O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) fixou prazo de dois anos e meio para que a Fundação Nacional do Índio (Funai) finalize o procedimento administrativo de demarcação das terras indígenas de possível ocupação tradicional Kaingang, em Carazinho (RS). A decisão, tomada pela 3ª Turma no início de setembro, foi unânime.
O acórdão delimitou ainda mais um ano para que seja estabelecida a reserva indígena, caso comprovado o direito, levando em conta os custos orçamentários. “Escolhas devem ser feitas diante da realidade orçamentária e dos custos envolvidos na constituição de uma reserva indígena, em especial no que se refere às possíveis desapropriações eventualmente necessárias e localização dos eventuais ocupantes ou proprietários, em geral pequenos agricultores, que obviamente não poderão ficar desamparados e desalojados das áreas que ocupam de forma mais que trintenária em muitas situações”, ressaltou a relatora, desembargadora federal Marga Inge Barth Tessler.
O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou a ação civil pública em 2016, buscando solução para 25 famílias indígenas acampadas desde 2004 às margens da Rodovia BR-386, próximo ao trevo de acesso à cidade de Carazinho. O grupo alega ter direito à área, demonstrando com informações retiradas de livros e jornais a histórica ocupação Kaingang no município.
Conforme o MPF, a Funai constituiu um grupo técnico para estudo antropológico em 2010, mas não produziu qualquer ato para iniciar o procedimento demarcatório. “A autarquia demorou cinco anos para constituir grupo técnico a fim de dar início aos estudos e há pelo menos oito anos a questão se encontra pendente. Assim, impõe-se admitir a mora administrativa no caso concreto, com ressalvas, pois se reconhece o esforço que demanda o trabalho de identificar e estudar o pleito de 23 procedimentos da espécie no Rio Grande do Sul”, escreveu a desembargadora em seu voto.
O caso veio para o tribunal após a 1ª Vara Federal de Carazinho estipular prazo de seis meses para o fim do procedimento demarcatório. União e Funai recorreram alegando necessidade de prazo maior. O MPF também recorreu pedindo indenização por danos morais coletivos devido à demora, o que foi negado pela turma sob o entendimento de que não houve violação de direito de maneira injusta e intolerável que justifiquem o pedido.
O recurso ficou assim ementado:
IDENTIFICAÇÃO E DELIMITAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS. DEMORA NA CONCLUSÃO DO PROCEDIMENTO. LEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO. IMPOSIÇÃO DE PRAZO PARA FINALIZAÇÃO. VIABILIDADE. DANOS MORAIS COLETIVOS. INDENIZAÇÃO. DESCABIMENTO.
1. A União possui legitimidade passiva em causas como a presente, na medida em que, por força de mandamento constitucional, as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios lhe pertencem (art. 20, XI), competindo-lhe demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens (art. 231, caput).
2. Não obstante as limitações orçamentárias e de pessoal enfrentadas pela FUNAI, bem como a complexidade do procedimento demarcatório, a demora no seu andamento impõe que se fixe um prazo para a sua conclusão, sendo cabível a intervenção do Judiciário com base no sistema de freios e contrapesos, não havendo falar em ofensa ao princípio da separação dos poderes.
3. Apesar da mora administrativa, não há falar em violação de direito de maneira injusta e intolerável a ensejar a condenação por danos morais coletivos.