TRF1 mantém indenização a militar que foi filmada nas dependências do quartel durante o banho

A 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) manteve a indenização de R$ 20 mil por danos morais a uma militar que teve vídeo íntimo gravado nas dependências do Quartel General. O caso aconteceu no Pará.

De acordo com os autos, a militar foi filmada enquanto tomava banho nas dependências do Quartel General por um colega de trabalho que abandonou seu posto para gravar a agente.

A União recorreu alegando que o Estado não teve responsabilidade e que a conduta lesiva foi exclusiva do servidor, que está respondendo a inquérito policial militar. Requereu, portanto, o ente público, a redução do valor da indenização por não ser “compatível com a situação de exposição da parte autora” e alegou que foram tomadas as providências pelo poder público para extinguir a exposição e punir o agente infrator.

Ao analisar o processo, o relator, desembargador federal Jamil Rosa de Jesus Oliveira, afirmou que a responsabilidade objetiva do Estado é fundada na teoria do risco administrativo, ou seja, o Estado responderá pelo dano quando causado por seus agentes, nessa qualidade, desde que haja direta relação de causa e efeito entre a atividade administrativa e o dano.

“Por essa teoria, fica dispensada a prova de culpa da Administração, podendo ser afastada sua responsabilidade apenas nos casos de exclusão do nexo causal, que são: fato exclusivo da vítima, caso fortuito, força maior e fato exclusivo de terceiro. Na lição de Sergio Cavalieri Filho, ao adotar a teoria do risco administrativo, a Constituição de 1988 (art. 37, § 6º) “condicionou a responsabilidade objetiva do Poder Público ao dano decorrente da sua atividade administrativa, isto é, aos casos em que houver relação de causa e efeito entre a atividade do agente público e o dano” (Programa de Responsabilidade Civil, p. 258, 6ª edição)”.

Violação da intimidade – Assim, sustentou o magistrado, comprovada a prática de ato ilícito pelo soldado enquanto prestava serviço nas dependências do Quartel General do Exército, impõe-se o dever de indenizar a ofendida, que sofreu violação da sua intimidade, causando-lhe sérios constrangimentos pelos danos morais suportados.

“O objetivo da responsabilização por danos morais é o de desestimular a repetição de práticas lesivas, punindo-se efetivamente os infratores, e também o de compensar a vítima pela situação constrangedora a que foi indevidamente submetida”, afirmou o relator.

O recurso ficou assim ementado:

ADMINISTRATIVO E CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DA ADMINISTRAÇÃO. DISPENSADA PROVA DE CULPA. ART. 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. VIOLAÇÃO A DIREITOS DA PERSONALIDADE. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. FILMAGEM E DIVULGAÇÃO DE VÍDEO ÍNTIMO EM REPARTIÇÃO MILITAR SEM AUTORIZAÇÃO DA VÍTIMA. CONSTRANGIMENTO E VIOLAÇÃO À INTIMIDADE E À HONRA. DEVER DE INDENIZAR. VALOR DA INDENIZAÇÃO. RAZOABILIDADE. SENTENÇA MANTIDA. 1. Trata-se de apelação interposta pela União em face da sentença proferida pelo Juízo da 5ª Vara Federal da Seção Judiciária do Pará que, na Ação Ordinária n. 1000502-61.2018.4.01.3900, julgou procedente o pedido da autora, para condenar a ré ao pagamento da quantia de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) a título de danos morais, tendo em vista ter sido filmada enquanto tomava banho nas dependências do Quartel General do Comando Militar do Norte. 2. Nos termos do art. 37, § 6º, da Constituição, “as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”. 3. A responsabilidade civil do Estado por prejuízos causados por seus agentes, fundada na teoria do risco administrativo, é objetiva, surgindo o dever de indenizar se verificado o dano a terceiro e o nexo causal entre o dano e a ação ou omissão do agente estatal, dispensada a prova de culpa da Administração, responsabilidade essa que somente será afastada se comprovado que o evento danoso resultou de caso fortuito ou força maior ou de culpa da vítima. 4. Este Tribunal já firmou entendimento no sentido de que o dano moral é aquele que decorre de violação a direitos da personalidade. Estes, por sua vez, são todos aqueles ínsitos à dignidade da pessoa humana, um dos pilares da República, previsto no art. 1º, III, da Constituição Federal. A exemplo, tem-se o direito à honra, à imagem, à boa-fama, à integridade física e psíquica, entre tantos outros (AC 0036261-61.2012.4.01.3400, Desembargador Federal JIRAIR ARAM MEGUERIAM, Sexta Turma, e-DJF1 de 11/04/2017). 5. No caso dos autos, ficou comprovado que a autora, militar, foi filmada quando tomava banho no alojamento feminino, nas dependências do Quartel General do Comando Militar do Norte, por um soldado que se encontrava em serviço, tendo o vídeo sido divulgado pelo quartel. 6. Relato do Comandante da Companhia de Apoio confirma a ocorrência dos fatos, tendo sido adotadas providências “no sentido de impossibilitar novas filmagens do local, sendo elas, remoção da escada que se encontra próximo a abertura da parede, obstrução, com material, da abertura na parede, confecção de batentes nas portas para acabar com frestas existentes, recuperação do madeirame da porta para acabar com os espaços”. 7. Comprovada, assim, a prática de ato ilícito em detrimento da dignidade da autora, que consiste em filmagem e divulgação de vídeo íntimo não autorizada nas dependências do Exército Brasileiro, à luz do art. 37, § 6º, e art. 5º, inciso X, ambos da Constituição de 1988, e art. 927 do Código Civil, impõe-se o dever de indenizar a ofendida, que sofreu violação da sua intimidade, causando-lhe sérios constrangimentos, pelos danos morais suportados. 8. A jurisprudência já firmou entendimento de que, na fixação dos danos morais, deve-se levar em conta as circunstâncias da causa e a condição sócioeconômica do ofendido e do ofensor, de modo que não se estabeleça como quantum um valor ínfimo, que não represente a sanção efetivamente causada, nem um valor excessivo, que importe em enriquecimento sem causa da vítima. Precedentes deste Tribunal. 9. Mantida a indenização por danos morais no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais). 10. De acordo com a Súmula 326 do STJ, “na ação de indenização por dano moral, a condenação em montante inferior ao postulado na inicial não implica sucumbência recíproca”, traduzindo “o valor sugerido pela parte autora para a indenização por danos morais mero indicativo referencial“ (REsp n. 1.837.386/SP, relator Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, Quarta Turma, julgado em 16/8/2022, DJe de 23/08/2022). 11. Honorários advocatícios recursais fixados, nos termos do art. 85, § 11, do CPC. 12. Apelação desprovida.

O magistrado entendeu como razoável o valor da indenização por danos morais fixados em R$ 20 mil e votou por negar provimento à apelação da União.

Seu voto foi acompanhado pelos demais integrantes da Turma.

Processo: 1000502-61.2018.4.01.3900

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