A compradora de um Toyota Corolla conseguiu no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) que um carro – financiado por instituição bancária – fosse liberado da restrição de transferência para seu nome. A restrição havia sido realizada em razão da investigação da Polícia Federal (PF) na “Operação Cavalo Doido” pela prática do crime de tráfico internacional de entorpecentes. A decisão de reformar a sentença foi da 10ª Turma.
A sentença proferida pelo Juízo Federal da 5ª Vara da Seção Judiciária de Goiás julgou que o processo estava parcialmente extinto, sem resolução do mérito, porque a autora seria parte ilegítima (ou seja, não deveria participar do processo). O Juízo também negou os embargos de terceiros (que é quando alguém estranho ao processo entra no feito para defender um bem em sua posse), em que a autora pedia a liberação do bem.
No recurso ao TRF1, a parte autora sustentou que comprou o carro de forma lícita e de boa-fé e que o veículo não era relevante para a investigação. Argumentou ter legitimidade para pleitear a restituição, de acordo com o art. 120 do Código Penal (CP), e defendeu não ter qualquer relação com o antigo proprietário e os com crimes que lhe foram imputados.
Desse modo, solicitou a reforma da sentença visando à liberação do veículo.
Boa-fé – O relator, juiz federal convocado pelo TRF1 Marllon Sousa, destacou que, de acordo com os arts. 118 e 120 do Código do Processo Penal (CPP), a restituição do bem apreendido é possível quando: comprovada que a solicitação foi realizada pelo seu proprietário; o bem não for mais do interesse do processo; não ter sido adquirido com proventos de infração penal e não ter sido utilizado como instrumento para a prática de delito. Além de que, é autorizada a restituição da coisa quando pertencer a terceiro de boa-fé, conforme o art. 119 do CPP.
O magistrado verificou que o veículo estava alienado fiduciariamente ao banco, isto é, o domínio do bem é mantido pela instituição financeira, sendo transferido ao adquirente somente após a quitação das parcelas. Em vista disso, a apelante não é a proprietária, mas sua situação jurídica é de depositária, tendo, portanto, a posse dos bens e podendo passar à condição de proprietária.
“Passados mais de sete anos, não se tem notícias de que a apelante seja alvo de persecução penal ou de que haja provas sobre a relação dela com os fatos sob investigação, devendo ser enquadrada como terceiro de boa-fé”, concluiu o relator.
O recurso ficou assim ementado:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. LIBERAÇÃO DE VEÍCULO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. DEVEDOR FIDUCIANTE. TERCEIRO DE BOA-FÉ. POSSIBILIDADE DE NOMEAÇÃO COMO DEPOSITÁRIO FIEL. APELAÇÃO PROVIDA.
1. Apelação criminal interposto sentença que julgou parcialmente extinto o feito, sem resolução do mérito, em razão da ilegitimidade da parte autora, assim como julgou improcedente os embargos de terceiro, no qual a apelante pretendia a liberação do veículo objeto de restrição de transferência de propriedade, decretada no âmbito de investigação da Policia Federal, denominada “Operação Cavalo Doido”, pela prática de crime de tráfico internacional de entorpecentes, dentre outros crimes.
2. A análise conjunta dos arts. 118 e 120 do Código de Processo Penal e do art. 91, II, “a”, do Código Penal permite concluir que a restituição da coisa apreendida é possível quando o requerente é comprovadamente o seu proprietário, o bem não interessar mais ao processo, não tiver sido adquirido com proventos da infração penal e tampouco tenha sido usado como instrumento para a prática do delito. A legislação autoriza a restituição de coisas apreendidas como instrumento do crime, quando pertencerem à terceiro de boa-fé (art. 119 do CPP).
3. Embora seja incontroverso o fato de que a Recorrente (fiduciante) não é proprietária dos bens – conforme informação da Postulante e documentação acostada, o veículo encontra-se alienado fiduciariamente ao Banco Itaú –, sua situação jurídica é de depositária, tendo, na prática, a posse dos bens, e podendo passar à condição de proprietária e possuidora após a quitação do contrato de financiamento.
4. Esta Corte possui precedentes admitindo a entrega de veículo com alienação fiduciária ao possuidor direto, como fiel depositário, quando afastada a hipótese de confisco e se verificar que o desinteresse na apreensão da coisa para o processo (nesse sentido, a ACR 1002323-71.2021.4.01.3908, JUIZ FEDERAL BRUNO CESAR BANDEIRA APOLINARIO (CONV.), TRF1 – TERCEIRA TURMA, PJe 12/07/2022; ACR 1000083-17.2021.4.01.3001, DESEMBARGADOR FEDERAL NÉVITON GUEDES, TRF1 – QUARTA TURMA, PJe 21/06/2021; ACR 0000496-33.2016.4.01.3903, DESEMBARGADOR FEDERAL HILTON QUEIROZ, TRF1 – TERCEIRA TURMA, e-DJF1 23/08/2019).
4. O exame dos presentes autos, e daqueles no bojo dos quais foi deferida a medida cautelar de resultou de seqüestro do veículo em outubro/2016 (Processo nº. 33355-50.2016.4.01.3500, ID 91556102 pag. 58/76), revela que, passados mais de 07 anos, não se tem notícia de que a Apelante seja alvo da persecução penal, ou de que haja provas de que tenha relação com os fatos sob investigação, devendo ser a pessoa física enquadrada como terceiro de boa-fé.
5. Demonstrado que a posse direta do veículo TOYOTA COROLLA PRETO 1.8, FLEX XEI, PLACA NLF-11171G0, ANO/MODELO 2010/2010 é da Apelante, sobre quem, na condição de fiduciante, pesam as obrigações decorrentes dos contratos firmados com a instituição financeira, e não existindo informação concreta de que os bens interessam à instrução, mostra-se cabível a sua liberação e nomeação como depositária fiel.
6. Apelação provida apenas para para determinar a revogação do bloqueio judicial referente ao veículo TOYOTA COROLLA PRETO 1.8, FLEX XEI, PLACA NLF-11171G0, ANO/MODELO 2010/2010 à Recorrente, mediante assinatura de termo de fiel depositária dos bens.
Diante disso, o Colegiado, por unanimidade, acompanhou o relator, dando provimento à apelação.
Processo: 0009012-53.2017.4.01.3500