Terceira Turma anula duplicata utilizada para cobrar prejuízo decorrente de fraude

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) declarou a nulidade de duplicata emitida por uma empresa de combustíveis contra uma credenciadora de máquina de cartão de crédito e determinou a restituição dos valores exigidos por esse meio impróprio, acrescidos de juros e correção monetária.

Na origem do caso, a credenciadora ajuizou ação declaratória de nulidade de título cumulada com pedido de restituição contra a empresa de combustíveis, que era credenciada por ela para utilizar suas máquinas de cartão de crédito.

De acordo com o processo, após ter sido vítima de fraude praticada por terceiro, o estabelecimento comercial repassou o prejuízo para a autora da ação, por meio de uma Duplicata Mercantil por Indicação (DMI).

Instâncias ordinárias apontaram previsão contratual e falha na prestação de serviços

A credenciadora de máquinas pagou a duplicata, mas depois, alegando que o fez apenas para preservar sua reputação, sustentou em juízo que o título era nulo, pedindo a condenação da ré a restituir o valor pago indevidamente, acrescido de juros e correção.

O juízo de primeira instância negou o pedido, por entender que a duplicata foi emitida com base no contrato existente entre as partes e que a fraude decorreu de falha na prestação dos serviços pela credenciadora. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) manteve a decisão, reafirmando a previsão contratual.

O relator do caso no STJ, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, ao analisar o meio utilizado pela ré para a cobrança, destacou que as duplicatas só podem ser emitidas por vendedor de mercadorias ou prestador de serviços, jamais pelo comprador ou por quem utilizou o serviço prestado.

Conforme explicou o ministro, embora a credenciadora faça pagamentos às lojas – liquidação das transações realizadas em determinado período –, são os lojistas que se utilizam dos serviços prestados por ela.

Via utilizada para cobrança foi inadequada

O ministro também apontou que, mesmo a empresa comercial sendo credora de valores referentes à venda de seus produtos e serviços, não poderia exigi-los por meio de duplicata, que é um título de crédito causal, estritamente vinculado ao negócio jurídico que ensejou sua emissão.

Da mesma forma, o relator destacou que a utilização da duplicata para viabilizar a cobrança de um suposto crédito resultante de reponsabilidade civil não está de acordo com o disposto no artigo 887 do Código Civil.

“Não há dúvida de que, se os valores não estiverem prescritos, poderão ser exigidos pelas vias ordinárias, oportunidade em que se poderá discutir a questão atinente à responsabilidade da autora por prejuízos a que terceiro supostamente deu causa”, concluiu.

O recurso ficou assim ementado:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO COMERCIAL. TÍTULOS DE CRÉDITO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE. MERCADO DE MEIOS DE PAGAMENTO. DUPLICATA. EMISSÃO. REQUISITOS. AUSÊNCIA.
1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).
2. A controvérsia principal resume-se a saber se a emissão de duplicata constitui via adequada para a cobrança, da instituição credenciadora, de crédito titularizado por comerciante que aceita instrumentos de pagamento (cartões) na comercialização de produtos e serviços e que, em virtude de fraude praticada por terceiro, deixa de recebê-lo.
3. A duplicata representa o crédito do vendedor relativamente à importância faturada ao comprador, por conta de mercadorias vendidas, ou o crédito do prestador de serviços pela importância faturada ao tomador dos serviços.
4. As faturas inerentes à venda de mercadorias ou à prestação de serviços, e as respectivas duplicatas, representativas desses créditos, só podem ser emitidas pelo vendedor ou pelo prestador do serviço, jamais pelo comprador ou por aquele em favor de quem o serviço foi prestado, ainda que visando à cobrança de crédito decorrente da mesma relação jurídica.
5. Hipótese em que a parte ré, estabelecimento comercial credenciado pela autora para fazer uso de suas máquinas de processamento de pagamentos mediante cartão de crédito/débito, emitiu duplicata visando à cobrança de valor correspondente a prejuízos sofridos em decorrência de ato praticado por terceiro.
6. A instituição credenciadora, ao efetuar pagamentos aos lojistas (liquidação de transação), não figura como compradora de suas mercadorias, tampouco como tomadora de serviços por eles prestados.
7. A duplicata, por ser um título de crédito causal, guarda estreita vinculação com o negócio jurídico que dá ensejo à sua emissão, ou seja, com a compra e venda de mercadoria ou com a prestação de serviços de natureza mercantil, não se prestando à representação de um crédito resultante de responsabilidade civil.
8. Recurso especial provido.

Leia o acórdão no REsp 2.036.764.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 2036764

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