Tribunal tem acentuado que, na ausência de trânsito em julgado de sentença condenatória, mesmo se mostrando legítima a apreensão de bens para fazer frente a eventuais danos sofridos pelo Estado, ou mesmo para evitar o proveito pelo indivíduo do resultado de sua conduta ilícita, de regra, deve-se, em prestígio ao direito de propriedade, deferir a posse do bem ao proprietário, na condição de fiel depositário do juízo, até que sobrevenha o trânsito em julgado de eventual condenação (MS 1017729-90.2019.4.01.0000, Segunda Seção, rel. des. Ney Bello, PJe de 3/8/2020, entre outros). 3. No mesmo sentido, já decidiu esta Corte Regional que, em que pese a possibilidade de perdimento do veículo em favor da União no caso de uma eventual condenação da apelante, o acondicionamento em depósito da Polícia Federal, sujeito às intempéries, ou o seu uso pela Polícia Federal em serviço, por tempo indeterminado, constituem fatores que provocarão mais rápida depreciação do bem (ACR 1002821-83.2019.4.01.3700, rel. des. Ney Bello, Terceira Turma, PJe 18/12/2020). 4. No caso em análise, afigura-se relevante a argumentação da impetrante no sentido de que o acondicionamento dos bens em depósito, sem a devida manutenção, por tempo indeterminado, poderá resultar, na prática, na sua deterioração, em prejuízo, inclusive, da própria eventual futura reparação do dano ambiental investigado (precedentes). 5. Comprovada nos autos a condição da impetrante de proprietária do conjunto veicular objeto de apreensão, bem assim o desinteresse desse bem para a investigação, na linha da jurisprudência desta Corte, deve ser parcialmente concedida a ordem, para, conferindo efeito suspensivo ao recurso de apelação já interposto na origem, determinar a restituição da posse, à impetrante, do conjunto veicular objeto da impetração – (i) caminhão VOLVO/FH 540, placa FXZ-7J66, ano 2014, cor branca, RENAVAM 01018580155; (ii) reboque SCHIFFER RSC2E, placa NEB-2A24, ano 2014, cor cinza, RENAVAM 01003393044; (iii) reboque SCHIFFER SSC2E, placa NCF2A24, ano 2014, cor cinza, RENAVAM 01003391777; (iv) reboque SCHIFFER SSC2E, placa OHP-2A24, ano 2014, cor cinza, RENAVAM 01003177376 -, mediante a assinatura de termo de fiel depositário, com as consequências legais daí resultantes, mantida a restrição originariamente imposta à respectiva transferência, até que decidida a apelação ou que nova decisão seja tomada pelo relator da causa no âmbito desse recurso (apelação). 6. Liminar revista, ressalvado o entendimento do relator. Ordem de segurança parcialmente concedida, nos termos do voto.
Dessa forma, o Colegiado, acompanhando o voto do relator, concedeu em parte a segurança, restituindo a posse à impetrante, mas mantendo a restrição originária imposta à respectiva transferência, mediante assinatura do termo de fiel depositário, até que seja decidida a apelação ou que nova decisão seja tomada no julgamento da causa no âmbito do recurso.
Processo: 1045114-42.2021.4.01.0000