Acórdão impõe indenização por dano ambiental a ser revertida em favor do Fundo de Reparações de Interesses Difusos Lesados
A Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) confirmou, parcialmente, sentença da 1ª Vara Federal de Santos/SP que condenou a Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp), o Terminal Marítimo do Guarujá (Termag) e empresas a pagarem indenização material e moral por danos ambientais causados pelo vazamento de enxofre durante o descarregamento de carga de um navio no Porto de Santos, em 2007.
De acordo com a decisão, os valores devem ser revertidos em favor do Fundo de Reparações de Interesses Difusos Lesados. O julgado também determinou à Codesp e ao Termag adotarem e exigirem dos operadores portuários providências necessárias para garantir o descarregamento seguro de enxofre no Porto de Santos.
A Ação Civil Pública (ACP) foi proposta pelo Ministério Público Federal (MPF), após tomar conhecimento que moradores do bairro da Ponta da Praia apresentavam dores de cabeça e de garganta, tosse, irritação nos olhos, respiração ofegante e crises alérgicas, causados pelo cheiro do enxofre descarregado no Termag.
Em primeiro grau, a Justiça Federal em Santos havia acatado os argumentos do MPF, condenando de forma solidária os réus ao pagamento de indenizações e determinando a adoção de medidas para garantir o descarregamento seguro do produto no Porto de Santos.
Após a decisão, os réus ingressaram com recursos no TRF3.
Ao analisar os pedidos, o relator do processo, desembargador federal André Nabarrete, rejeitou os argumentos de nulidades da sentença.
“A responsabilidade civil por dano ambiental é objetiva, razão pela qual o agente poluidor fica obrigado a reparar ou indenizar o dano causado, independentemente da existência de culpa ou dolo”, explicou.
Para o magistrado, restou demonstrado que a carga de enxofre sólido havia sido acondicionada de forma inadequada e encontrava-se molhada nos porões do navio. Isso teria acarretado uma reação com as bactérias e gerado a liberação de gás sulfídrico para a atmosfera.
A propagação do gás provocou diversos efeitos à população, como a irritação nos olhos e no sistema respiratório, cefaleia, náusea, vômito e até a morte de um estivador.
“O conjunto probatório é suficiente para esclarecimento dos fatos e formação do convencimento deste tribunal, sendo desnecessária a realização de perícia indireta, juntada de documentos, expedição de ofício e de oitiva de novas testemunhas”, acrescentou.
Por fim, ao tratar dos valores das indenizações, o desembargador federal frisou que não existe metodologia para medir a poluição decorrente da emissão de gás sulfídrico na atmosfera. “Ante a ausência de critérios objetivos para a apuração dos danos ambientais, de rigor a manutenção da sentença na parte que determinou fosse a quantificação efetuada em sede de liquidação do julgado”.
Sobre o dano moral coletivo, estipulado em R$ 150 mil na sentença, o relator ressaltou que a jurisprudência é no sentido da fixação do valor indenizatório na liquidação por arbitramento.
O recurso ficou assim ementado:
CONSTITUCIONAL. APELAÇÕES. REGRA DO TEMPUS REGIT ACTUM. APLICAÇÃO. AGRAVO RETIDO. NÃO CONHECIMENTO. AUSÊNCIA DE REITERAÇÃO NA PEÇA RECURSAL. PRELIMINARES DE NULIDADE DA SENTENÇA E DE ILEGITIMIDADE PASSIVA REJEITADAS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS. ACEITAÇÃO DO EXAME PERICIAL. LIBERAÇÃO DE GÁS SULFIDRICO NA ATMOSFERA. CF, ART. 225 E LEI N. 6.938/81. RESPONSABILIDADE OBJETIVA (CF, ART. 225, § 3º). BEM JURÍDICO INDISPONÍVEL. INVIABILIZADA A REPARAÇÃO IN NATURA. CABIMENTO DA INDENIZAÇÃO (LEI 7.347/85, ART. 3º). VALOR DA INDENIZAÇÃO. MENSURAÇÃO NA FASE DE LIQUIDAÇÃO DA SENTENÇA. DANO MORAL. CONFIGURAÇÃO. APURAÇÃO DO MONTANTE NA FASE DE LIQUIDAÇÃO DO JULGADO.
– Sentença proferida sob a vigência do CPC/73, de maneira que deve ser aplicada a regra do tempus regit actum.
– Não conhecido o agravo retido da Isle Navigation Inc, porquanto não lhe fez menção em suas contrarrazões, tampouco pleiteou seu conhecimento.
– O magistrado, na fundamentação da sentença, determinou que o arbitramento da indenização pelos danos materiais deveria ser feito na fase de liquidação, a qual deveria se dar por artigos. Assim, não há que se falar em julgado citra petita por ausência de mensuração dos referidos danos. De outro lado, também deve ser afastada a alegação de nulidade da sentença por ser extra petita (CPC, arts. 128 e 460), na medida em que a condenação da seguradora se deu em razão do deferimento da denunciação da lide.
– No caso dos autos, o acidente em exame ocorreu no descarregamento do enxofre transportado pelo navio APLANTA de propriedade da Isle Navigation Inc., representada pela FERTIMPORT S/A, na área arrendada pela CODESP ao Terminal Marítimo do Guarujá S/A – TERMAG. Dessa forma, cabe-lhe a fiscalização das operações de descarregamento, bem como a adoção de medidas para assegurar a segurança de tais operações no Porto de Santos e o cumprimento das normas ambientais, a ensejar sua legitimação para figurar no polo passivo da presente ação.
– Constatada a existência de odor característico do enxofre no descarregamento do navio APLANTA, foi ajuizada ação cautelar antecipatória a fim de realizar exame pericial para averiguação de eventual poluição. Tal medida se tornou necessária e urgente, ante a necessidade de comprovação da correção da operação de descarregamento, se tal operação estava a causar eventual poluição ambiental, bem como as alegadas dores de cabeça e de garganta, tosse, irritação nos olhos, respiração ofegante e crises alérgicas, objeto das reclamações dos moradores. Dessa forma, era cabível a medida cautelar em comento, cuja prova deve ser aceita no presente feito.
– Houve denunciação da lide à ACE Seguradora S/A, pois, segundo os apelantes FERTIMPORT S/A e TERMAG, teria obrigação, em ação regressiva, de indenizar os danos ambientais, consoante contratos de “Seguro de Responsabilidade Civil Geral” e de “Seguro Compreensivo Responsabilidade Civil Operador Portuário” firmados entre eles nos moldes do Código Civil (arts. 768 e 769). Entretanto, referida lide secundária não deveria ter sido instaurada, porque trouxe fundamento novo, isto é, a discussão sobre a responsabilidade civil subjetiva e regressiva da denunciada pela poluição ambiental, o que é vedado conforme a jurisprudência retromencionada. Contudo, a denunciação da lide foi devidamente processada e julgada, de maneira que não se mostra razoável sua extinção sem resolução do mérito, mormente porque foi feita a investigação sobre a responsabilidade civil da denunciada/recorrente, ainda que em prejuízo da célere tutela do meio ambiente, e sob pena de violação, nesta fase recursal, do princípio da celeridade processual. No caso concreto, os danos causados estão excluídos da cobertura securitária, de maneira que os danos morais também não devem ser efetivamente indenizados.
– No que toca à intervenção da apelante Navision Shipping Company A/S. conforme bem exposto pelo juiz a quo, embora tenha sido formulada mediante pedido da corré Isle Navigation Inc., sua participação na qualidade de coré é obrigatória, a teor do disposto no artigo 77, inciso III, do Código de Processo Civil de 1973, porquanto, na condição de transportadora e afretadora do navio APLANTA, ficou encarregada da operação de descarregamento do enxofre, de maneira que é solidariamente responsável pelo danos advindos dessa operação. Note-se que não se trata de conversão da denunciação da lide em chamamento ao processo, mas, sim, de averiguação da responsabilidade da apelante pelos prejuízos decorrentes do descarregamento do navio a ensejar sua legitimidade passiva ad causam. Ademais, referida intervenção se refere à discussão dos fundamentos jurídicos postos na demanda, de modo que não há óbice à sua admissão.
– A responsabilidade civil por dano ambiental é objetiva (CF, art. 225, § 3º e Lei 6.938/81, art. 14, § 1º – recepcionada pela CF/88), razão pela qual o agente poluidor fica obrigado a reparar ou indenizar o dano causado, independentemente da existência de culpa ou dolo, ou seja, é apenas necessário que se comprove a ação ou omissão do agente, o dano e o nexo causal entre ambos, sem se perquirir quanto à licitude ou não da atividade. Assim, o dever de indenizar decorre pura e simplesmente do risco da atividade e se funda no nexo causal ente ato e dano. In casu, restou demonstrado que a carga de enxofre sólido havia sido acondicionada de forma inadequada e encontrava-se molhada nos porões do navio, o que acarretou uma reação com as bactérias e gerou a liberação de gás sulfídrico para a atmosfera. A propagação desse gás provocou diversos efeitos à população, como a irritação nos olhos e no sistema respiratório, cefaleia, náusea, vômito e morte do estivador, Sr. Rubens da Silva Ruas.
– O conjunto probatório, in casu, é suficiente para esclarecimento dos fatos e formação do convencimento deste tribunal, sendo desnecessária a realização de perícia indireta, juntada de documentos, expedição de ofício, e de oitiva de novas testemunhas, de maneira que os agravos retidos da FERTIMPORT S/A, do TERMINAL MARITIMO DO GUARUJA S/A – TERMAG e da Navision Shipping Company A/S devem ser desprovidos sob tal aspecto.
– Não há metodologia existente para mensuração da poluição em decorrência de emissão de gás sulfídrico na atmosfera. Desta feita, ante a ausência de critérios objetivos para a apuração dos danos ambientais, de rigor a manutenção da sentença na parte que determinou fosse a quantificação efetuada em sede de liquidação do julgado.
– Sobre o dano moral coletivo ensina Carlos Alberto Bitar Filho ao conceituá-lo como a injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, é a violação antijurídica de um determinado círculo de valores coletivos. Quando se fala em dano moral coletivo, está-se fazendo menção ao fato de que o patrimônio valorativo de uma certa comunidade (maior ou menor), idealmente considerado, foi agredido de maneira absolutamente injustificável do ponto de vista jurídico: isso quer dizer, em última instância, que se feriu a própria cultura, em seu aspecto imaterial. (In: Do dano moral coletivo no atual contexto jurídico brasileiro. egov.ufsc.br. Disponível em: http://egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/30881-33349-1-PB.pdf. Acesso em: 17.06.2019).
– Em relação à quantificação dos danos social e moral, é pacífico o entendimento da jurisprudência no sentido da possibilidade de fixação do valor indenizatório por ocasião da liquidação por arbitramento (artigo 509 do CPC; artigos 475-C e 475-D do CPC/1973).
– Cabível, desse modo, o ressarcimento do dano moral correspondente.
– O valor da condenação deve ser atualizado até o efetivo pagamento pela taxa SELIC, que contém na sua composição correção monetária e juros.
– Não conhecidos os agravos retidos da ISLE NAVIGATION INC. e desprovidos os da FERTIMPORT S/A, do TERMINAL MARITIMO DO GUARUJA S/A – TERMAG e da NAVISION SHIPPING COMPANY A/S.
– Preliminares de nulidade da sentença e de ilegitimidade passiva da Companhia Docas do Estado de São Paulo – CODESP rejeitadas.
– Conhecida em parte a apelação de NAVISION SHIPPING COMPANY A/S e, na parte conhecida, desprovida.
– Desprovidas as apelações da FERTIMPORT S/A, do TERMINAL MARITIMO DO GUARUJA S/A – TERMAG e da COMPANHIA DOCAS DO ESTADO DE SÃO PAULO – CODESP.
– Provida a apelação da ACE SEGURADORA S/A para reformar em parte a sentença e julgar improcedente a denunciação à lide da seguradora, nos termos do artigo 269, inciso I, do Código de Processo Civil.
– Provida em parte a apelação do MINISTÉRIOS PÚBLICO FEDERAL para reformar em parte a sentença a fim de condenar solidariamente a coré ISLE NAVIGATION INC. ao pagamento de indenização pelos danos materiais e morais, nos moldes explicitados no voto.
“O valor da condenação deve ser atualizado até o efetivo pagamento pela taxa Selic, que contém na sua composição correção monetária e juros”, finalizou.
Apelação Cível 0007913-88.2007.4.03.6104