Por entender que tanto uma Organização não Governamental (ONG) quanto seu presidente podem ser responsabilizados de acordo com os ditames da lei de improbidade administrativa, a 10ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) reformou a sentença da 15ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal (SJDF). Trata-se de ação civil pública movida pela União por ato de improbidade administrativa pela ausência de prestação de contas referente à execução de convênio firmado pela ONG com o Ministério do Turismo (MTur).
De acordo com a denúncia, a entidade sem fins lucrativos recebeu recursos públicos (R$ 243.600,00) do MTur para a realização do projeto “São João de Brasília”, consistente no oferecimento de shows para a comunidade do Distrito Federal.
Na 1ª instância, o Juízo da SJDF julgou extinto o processo sem resolução do mérito por entender que não há legitimidade dos apelados em figurarem no polo passivo da demanda tendo em vista que são particulares e não poderiam, sem a concorrência de um agente público, figurar na ação de improbidade, uma vez que tais atos somente poderiam ser praticados por agentes públicos, com ou sem a participação de terceiros, e que esses poderiam ser responsabilizados, porém na condição de coautores da conduta ilícita.
Inconformadas, a União e o Ministério Público Federal (MPF) recorreram ao Tribunal.
Ao analisar o caso, o relator, juiz federal convocado Marllon Sousa, explicou que toda ONG é instituição privada sem fins lucrativos e deve ter como finalidade atender a serviços de ordem pública. Segundo o magistrado, embora sejam instituições de natureza privada, elas colaboram com o Estado para a consecução de finalidades públicas cujos trabalhos podem ser desenvolvidos tanto por funcionários contratados como por voluntários.
No entendimento do juiz federal convocado, “tanto a ONG que recebeu verbas públicas quanto os seus diretores podem ser responsabilizados de acordo com os ditames da lei de improbidade administrativa, pois são considerados particulares em colaboração com o Estado, ou seja, agentes públicos em sentido lato”.
Com isso, o Colegiado, por unanimidade, deu provimento às apelações para reformar a sentença e conferir a legitimidade dos apelados para figurarem no polo passivo da ação civil pública, determinando que os autos sejam remetidos à 15ª Vara da SJDF para regular prosseguimento do feito.
O recurso ficou assim ementado:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI 8.429/92. CELEBRAÇÃO DE CONVÊNIO. IRREGULARIDADES NA PRESTAÇÃO DE CONTAS. LEGITIMIDADE PASSIVA DE ENTIDADE PRIVADA E SEU PRESIDENTE. AGENTE PÚBLICO POR EQUIPARAÇÃO. PARTICULARES EM COLABORAÇÃO. SERVIÇO PÚBLICO LATO SENSU. APELAÇÕES PROVIDAS. PROSSEGUIMENTO DO FEITO.
1. A Organização Não Governamental é entidade privada. Vale lembrar que toda ONG é instituição privada, sem fins lucrativos e deve ter como finalidade atender a serviços de ordem pública. Embora instituições de natureza privada, elas colaboram com o Estado para a consecução de finalidades públicas, cujos trabalhos podem ser desenvolvidos tanto por funcionários contratados, como por voluntários.
2. No caso em comento, a referida entidade, presidida pelo corréu, recebeu recursos públicos (R$ 243.600,00), através de Convênio firmado com o Ministério do Turismo, para a prestação de serviço, qual seja, realizar o projeto “São João de Brasília”, consistente no oferecimento de shows para a comunidade do Distrito Federal, nos dias 11, 12 e 13 de junho de 2013, no Parque Leão.
3. Os sujeitos ativos dos atos de improbidade administrativa não são somente os servidores públicos civis, mas todos aqueles que estejam abrangidos no conceito de agente público, insculpido no art. 2° da Lei n° 8.429/92.
4. A atuação proba constitui norte para todas as ações praticadas por agentes públicos, assim considerados os agentes políticos, os servidores públicos ou mesmo os particulares em colaboração com o Estado, configurando a violação deste dever subjetivo ato de improbidade, nos termos da Lei 8.429/92.
5. Caracteriza ato de improbidade a falha do agente público no dever de guardar, gerir ou utilizar os bens ou valores recebidos pela Administração Pública, mediante ação praticada contra o interesse público, em proveito próprio ou mesmo de terceiros.
6. Os dirigentes das ONGs e as próprias ONGs, quando administram recursos públicos voltados a certa finalidade, devem ser considerados agentes públicos, na qualidade de particulares em colaboração com o Estado e beneficiários, não estando, assim, imunes ao previsto na Lei de Improbidade Administrativa.
7. Tanto a ONG que recebeu verbas públicas, quanto os seus diretores, podem ser responsabilizados de acordo com os ditames da lei de improbidade administrativa, pois são considerados particulares em colaboração com o Estado, ou seja, agentes públicos em sentido lato.
8. Apelações providas para reformar a sentença e conferir a legitimidade dos apelados para figurarem no polo passivo da Ação Civil Pública, devendo os autos serem remetidos ao Juízo de origem para regular prosseguimento do feito.
Processo: 0086938-27.2014.4.01.3400