A 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) confirmou, por unanimidade, decisão do 1ª Grau, que concedeu a uma estudante o direito de se matricular no curso de Licenciatura em História da Universidade Federal do Pará (UFPA), nas vagas destinadas aos alunos de baixa renda e proveniente da rede pública de ensino.
Em apelação ao tribunal, a Universidade federal alegou que a aluna, no momento da matrícula, deixou de apresentar documentos referentes à inscrição no Programa Bolsa Família, razão pela qual foi impedida de matricular-se. Defendeu em seguida ser a Administração Pública¿¿ subordinada ao princípio da legalidade e, ao indeferir a matrícula, agiu em conformidade com a Lei nº 12.711/2012 e a Portaria nº 18/2012 do Ministério da Educação (MEC).
O Colegiado, por sua vez, na relatoria do desembargador federal Carlos Augusto Pires Brandão, entendeu que o fundamento da Lei nº 12.711/2012 art. 1º e parágrafo único, estabelecem que as instituições federais de educação superiores vinculadas ao MEC deverão reservar, em cada concurso seletivo para ingresso nos cursos de graduação, no mínimo 50% de suas vagas para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas, sendo que metade das referidas vagas deverão ser destinadas aos estudantes oriundos de famílias com renda igual ou inferior a 1,5 salário-mínimo.
Brandão ponderou ter nos autos documentos probatórios de que a estudante optante pelo programa de cotas preencheu todos os requisitos necessários para enquadrar-se como aluna hipossuficiente proveniente de escola pública. Desse modo, “não se mostra razoável e proporcional excluir a aluna, em evidente situação de hipossuficiência, do sistema de cotas e, por consequência, sua possibilidade de ingressar no ensino público superior, tão somente por não estar inscrita no Programa Bolsa Família”.
Segundo o desembargador, a decisão liminar que garantiu a matrícula da impetrante foi proferida há mais de seis anos, o que atrai a aplicação do princípio do fato consumado, portando “considerando que o decurso do tempo consolidou uma situação fática, amparada por decisão judicial, sendo desaconselhável a sua desconstituição”, ponderou.
O recurso ficou assim ementado:
ADMINISTRATIVO. MATRÍCULA. ENSINO SUPERIOR. UNIVERSIDADE FEDERAL. SISTEMA DE COTAS. LEI Nº 12.711/2012. ALUNOS EGRESSOS DO ENSINO MÉDIO PÚBLICO E HIPOSSUFICIENTES. COMPROVAÇÃO. LIMITE LEGAL DE 1,5 SALÁRIO MÍNIMO PER CAPITA NOS TRÊS MESES ANTECESSORES À INSCRIÇÃO. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. INSCRIÇÃO NO CADÚNICO. HIPOSSUFICIÊNCIA RECONHECIDA. ADEQUAÇÃO DO CANDIDATO AO PERFIL SOCIOECONÔMICO EXIGIDO.
1. Trata-se de apelação em face da sentença que concedeu a segurança pleiteada, determinando a matrícula da impetrante do curso de Licenciatura em História da Universidade Federal do Pará – UFPA, tendo sido selecionada nas vagas destinadas aos alunos da rede pública de ensino e de baixa renda.
2. No caso em apreço, a IES indeferiu a habilitação da impetrante pelo fato de não constar informações referentes a inscrição no Programa Bolsa Família. Embora a impetrante tenha logrado comprovar ter estudado em escola pública, estar cadastrada no rol do Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal – CadÚnico, a Universidade desconsiderou todos os documentos apresentados pela estudante, que indicavam de fato, se tratar de família de baixa renda.
3. A Lei nº 12.711/2012, em seu art. 1º e parágrafo único, estabelece que as instituições federais de educação superior vinculadas ao Ministério da Educação deverão reservar, em cada concurso seletivo para ingresso nos cursos de graduação, por curso e turno, no mínimo 50% (cinquenta por cento) de suas vagas para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas, sendo que metade das referidas vagas deverão ser destinadas aos estudantes oriundos de famílias com renda igual ou inferior a 1,5 salário-mínimo (um salário-mínimo e meio) per capita.
4. O Ministério da Educação expediu a Portaria Normativa nº 18, de 11.10.2012, na qual definiu a forma de cálculo da renda familiar bruta mensal per capita, bem como as verbas que são incluídas e as que são excluídas da conta. Segundo o art. 7º, § 2º, da Portaria em comento, estão excluídos do cálculo, além das verbas decorrentes de programas sociais, os valores percebidos a título de: a) auxílios para alimentação e transporte; b) diárias e reembolsos de despesas; c) adiantamentos e antecipações; d) estornos e compensações referentes a períodos anteriores; e) indenizações decorrentes de contratos de seguros; e f) indenizações por danos materiais e morais por força de decisão judicial.
5. Verifica-se, portanto, que a aferição da renda familiar per capita do estudante cotista obedece a um critério eminentemente objetivo, que leva em conta a soma dos rendimentos brutos mensais percebidos por todos os integrantes da família. É justamente esse quantum que é objeto de procedimento investigativo na fase da comprovação de que o aluno optante pelo programa de cotas preenche todos os requisitos necessários para enquadrar-se como aluno hipossuficientes proveniente de escola pública.
6. Por sua vez, a inscrição no CadÚnico é condicionada à comprovação de se tratar de família de baixa renda, cuja definição, conforme o Decreto n. 6.135/2007, é aquela com renda familiar per capita de até meio salário mínimo ou a que possua renda familiar mensal de até três salários mínimos, não sendo esses requisitos excludentes entre si.
7. Não se mostra razoável e proporcional excluir a aluna, em evidente situação de hipossuficiência, do sistema de cotas e, por consequência, sua possibilidade de ingressar no ensino público superior, tão somente por não estar inscrita no Programa Bolsa Família.
8. Noutro ponto, a decisão liminar que deferiu a matrícula da impetrante na UFPA foi proferida em 25/08/2014, ou seja, há mais de seis anos, de modo a atrair a aplicação do princípio do fato consumado, considerando que o decurso do tempo consolidou uma situação fática, amparada por decisão judicial, sendo desaconselhável a sua desconstituição.
9. Por fim, “a tutela jurisdicional buscada nestes autos encontra-se em sintonia com o exercício do direito constitucional à educação (CF, art. 205) e com a expectativa de futuro retorno intelectual em proveito da nação, que há de prevalecer sobre formalismos eventualmente inibidores e desestimuladores do potencial científico daí decorrente” (AMS 0000861-57.2015.4.01.3310, DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE, TRF1 – QUINTA TURMA, e-DJF1 11/10/2016).
10. Apelação e remessa oficial desprovidas.
Assim, os desembargadores concluíram que a estudante faz jus à referida vaga do programa de cotas e mantiveram a sentença, por unanimidade.
Processo 0025156-71.2014.4.01.3900