O fornecimento da medicação Ibrutinibe, necessária ao tratamento quimioterápico de uma paciente pernambucana de 85 anos, portadora de leucemia linfocítica crônica (LLC), uma doença oncológica grave e potencialmente fatal, foi assegurado pela Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5), em decisão unânime.
O Estado de Pernambuco recorreu ao TRF5 – por meio de um agravo de instrumento – para tentar reverter a decisão da 21ª Vara da Justiça Federal no estado, que havia deferido o pedido de urgência e determinado o fornecimento da medicação à paciente, de forma imediata, gratuita e por tempo indeterminado.
A paciente chegou a fazer tratamento com o Clorambucil, oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS), mas apresentou reação alérgica ao medicamento. A outra opção disponível na rede pública seria FCR, uma quimioterapia de intensidade muito forte, que comprometeria a condição clínica da idosa. Diante da progressão e agravamento da doença, houve prescrição médica para o uso de Ibrutinibe, que não faz parte da relação de fármacos fornecidos pela rede pública.
Ao fundamentar sua decisão, o desembargador federal convocado Bruno Carrá, relator do processo, explicou que existe uma grande quantidade de ações judiciais em que se requer que o Estado financie medicamentos ou tratamentos normalmente não oferecidos pelo SUS. Por isso, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu critérios para identificar os casos em que, efetivamente, o Poder Público deveria assumir esse custeio.
Havendo alternativa de tratamento no SUS, a demanda judicial só poderá ser atendida se for “comprovada a ineficácia ou a impropriedade da política de saúde existente”. Além disso, como regra, o Poder Público não pode ser judicialmente obrigado a fornecer medicamento sem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) nem a oferecer tratamento puramente experimental, sem comprovação científica de sua eficácia, ainda que não exista alternativa no SUS.
O STJ também determinou a necessidade de laudo médico que comprove a efetiva necessidade e eficácia do medicamento solicitado para o tratamento da doença, bem como a ineficácia dos fármacos disponibilizados pelo SUS. É preciso, ainda, que se comprove a incapacidade financeira do paciente de arcar com o custo do medicamento prescrito.
No caso concreto, a Quarta Turma do TRF5 entendeu que os requisitos para deferimento do pedido de fornecimento do Ibrutinibe foram preenchidos. O fármaco está devidamente registrado na Anvisa, o relatório médico aponta que os fármacos disponíveis no SUS (Clorambucil e FCR) não podem ser usados no tratamento, e a paciente não dispõe de recursos para custear o medicamento.
Além disso, nota técnica Farmacêutica formulada pelo NAT-JUS/PE – serviço de apoio técnico na área de saúde, oferecido por meio de parceria entre o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Ministério da Saúde – conclui que “com as evidências disponíveis até a presente data conclui-se que há evidência de efetividade do tratamento com Ibrutinibe para pacientes que apresentam Leucemia linfocítica crônica que receberam no mínimo um tratamento anterior (caso da autora)”.
O recurso ficou assim ementado:
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. LEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO, DO ESTADO E DO MUNICÍPIO. TRATAMENTO MÉDICO. DIREITO À VIDA E À SAÚDE. ART. 196 DA CF/88. INQUESTIONÁVEL DEVER DO ESTADO. LEUCEMIA LINFOCÍTICA CRÔNICA (CID 10 C 91.1). IBRUTINIBE 140MG (IMBRUVICA). MEDICAMENTO NÃO INCORPORADO AOS ATOS NORMATIVOS DO SUS. TESE FIXADA PELO STJ NO RESP 1.657.156-RJ. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS. DEVER DE FORNECER O MEDICAMENTO CONFIGURADO. RESSARCIMENTO AO ENTE QUE SUPORTOU AS DESPESAS. GARANTIDO. EXERCÍCIO DA PRETENSÃO NA VIA ADMINISTRATIVA OU EM AÇÃO PRÓPRIA. FIXAÇÃO DE MULTA DIÁRIA. POSSIBILIDADE. AGRAVO DE INSTRUMENTO DO ESTADO DE PERNAMBUCO IMPROVIDO.
1. Agravo de instrumento interposto contra decisão que, nos autos da ação ordinária de origem, deferiu o pedido de urgência para determinar aos réus que forneçam, de forma imediata, gratuita e por tempo indeterminado, à parte autora RITA FERNANDES DE LIMA, a medicação IMBRUVICA 140mg (IBRUTINIBE), conforme prescrito no laudo médico acostado aos autos.
2. É obrigação do Estado, no sentido genérico (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), assegurar às pessoas desprovidas de recursos financeiros o acesso à medicação e tratamentos necessários para a cura de suas mazelas, em especial, as mais graves, como acontece no caso em tela. Sendo o SUS composto pela União, Estados e Municípios, impõe-se a estes entes a efetivação do tratamento.
3. Em se tratando de obrigação do poder público de fornecimento de medicamento não incorporado em atos normativos do SUS, devem ser observados os requisitos fixados pelo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp nº 1.657.156-RJ, submetido ao rito dos recursos repetitivos (tema 106), cujo preenchimento se vislumbra, a partir dos elementos de prova por ora constantes do processo, que indicam a eficácia do fármaco no aumento de sobrevida global e a inexistência de substituto terapêutico.
4. No caso, a autora, ora agravada, 85 anos, é portadora de Leucemia Linfocítica Crônica (LLC – CID 91.1), doença grave e potencialmente fatal. Realizou diversos tratamentos poliquimioterápicos, porém, sem sucesso importante, com progressão e agravamento da doença desde 2015, conforme relatório da médica assistente, Dra. Manoela Hazin, CRM/PE 13.113, que prescreveu tratamento com uso da medicação IBRUTINIBE (IMBRUVICA®), medicamento antineoplásico que age diretamente nas células neoplásicas, inibindo a proliferação e diminuindo a sobrevida das células B malignas (inibidor da tirosina quinase de Bruton – BTK) (Id. 17294659 – autos origem); na dose de 420mg ao dia por tempo indeterminado.
5. Consta do relatório médico acostado aos autos que a autora “já fez uso de clorambucil, porém apresentou reação alérgica a este medicamento. A outra alternativa existente fornecida pelo SUS seria FCR que se caracteriza por ser uma quimioterapia de intensidade muito forte, o que comprometeria o status clínico dessa paciente, sendo um medicamento possível de tratamento o ibrutinibe”.
6. A Nota Técnica Farmacêutica nº 087/2021 confeccionada pelo NAT-JUS/PE (id. nº 4058300.17960952) conclui que “com as evidências dísponiveis ate a presente data conclui-se que ha evidência de efetividade do tratamento com IBRUTINIBE para pacientes que apresentam Leucemia linfocítica cronica que receberam no mínimo um tratamento anterior (caso da autora)”.
7. Observa-se, ainda, que a bula do medicamento (https://consultas.anvisa.gov.br/#/bulario/q/?nomeProduto=Imbruvica) prevê sua indicação para o tratamento de Leucemia linfocítica crônica, o que se alinha com o diagnóstico da agravada.
8. Nessa toada, encontrando-se o medicamento em questão devidamente registrado na ANVISA e existindo nos autos relatório médico recomendando o uso do aludido fármaco, penso, a menos neste exame precário, típico das tutelas de urgência, que deva ser mantida a decisão agravada, para garantir à paciente o medicamento em discussão na forma como prescrita pelos profissionais que a assistem, não se verificando o fumus boni iuris necessário ao deferimento da tutela recursal liminar requestada.
9. No julgamento do RE 855.178/SE (Tema 793), fixou-se a tese de que “Os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde, e diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro”. Assim, deve o Juízo a quo observar a repartição de competências do SUS quando do cumprimento da obrigação determinada.
10. Garantido o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro. Contudo, as medidas nesse sentido devem ser adotadas na via administrativa ou ainda através de ação própria, pois, além de serem devedores solidários da obrigação de fornecer tratamento de saúde, a matéria é estranha à lide em que garantida a prestação de saúde em favor do particular, delimitada pelos pedidos contidos na peça inicial.
11. Quanto à cominação de multa diária é plenamente cabível a imposição de astreintes em face do poder público, a fim de garantir a satisfação da tutela específica, mormente em se tratando de fornecimento de medicamentos. Na hipótese, a fixação da multa no importe de R$ 200,00 (duzentos reais) ao dia, é razoável, bem como o prazo de 15 (quinze) dias úteis concedido para seu cumprimento é tempo suficiente para a tomada de providências administrativas voltadas à sua aquisição.
12. Agravo de instrumento do Estado de Pernambuco a que se nega provimento.
Processo nº 0804717-11.2021.4.05.0000