A comissão, criada há quase 30 anos, se incorporou às relações jurídicas entre empresa e empregados.
A Seção Especializada em Dissídios Coletivos (SDC) do Tribunal Superior do Trabalho rejeitou recurso da Driveway Indústria Brasileira de Auto Peças Ltda., de São Paulo (SP), contra decisão que considerou ilícita a extinção da comissão de representantes de empregados, de forma unilateral, pela empresa. Para a maioria do colegiado, o direito à existência da comissão, criada há mais de 28 anos, se incorporou às relações jurídicas entre a empresa e seus empregados como condição mais favorável.
Redução
A comissão de representantes da Driveway foi criada em 1992, com regulamento próprio, com a função, entre outras, de conduzir as negociações coletivas. Em 2020, em meio às discussões sobre a participação nos lucros e resultados, a Driveway anunciou que não seriam convocadas eleições para a nova composição da comissão. O argumento foi o de que a Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017) prevê a possibilidade de criação de comissão de representação apenas para as empresas com mais de 200 empregados, o que não era mais o seu caso, pois contava com apenas 160.
Usos e costumes
No dissídio coletivo instaurado pela empresa visando, entre outros pontos, à formalização da extinção da comissão, o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de São Paulo e Mogi das Cruzes sustentou que a Reforma Trabalhista não teria poder para afetar as relações jurídicas anteriores à sua promulgação. Segundo o sindicato, a comissão vinha sendo anualmente instalada há quase 30 anos e faz parte dos usos e costumes praticados pela empresa.
Práticas democráticas
O Tribunal Regional do Trabalho julgou o dissídio improcedente, levando a Driveway a recorrer ao TST.
Prevaleceu, no julgamento, o voto do ministro Mauricio Godinho Delgado, que assinalou que a comissão existe desde 1992, “sem qualquer vinculação a um número mínimo de empregados”, e estava prevista em regulamento da empresa. Ressaltou, ainda, a importância de reforçar práticas democráticas complementares no âmbito das empresas, “por meio da pluralidade de atores e da ampliação da representação coletiva dos empregados”.
Condição mais favorável
Na avaliação do ministro, no caso da Driveway, o direito à existência da comissão incorporou-se às relações jurídicas como condição mais favorável, “independentemente do critério quantitativo fixado na lei”. Um dos pontos destacados foi que, conforme o regulamento empresarial, eventuais revisões das condições de existência da comissão devem ser precedidas de negociação coletiva.
Ainda para o ministro, a vantagem não poderia ser retirada de forma unilateral do patrimônio jurídico dos trabalhadores, “sob pena de desrespeito aos princípios da inalterabilidade contratual lesiva, da incorporação da norma mais favorável, da lealdade e da transparência nas relações coletivas de trabalho”.
Ficaram vencidos os ministros Ives Gandra (relator) e Emmanoel Pereira e a ministra Maria Cristina Peduzzi, que votaram pelo provimento do recurso para declarar extinta a comissão enquanto perdurar a situação empresarial de possuir menos de 200 empregados.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO ORDINÁRIO EM DISSÍDIO COLETIVO DE GREVE. 1. A) NÃO ABUSIVIDADE DO MOVIMENTO PAREDISTA. B) DESCONTO DOS DIAS PARADOS: GREVE COMO FATOR DE SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO, AO INVÉS DE INTERRUPÇÃO. C) GARANTIAS NORMATIVAS: INEXISTÊNCIA DE DIREITO À ESTABILIDADE PROVISÓRIA DE 90 DIAS, MAS APENAS ÀQUELAS GARANTIAS SEDIMENTADAS NO PRECEDENTE 82 DA SDC DO TST. O Tribunal Superior do Trabalho tem como uma de suas funções precípuas a uniformização do Direito do Trabalho, individual e coletivo, e do Direito Processual do Trabalho, na República e na Federação. Nesse quadro, uma das insurgências trazidas no presente recurso ordinário empresarial esbarra nos fatos apontados pelo TRT em sua sentença normativa e também na ordem jurídica aplicável, em conformidade com a jurisprudência específica pacificada na Seção de Dissídios Coletivos do TST. Assim, no tocante ao tema da abusividade da greve deflagrada , não tem razão a empresa recorrente em seu recurso. É que os pleitos brandidos pelos trabalhadores, por meio de sua entidade sindical, mostram-se razoáveis, ao invés de abusivos, consistindo também em matéria própria à negociação coletiva trabalhista. Ademais, o ritual estabelecido pela Lei de Greve para os movimentos paredistas foi razoavelmente cumprido pela entidade sindical e respectivos trabalhadores representados. Nada a prover, neste tópico, portanto. Entretanto, com relação ao desconto dos dias parados , a Lei de Greve estabelece, expressamente (art. 7º), que os movimentos grevistas suspendem (ao invés de interromperem) os contratos de trabalho dos participantes da greve. A jurisprudência da SDC/TST tem atenuado o rigor legal em alguns casos pontuais como, por exemplo, os que envolvem descumprimento salarial pelo empregador ou os que tratam de greves ambientais em vista de situações que coloquem os trabalhadores em risco à saúde e segurança. Não abrangendo o presente processo qualquer dessas exceções acolhidas pela jurisprudência, confere-se efetividade ao art. 7º da Lei de Greve, provendo-se o recurso ordinário da empresa. Por fim, no que tange à estabilidade provisória fixada pelo TRT , ela vai de encontro à jurisprudência pacificada da SDC do Tribunal Superior do Trabalho, que garante aos obreiros apenas as proteções especiais mencionadas em seu Precedente Normativo 82. Desse modo, confere-se provimento ao apelo, neste tópico, para adequar a regra mais ampla instituída pela sentença normativa recorrida ao disposto no PN 82 do TST. Provimento parcial ao recurso ordinário da empresa.
2. COMISSÃO DE FÁBRICA PREVISTA EM REGULAMENTO INTERNO DA EMPRESA HÁ MAIS DE 20 ANOS. EXTINÇÃO DA COMISSÃO POR ATO UNILATERAL DA EMPRESA. INVALIDADE. A Constituição assegura o direito à representação obreira intraempresarial (art. 11, CF), não somente enquanto expressão do direito fundamental à liberdade de associação, como também na qualidade de expressão de seu próprio conceito de Estado Democrático de Direito, que concebe a necessidade de a sociedade civil ser também democrática e inclusiva. Na esteira do avanço trazido pela promulgação da Constituição de 1988 – e de sua autorização amplificadora de direitos e garantias individuais, sociais e coletivos trabalhistas -, o Brasil ratificou, logo a seguir, a Convenção 135 da OIT, denominada de ” Convenção Relativa aos Representantes dos Trabalhadores “. A Convenção 135 acentua, entre outros aspectos, a importância de serem adotadas disposições complementares ao direito de organização e negociação coletiva – disposições também direcionadas à representação coletiva dos trabalhadores. A finalidade da Convenção n. 135 da OIT, portanto, é a de reforçar práticas democráticas complementares (ao invés de práticas excludentes, é claro) no âmbito das empresas e de seus estabelecimentos, por meio da pluralidade de atores e da ampliação da representação coletiva obreira, seja ela vinculada aos sindicatos ou a outros tipos de representantes eleitos. A Lei da Reforma Trabalhista disciplina essa modalidade de representação coletiva dos empregados na empresa (comissão de fábrica), por meio da inserção de novo Título na CLT: o Título VI-A – Da Representação dos Empregados -, composto pelos arts. 510-A até 510-D. Por meio dela se instituiu a figura comissão de representação dos empregados, no interior das empresas “com mais de duzentos empregados”, visando à ” finalidade de promover-lhes o entendimento direto com os empregadores ” ( caput do novo art. 510-A da CLT). Embora exista, na legislação heterônoma estatal, um claro condicionamento para a instituição cogente da comissão de representação nas empresas, dado por um número mínimo de empregados, é evidente que a Constituição da Republica autoriza às normas legais ordinárias, às normas internacionais ratificadas, à própria negociação coletiva trabalhista e até mesmo aos regulamentos internos empresariais que criem regras jurídicas mais favoráveis do que a fixada no art. 11 da CF/88 e a do art. 510-A da CLT. É o que se depreende do sentido o princípio da norma mais favorável, que foi claramente incorporado pelo caput do art. 7º da Constituição: ” São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (…) “. Na situação dos autos , a existência da comissão de representação dos trabalhadores é prevista em regulamento da Empresa Suscitante há quase 30 anos (desde 1992), sem qualquer vinculação a um número mínimo de empregados e com nítido intuito continuativo. Depreende-se, inclusive, que o regulamento empresarial estabelece que eventuais revisões das condições de existência da comissão sejam precedidas de negociação coletiva (art. 16). Nada obstante, no ano de 2020, a Empresa chegou a extingui-la, sob o fundamento de que a redução do quadro de funcionários para menos de 200 afastaria a obrigatoriedade de sua manutenção. Com efeito, o art. 510-A da CLT dispõe ser assegurada a eleição da comissão de representação apenas nas empresas com mais de duzentos empregados. Ocorre que, na situação vertente, o direito à existência da comissão incorporou-se às relações jurídicas como condição mais favorável, independentemente do critério quantitativo fixado na Lei. E, por se tratar de vantagem de natureza coletiva, prevista em regulamento empresarial, não poderia ser extirpada unilateralmente do patrimônio jurídico dos trabalhadores, sob pena de desrespeito aos princípios da inalterabilidade contratual lesiva, da incorporação da norma mais favorável, bem como o da lealdade e transparência nas relações coletivas de trabalho. Nesse contexto, deve ser mantida a decisão do TRT, que considerou ilícita a extinção unilateral pela Empresa da comissão de representação. Recurso ordinário desprovido neste aspecto .
Processo: ROT-1002264-93.2020.5.02.0000