O deputado federal Tiririca (PR-SP) não terá de indenizar a gravadora detentora dos direitos autorais pela paródia que fez da música “O Portão”, de Roberto Carlos e Erasmo Carlos, durante a campanha eleitoral de 2014.
Segundo a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a paródia é uma das limitações do direito de autor, com previsão no artigo 47 da Lei dos Direitos Autorais, que prevê serem livres as paráfrases e paródias que não forem verdadeiras reproduções da obra originária nem lhe implicarem descrédito. O colegiado lembrou que, respeitadas essas condições, é desnecessária a autorização do titular da obra parodiada.
Tiririca alterou a letra original da música para criar o refrão “eu votei, de novo vou votar / Tiririca, Brasília é seu lugar”, e apresentou a paródia com trajes que, segundo a gravadora, imitavam a aparência de Roberto Carlos.
A gravadora entrou com ação reparatória de danos morais afirmando que Tiririca violou os direitos autorais ao parodiar a obra para proveito eleitoral. O pedido foi julgado procedente, e, ao analisar a apelação, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) deu provimento ao recurso apenas para excluir da relação processual o diretório do partido, mantendo a condenação contra o deputado, em valor a ser apurado.
Humor protegido
Para o relator do recurso especial, ministro Marco Aurélio Bellizze, a Lei dos Direitos Autorais é precisa ao assegurar proteção às paródias, na qualidade de obras autônomas, além de desvinculá-las da necessidade de prévia autorização.
“As paródias são verdadeiros usos transformativos da obra original, resultando, portanto, em obra nova, ainda que reverenciando a obra parodiada. Por essa razão, para se configurar paródia é imprescindível que a reprodução não se confunda com a obra parodiada, ao mesmo tempo que não a altere de tal forma que inviabilize a identificação pelo público da obra de referência nem implique seu descrédito”, explicou.
O relator citou voto do ministro Villas Bôas Cueva no REsp 1.597.678, no qual o conceito de paródia foi discutido para reforçar a ideia de que o tema escapa à ciência jurídica e parece ter como elemento estável a intenção de despertar o riso, porém sem causar prejuízo à obra original.
“Acrescenta-se ainda que a ideia de humor ou de trazer o riso ao espectador também pode assumir um caráter mais discreto quando as paródias acabam por resultar num prazer de identificação da obra de referência, sem, contudo, se atribuir um tom escrachado ou de zombaria”, destacou Bellizze.
Segundo ele, a atividade jurisdicional não se confunde com crítica artística, e a mera afirmação adotada nas instâncias de origem de que a obra utilizada por Tiririca não possuía destinação humorística não é suficiente para afastar a caracterização da paródia.
Propaganda eleitoral
Marco Aurélio Bellizze ressaltou que o recurso busca definir se a finalidade eleitoral dos versos apresentados pelo candidato é juridicamente relevante para se aferir a ilicitude da paródia, tal como reconhecido pelo TJSP.
“Convém observar que, no mundo moderno, as propagandas são verdadeiras obras de arte, não se podendo ignorar a atividade criativa e inventiva que encerram, ainda que muitas vezes destinadas à promoção de produtos ou, no caso da eleitoral, de candidatos políticos”, destacou o relator.
No caso analisado, segundo Bellizze, não há como afastar a incidência da regra do artigo 47 da Lei dos Direitos Autorais, já que a paródia não teve conteúdo ofensivo em relação a outros candidatos ou ao titular da música original.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO ESPECIAL. DIREITO AUTORAL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. 1. ADEQUAÇÃO DA TUTELA ENTREGUE. PREQUESTIONAMENTO FICTO. ART. 1.025 DO CPC/2015. 2. ILEGITIMIDADE ATIVA E PASSIVA. TEORIA DA ASSERÇÃO. CONTEXTO FÁTICO NARRADO NA PETIÇÃO INICIAL. PARTES LEGÍTIMAS. 3. PARÓDIA. CARACTERIZAÇÃO. FINALIDADE ELEITORAL. IRRELEVÂNCIA. 4. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. Recurso especial que debate a utilização pelos recorrentes de obra lítero-musical de titularidade da recorrida, sem autorização, para elaboração de paródia com finalidade de propaganda eleitoral. 2. O Código de Processo Civil de 2015 faculta a supressão de grau, quando alegada e constatada a existência de vício previsto no art. 1.022, por meio da admissão de prequestionamento ficto (art.
1.025 do CPC/15). Precedentes. 3. As condições da ação são verificadas de acordo com a teoria da asserção, razão pela qual, para que se reconheça a ilegitimidade ad causam, os argumentos aduzidos na inicial devem possibilitar a inferência, em um exame puramente abstrato, de que o réu pode ser o sujeito responsável pela violação do direito subjetivo alegado pelo autor. Precedentes. 4. A paródia é forma de expressão do pensamento, é imitação de composição literária, filme, música, obra qualquer, que resulta em composição nova, por meio da qual se identifica a remissão à obra original que é adaptada a um novo contexto, com versão diferente.
5. A paródia é uma das limitações do direito de autor, com previsão no art. 47 da Lei 9.610/1998, que prevê serem livres as paráfrases e paródias que não forem verdadeiras reproduções da obra originária nem lhe implicarem descrédito. Respeitadas essas condições, é desnecessária a autorização do titular da obra parodiada.
6. A finalidade da paródia, se comercial, eleitoral, educativa, puramente artística ou qualquer outra, é indiferente para a caracterização de sua licitude e liberdade assegurada pela Lei n. 9.610/1998.
7. Recurso especial provido.