O Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) condenou um ex-prefeito municipal de Biguaçu, três empresas do ramo imobiliário e mais três outros réus ao pagamento solidário de indenização, no valor de R$ 3 milhões, em favor do Fundo Municipal do Meio Ambiente daquela cidade. A indenização fixada diz respeito ao dano ambiental caracterizado pela supressão de 492 árvores nativas em um terreno às margens da BR-101, próximo ao mar, ocorrida em 2013.
O caso teve origem em ação popular ajuizada por um advogado contra os envolvidos na construção de um empreendimento de grande porte e os órgãos municipais responsáveis pela emissão de licenças ambientais – uma das construtoras pertence aos filhos do então prefeito. No 1º grau, a matéria teve sentença de parcial procedência. Submetida a reexame na 3ª Câmara de Direito Público do TJSC, os desembargadores reconheceram a nulidade da Autorização para Corte de Vegetação e fixaram a indenização pelos danos provocados ao meio ambiente.
De acordo com os autos, o parecer ambiental e a autorização de corte nem sequer mencionavam os documentos e requerimentos apresentados pela construtora interessada na obra. Também consta ter sido aplicada como medida compensatória a doação de apenas 492 mudas, número igual ao de árvores suprimidas, enquanto o próprio proponente da obra havia oferecido a doação de 10 mudas para cada árvore.
Para o desembargador Ronei Danielli, relator da matéria, a prova dos autos revela de “forma sólida” a inexistência de fundamentação concreta na expedição da autorização de corte e a caracterização de desvio de finalidade, “circunstâncias que maculam a validade e a legalidade do ato administrativo”.
Após manifestação da Fatma, que emitiu parecer que confirmou a prática de diversas irregularidades na atuação do órgão municipal, a medida compensatória foi ajustada para 4.920 mudas de exemplares nativos. A adequação posterior, destacou o relator, não tem o condão de convalidar o ato administrativo reconhecidamente nulo.
“Nesse panorama, o dano ambiental perpetrado – supressão de 492 árvores nativas dispersas por considerável extensão do terreno – se mostra umbilicalmente associado aos planos de exploração do imóvel pelas construtoras rés e à conduta dos réus em ‘pressionar’ ou ‘forçar’ a expedição da autorização de corte, em desacordo com as previsões legais, para lograr suprimir a vegetação lá existente e expandir o potencial construtivo da área”, destacou o desembargador Ronei Danielli.
O relator ainda observou que o imóvel objeto dos autos foi inexplorado economicamente durante muitos anos, mas recentemente recebeu obras de urbanização – pavimentação e iluminação pública – e passou a abrigar grandes empreendimentos comerciais de varejo. Em defesa, o ex-prefeito e outro réu que detinha cargo no primeiro escalão da prefeitura alegaram que a Fundação Municipal do Meio Ambiente era dotada de autonomia e negaram interesse pessoal na expedição de licenças.
Outras duas rés ligadas ao órgão ambiental sustentaram que foram observados todos os procedimentos legais. As três empresas rés afirmaram que a autorização de corte foi expedida por autoridade competente e com total respeito ao procedimento legal pertinente. A fixação da indenização de R$ 3 milhões corresponde ao percentual aproximado de 10% do valor do imóvel.
No voto, o desembargador Ronei Danielli também cita que a condenação na esfera civil não afasta ou prejudica eventual responsabilização administrativa ou penal dos envolvidos, inclusive em relação a medidas de compensação ambiental passíveis de imposição pelos órgãos ambientais. Também participaram do julgamento os desembargadores Jaime Ramos e Ricardo Roesler
O recurso ficou assim ementado:
AÇÃO POPULAR. LICENCIAMENTO DE PROJETO DE EMPREENDIMENTO DE GRANDE PORTE, COM CONSIDERÁVEIS IMPACTOS URBANÍSTICOS E AMBIENTAIS. AVENTADAS IRREGULARIDADES NAS LICENÇAS AMBIENTAIS E NA AUTORIZAÇÃO PARA CORTE DE VEGETAÇÃO. INOBSERVÂNCIA DOS REQUISITOS LEGAIS. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA, DECLARANDO A NULIDADE DAS LICENÇAS AMBIENTAIS. CELEBRAÇÃO DE ACORDO, APÓS A SENTENÇA, ENTRE AS EMPRESAS DEMANDADAS E O AUTOR POPULAR. CONCORDÂNCIA DOS ENTES MUNICIPAIS. HOMOLOGAÇÃO DA DESISTÊNCIA DOS APELOS. TRANSAÇÃO, PORÉM, QUE NÃO ATINGE O REEXAME NECESSÁRIO, DADO O INTERESSE PÚBLICO INERENTE À AÇÃO POPULAR. ART. 5º, LXXIII, DA CF/88 E ART. 19 DA LEI 4.717/65. AUTORIZAÇÃO PARA SUPRESSÃO DE VEGETAÇÃO NATIVA. ATO ADMINISTRATIVO DESTITUÍDO DE ADEQUADA FUNDAMENTAÇÃO. AUSÊNCIA DE ANÁLISE ACURADA DAS CONDIÇÕES AMBIENTAIS DO IMÓVEL, DOTADA DE 492 EXEMPLARES DE ÁRVORES NATIVAS E 42 ESPÉCIES DE AVES E ANFÍBIOS. MEDIDAS DE COMPENSAÇÃO AMBIENTAL FIXADAS EM PATAMAR IRRISÓRIO. ENGENHEIRA FLORESTAL RESPONSÁVEL PELA ANÁLISE TÉCNICA QUE ADMITE TER SIDO PRESSIONADA A EXPEDIR A AUTORIZAÇÃO, MESMO SEM EFETIVO ACESSO AO IMÓVEL. DEMONSTRAÇÃO SÓLIDA DA ILEGALIDADE NA EXPEDIÇÃO DA AUTORIZAÇÃO DE CORTE. DANO AMBIENTAL CONSUMADO. CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO EM FAVOR DO FUNDO MUNICIPAL DO MEIO AMBIENTE DE BIGUAÇU. DEMAIS PEDIDOS DE CARÁTER COMINATÓRIO OU MANDAMENTAL IMPERTINENTES. PLEITOS QUE EXTRAPOLAM O OBJETO DA AÇÃO POPULAR. INTELIGÊNCIA DO ART. 1º DA 4.717/65. REMESSA CONHECIDA E PARCIALMENTE PROVIDA.
“Não há dúvida, portanto, que a ação popular, ao zelar pela higidez e boa administração do patrimônio pertencente às pessoas de direito público e às entidades direta ou indiretamente controladas pelo Estado, está defendendo não apenas interesses particulares dessas pessoas, mas, sobretudo, os interesses superiores da própria coletividade a que servem. Está aí plasmada, portanto, a transindividualidade dos interesses tutelados.” (Min. Teori Zavaski).
“A indenização deve ser fixada em quantia capaz de desestimular outras condutas danosas, de modo que o poluidor não obtenha lucro, mas considerável prejuízo com atividade degradadora.” (José Rubens Morato Leite).
Autos n. 0804771-70.2013.8.24.0007