Turma afasta capitalização mensal de juros em contrato do FIES

A 5ª Turma do TRF da 1ª Região manteve sentença, do Juízo Federal da 2ª Vara da Subseção Judiciária de Uberaba, que julgou parcialmente procedentes os embargos à ação monitória proposta pela Caixa Econômica Federal para: a) excluir a capitalização mensal de juros existente ao longo de todo o contrato; b) determinar a aplicação da taxa de juros limitada a 9% (nove por cento) ao ano, até a data de 10/03/2010, e, a partir daí, taxa de juros limitada a 3,4% (três vírgula quatro por cento) ao ano e c) determinar a elaboração de nova planilha financeira com os ajustes necessários.

A CEF havia ingressado com ação monitória (ação de cobrança) visando receber de três estudantes o valor de R$ 29.105,48, referente a Contrato de Abertura  de Crédito para Financiamento Estudantil (FIES). Após a expedição do mandado de pagamento, os réus apresentaram embargos monitórios (espécie de defesa), que foram julgados parcialmente procedentes.

Os estudantes, ora parte ré, e a CEF, apelaram da sentença. Alegaram, em síntese, que deveriam ser declaradas nulas as cláusulas contratuais abusivas, que contrariam os direitos básicos do consumidor, principalmente a dos encargos sobre o saldo devedor com aplicação da taxa de 9% ao ano com capitalização mensal, a dos encargos de impontualidade com aplicação de pena convencional (multa) de 10% e a dos honorários advocatícios de 20% sobre o valor da causa.

Aduzem que os juros de mora sobre o crédito educativo não pode ultrapassar o limite de 6% ao ano. Afirmam que a CEF não aceita renegociar a dívida nem dos ativos do crédito educativo transferidos ao FIES nem dos ativos do próprio FIES com o desconto de 90% para pagamento à vista. Argumentaram que a inscrição de seus nomes em cadastros negativos de proteção ao crédito é indevida, uma vez que a dívida ainda está sendo discutida em juízo.

A CEF, por outro lado, assinala que a capitalização de juros com a aplicação da tabela Price é legítima por não representar anatocismo (incidência de juros sobre juros), que a instituição financeira aplica a taxa de juros de 3,4% ao ano a partir de 10/03/2010, em obediência às normas vigentes, e que as cláusulas contratuais não são abusivas. Ao final, pugna pelo provimento da apelação com a reforma integral da sentença.

Decisão – Em seu voto, o relator, desembargador federal Néviton Guedes, asseverou, inicialmente, que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) é uniforme no sentido de que os contratos firmados no âmbito do FIES não se submetem às normas do Código de Defesa do Consumidor – CDC e de que não se admite capitalização de juros convencionados nos contratos de crédito educativo por ausência de previsão legal.

Destacou, o magistrado, que o emprego da taxa efetiva de juros de 9% ao ano possui expressa previsão contratual e fundamento no art. 5º, II, da Lei nº 10.260/2001 e art. 6º da Resolução nº 2.647/99 do Conselho Monetário Nacional – CMN.  O patamar de juros, entretanto, foi reduzido pelo Banco Central, passando para 3,4% ao ano, sem qualquer capitalização, mensal ou anual, aplicando-se ao saldo devedor dos contratos já formalizados e não quitados até 10/03/2010.

Ressaltou o desembargador que a utilização da tabela Price, de acordo com o entendimento do TRF1, não implica em capitalização mensal de juros, “pois constitui mera fórmula matemática que não se destina a incorporar juros não liquidados ao saldo devedor”.

Salientou, o relator, que é abusiva a cláusula contratual que prevê a possibilidade de a CEF bloquear saldo de quaisquer contas em nome dos devedores em hipótese de inadimplência e que não é permitida a aplicação da multa de 10% sobre o montante do débito em procedimento de cobrança, prevendo o contrato apenas a incidência de multa de 2% na ocorrência de atraso no pagamento das prestações e a cobrança de honorários advocatícios em 20% sobre o valor da dívida em caso de execução ou outro procedimento judicial.

No tocante à renegociação da dívida, o magistrado assinalou que a Lei nº 10.846/2004 possibilitou que os saldos devedores dos contratos formalizados até 12/11/2003 fossem renegociados com desconto de 90%; não sendo possível tal renegociação na questão dos autos por falta de amparo legal, esclarecendo, no entanto, que a instituição financeira pode ou não aceitar proposta de renegociação, segundo seu juízo de conveniência e de oportunidade.

Sobre a inscrição do nome do devedor em cadastros de proteção ao crédito, o desembargador evidenciou que “é uma consequência da inadimplência e, na linha de entendimento da jurisprudência do STJ, somente a prestação de caução idônea poderia afastar os efeitos da mora”.

O recurso ficou assim ementado:

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO MONITÓRIA. CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO DE FINANCIAMENTO ESTUDANTIL (FIES). INAPLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. VEDAÇÃO DA CAPITALIZAÇÃO MENSAL DOS JUROS. REDUÇÃO DA TAXA EFETIVA DE JUROS. POSSIBILIDADE. ADOÇÃO DA TABELA PRICE. LICITUDE. 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é assente no sentido de que os contratos firmados no âmbito do Programa de Financiamento Estudantil – FIES não se subsumem às regras encartadas no Código de Defesa do Consumidor. 2. No julgamento do REsp nº 1.155.684/RN, submetido ao rito dos recursos repetitivos (CPC, art. 543-C), o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de que não se admite capitalização de juros convencionados nos contratos de crédito educativo, por ausência de autorização expressa por norma específica (Súmula 121 do STF). 3. Com a edição da Medida Provisória nº 517, de 30/12/2010, posteriormente convertida na Lei nº 12.431/2011, foi alterada a redação do art. 5º, II, da Lei nº 10.260/2001, norma específica do FIES, autorizando a cobrança de juros capitalizados mensalmente nos contratos de financiamento estudantil, devidamente pactuada, desde que celebrados a partir dessa data, não sendo este o caso dos autos. 4. O emprego da taxa efetiva de juros de 9% (nove por cento) ao ano possui expressa previsão contratual e fundamento no art. 5º, inciso II, da Lei 10.260/2001 e art. 6º da Resolução Conselho Monetário Nacional – CMN nº 2.647/99 (AC 0003102-71.2006.4.01.3810/MG, Quinta Turma, Rel. Desembargador Federal Néviton Guedes, e-DJF1 p.303 de 18/12/2014). 5. O patamar de juros foi reduzido pelo Banco Central, passando para 3,4% (três vírgula quatro por cento), sem qualquer capitalização, quer mensal, quer anual, e aplicando-se ao saldo devedor dos contratos já formalizados, consoante a Resolução nº 3.842, de 10 de março de 2010 do CMN. 6. Não havendo o esgotamento da dívida até o ano de 2010, deverá ser reduzida a taxa de juros, de 9% para 3,4%, somente sobre o saldo devedor a partir de 10.03.2010, consoante o estabelecido na Lei 12.202/2010, que alterou o disposto no art. 5º da Lei 10.260/2001 quanto à redução dos juros no saldo devedor estabelecidos na Resolução nº 3.842, de 10 de março de 2010 do CMN. Precedentes: AC 0001036-04.2009.4.01.3814/MG, Quinta Turma, Rel. Desembargador Federal João Batista Moreira, e-DJF1 p.321 de 10/01/2014 e AC 0018990-87.2008.4.01.3300/BA, Sexta Turma, Rel. Desembargador Federal Jirair Aram Meguerian, e-DJF1 p.1189 de 29/10/2013. 7. É firme o entendimento desta Corte de que a utilização da Tabela Price não implica capitalização mensal de juros, pois constitui mera fórmula matemática que não se destina a incorporar juros não liquidados ao saldo devedor (AC 0008064-25.2010.4.01.3802/MG, Sexta Turma, Rel. Desembargador Federal Daniel Paes Ribeiro, 28/08/2015 e-DJF1 P. 1418). 8. A Jurisprudência desta Corte está orientada no sentido de que é abusiva cláusula contratual que prevê, em caso de inadimplência, a possibilidade de a CEF bloquear saldo de qualquer conta em nome do devedor mantida em qualquer de suas agências, contra sua vontade e sem o devido processo legal, por constituir exercício arbitrário das próprias razões (AC 2006.38.13.009589-1/MG, Sexta Turma, Rel. Juíza Federal Daniele Maranhão Costa (Conv.), 23/02/2015 e-DJF1 P. 463). 9. Incabível a aplicação da multa de 10% (dez por cento) sobre o montante do débito, em caso de utilização de procedimento judicial ou extrajudicial para cobrança das frações de juros. Prevendo o contrato a incidência de multa de 2% (dois por cento) no caso de mora no cumprimento da prestação, a aplicação de nova multa, pelo mesmo fato, implicaria dupla penalização (AC 2008.39.00.007353-0/PA, Quinta Turma, Rel. Desembargador Federal João Batista Moreira, 14/01/2014 e-DJF1 P. 622). 10. Também é abusiva a estipulação contratual que estabelece o pagamento, pela devedora, de honorários advocatícios de 20% (vinte por cento) sobre o valor da dívida em caso de execução ou qualquer outro procedimento judicial. A cláusula não encontra respaldo legal e cria a possibilidade de o devedor pagar em duplicidade honorários advocatícios à parte credora, caso esta venha a ter êxito judicial (AC 2009.33.08.000153-0/BA, Sexta Turma, Rel. Des. Federal Kassio Nunes Marques, 08/09/2015 e-DJF1 P. 1073). 11. A Lei 10.846/2004 possibilitou que os saldos devedores dos contratos do Programa de Crédito Educativo – Creduc (extinto pela MP 1.827/1999), cujos aditamentos ocorreram após 31 de maio de 1999, fossem renegociados com desconto de até 90% (noventa por cento). 12. Tendo sido o contrato de financiamento estudantil assinado em data posterior à prevista na citada norma (12/11/2003), não é possível sua aplicação no caso dos autos, por ausência de previsão legal. 13. De acordo com o que dispõe o art. 2°, § 5°, da Lei 10.260/2001, o refinanciamento de débito decorrente de contrato de crédito educativo tem caráter discricionário, ou seja, a instituição financeira pode aceitar ou não proposta de renegociação segundo seu juízo de conveniência e oportunidade, desde que respeitadas as condições previstas nos incisos I e II do mencionado dispositivo legal (REsp 949.955/SC, Rel. Ministro José Delgado, Primeira Turma, julgado em 27/11/2007, DJ 10/12/2007, p. 339). 14. A inscrição do nome no cadastro restritivo de proteção ao crédito é uma consequência da inadimplência e, na linha de entendimento da jurisprudência do STJ, somente a prestação de caução idônea poderia afastar os efeitos da mora (AgRg nos EDcl no Ag 684185/RS, Terceira Turma, Rel. Ministro Sidnei Beneti, DJe 03/10/2008). 15. Apelações a que nega provimento.

Por unanimidade, o Colegiado acompanhou o voto do relator, mantendo integralmente a sentença recorrida.

Processo nº:

2010.38.02.000081-2

0000181-27.2010.4.01.3802

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