As transportadoras e distribuidoras de revistas com conteúdo pornográfico devem atender as exigências de uso de capa lacrada, opaca e com advertência sobre a natureza do material, como determina o artigo 78 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
A partir desse entendimento, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) que considerou válido um auto de infração lavrado com base no artigo 257 do ECA contra empresa transportadora que não providenciou capa opaca para revistas com conteúdo pornográfico.
Segundo o relator, ministro Napoleão Nunes Maia Filho, as regras e os princípios do ECA foram criados para assegurar à criança e ao adolescente os seus direitos fundamentais – entre eles, o direito à dignidade e ao respeito.
Para o ministro, as obrigações do artigo 78 – cujo descumprimento leva à punição prevista no artigo 257 – não se destinam apenas às editoras e ao comerciante que expõe o produto ao público, mas também abrange os transportadores e distribuidores, “de forma a garantir a máxima eficácia das normas protetivas”.
Proteção integral
A controvérsia teve origem em auto de infração administrativa e multa lavrados pelo Comissariado da Justiça de Menores contra empresa de logística e distribuição de revistas, por falta de embalagem adequada para as publicações com conteúdo pornográfico.
O TJRJ manteve a sentença que considerou válido o auto de infração, sob o argumento de que a doutrina de proteção integral impõe a todos o dever de zelar pelo cumprimento das normas protetivas do ECA.
No recurso apresentado ao STJ, a empresa sustentou que o disposto no artigo 78 do estatuto é direcionado às editoras e aos comerciantes de publicações com conteúdo pornográfico, não abarcando a figura do distribuidor, que não teria condições de acondicionar os produtos em embalagem opaca.
Finalidade da lei
De acordo com o relator, a finalidade da norma – que busca a proteção psíquica e moral da criança e do adolescente, preservando o direito ao respeito e à dignidade da pessoa em desenvolvimento – não admite uma interpretação literal ou restritiva acerca das obrigações estabelecidas no artigo 78.
Para o ministro Napoleão, nenhuma regra pode ser entendida apenas pela mera literalidade, porque o significado dos seus termos somente adquire efetividade e eficácia no contexto de cada caso concreto.
“Embora a parte recorrente pretenda fazer prevalecer a interpretação literal do disposto no artigo 78 do ECA, de forma a afastar sua responsabilidade, é certo que o estatuto prevê princípios e regras próprias, orientando o magistrado na sua tarefa de aplicar o direito ao caso concreto, de forma a assegurar à criança e ao adolescente múltiplos direitos fundamentais, entre os quais se inclui o direito à dignidade e ao respeito”, explicou.
Ao negar provimento ao recurso especial, o ministro também observou ser equivocado o entendimento de que normas de proteção podem ser flexibilizadas para atender pretensões que lhes sejam antagônicas, pois isso seria o mesmo que deixar a proteção sob o controle de quem ofende as pessoas protegidas.
O recurso ficou assim ementado:
DIREITO MENORISTA. RECURSO ESPECIAL. PROTEÇÃO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. APELO NOBRE INTERPOSTO POR TRANSPORTADORA CONTRA ACÓRDÃO DO TJ⁄RJ QUE CONFIRMOU SENTENÇA CONDENATÓRIA A MULTA POR INFRAÇÃO ÀS NORMAS DE PROTEÇÃO À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE (ART. 78 DO ECA), QUE EXIGEM A APLICAÇÃO DE CAPA OPACA, LACRADA E COM ADVERTÊNCIA DE CONTEÚDO NAS REVISTAS QUE APRESENTEM MATÉRIA PORNOGRÁFICA. ALEGAÇÃO, NESTA VIA ESPECIAL, DE QUE O COMANDO LEGAL NÃO SE ESTENDE AOS TRANSPORTADORES⁄DISTRIBUIDORES. INTERPRETAÇÃO QUE DEVE LEVAR EM CONSIDERAÇÃO A FINALIDADE DA NORMA, OS DIREITOS ENVOLVIDOS, BEM COMO A CONDIÇÃO PECULIAR DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, DE CLASSE DE PESSOAS EM DESENVOLVIMENTO. MÁXIMA EFICÁCIA DA NORMA PROTETIVA. RECURSO ESPECIAL DA EMPRESA A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. Cinge-se a controvérsia em saber se as exigências insertas no art. 78 do ECA se estendem – ou não – às transportadoras de revistas para efeito de responsabilização por inobservância da exigência de que as edições ostentem capa lacrada, opaca e com advertência de conteúdo.
2. Embora a parte recorrente pretenda fazer prevalecer a interpretação literal do disposto no art. 78 do ECA, de forma a afastar sua responsabilidade, é certo que o Estatuto prevê princípios e regras próprios, orientando o Magistrado na sua tarefa de aplicar o direito ao caso concreto, de forma a assegurar à criança e ao adolescente múltiplos direitos fundamentais, dentre os quais se inclui o direito à dignidade e ao respeito. O próprio Estatuto, frise-se, traz dispositivo, aduzindo que na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento (art. 6o.).
3. Nesse passo, atendendo à finalidade da norma, que busca a proteção psíquica e moral da criança e do adolescente, preservando o direito ao respeito, à dignidade, considerando, ainda, sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, não se pode impor interpretação literal, muito menos restritiva, da norma em análise. Aliás, nenhuma regra pode ser entendida com a sua simples e mera leitura, porque o significado dos seus termos somente adquire efetividade e eficácia no contexto de cada caso concreto controverso. Quando se aplica qualquer regra simplesmente fazendo incidir o seu enunciado, se está negligenciando a importância insubstituível dos fatos aos quais se destinam e a dos valores éticos que pretendem realizar.
4. Dito de outra forma, o dever imposto pelo art. 78 do ECA que, em caso de descumprimento, resulta na infração do seu art. 257, não se destina apenas às editoras e ao comerciante direto, ou seja, àquele que expõe o produto ao público, abrange também os transportadores e distribuidores de revistas, de forma a garantir a máxima eficácia das normas protetivas. É equivocado o entendimento de que normas de proteção podem ser flexibilizadas para atender pretensões que lhes sejam opostas, pois isso seria o mesmo que deixar a proteção sob o controle de quem ofende as situações ou as pessoas protegidas. Assim, correto o entendimento da Corte de origem, que manteve a aplicação da multa à parte recorrente.
5. Parecer do Ministério Público Federal opinando pelo não conhecimento do Apelo Nobre.
6. Recurso Especial da Empresa a que se nega provimento.
Leia o acórdão.