O Plenário concluiu que o Pacote Anticrime não tratou do tema e, portanto, deve ser usado o percentual de 40% de cumprimento da pena para progressão de regime.
O Supremo Tribunal Federal (STF) reafirmou o entendimento de que o percentual a ser aplicado para a progressão de regime de condenado por crime hediondo ou equiparado, sem morte, que seja reincidente por crime comum é de 40%. A decisão se deu no Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1327963, que teve repercussão geral reconhecida (Tema 1169) e mérito julgado no Plenário Virtual.
No caso concreto, trata-se de um condenado por tráfico de drogas que já tinha sido apenado pelo crime de furto. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) determinou o cumprimento da fração de 60% da pena para a obtenção da progressão de regime.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) retificou o cálculo para 40%, previsto no artigo 112, inciso V, da Lei de Execução Penal (LEP). Contra essa decisão, o Ministério Público Federal (MPF) apresentou o ARE ao Supremo.
Progressão
Em sua manifestação pelo reconhecimento da repercussão geral e pela reafirmação da jurisprudência, o relator, ministro Gilmar Mendes, explicou que o Pacote Anticrime (Lei 13.964/2019) alterou o artigo 112 da LEP em relação à progressão de regime de condenados, prevendo três situações relevantes. Uma é o caso de primário condenado por crime hediondo (40% para progressão); outra é referente aos primários condenados por crime hediondo ou equiparado, com resultado morte ou em posição de comando da organização criminosa (50% para progressão); por fim, a hipótese de reincidente específico na prática de crime hediondo, ou seja, pessoa condenada reiteradamente por crime hediondo (60% para progressão).
Omissão
No entanto, a lei não trata da situação de pessoa condenada anteriormente por crime não hediondo e, em seguida, por crime hediondo, ou seja, reincidente não específico. Não havendo previsão exata na norma, impõe-se a sua interpretação tendo em vista a primazia da posição mais favorável à defesa (no caso, 40%).
De acordo como o relator, a Constituição Federal (artigo 5º, incisos XXXIX e XL) estabelece que não há crime sem lei anterior que o defina nem pena sem prévia imposição legal e que a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu. “Trata-se de postura inerente ao respeito da isonomia e da presunção de inocência, de modo que eventual tratamento mais benéfico concedido pelo Estado deve ser generalizado a todas as pessoas a quem possa ser aplicado”, salientou.
Tese
A tese fixada no julgamento foi a seguinte: “Tendo em vista a legalidade e a taxatividade da norma penal (artigo 5º, XXXIX, CF), a alteração promovida pela Lei 13.964/2019 no artigo 112 da LEP não autoriza a incidência do percentual de 60% (inciso VII) aos condenados reincidentes não específicos para o fim de progressão de regime. Diante da omissão legislativa, impõe-se a analogia in bonam partem, para aplicação, inclusive retroativa, do inciso V do artigo 112 da LEP (lapso temporal de 40%) ao condenado por crime hediondo ou equiparado sem resultado morte reincidente não específico”.
A decisão quanto ao reconhecimento da repercussão geral foi unânime. Já no mérito, a manifestação do relator, negando provimento ao RE do Ministério Público Federal e reafirmando a jurisprudência, foi seguida por maioria, vencido o presidente do STF, ministro Luiz Fux.
O recurso ficou assim ementado:
Repercussão geral no recurso extraordinário com agravo. Constitucional. Processo Penal. Execução. 2. Progressão de regime prisional. Condenado por crime hediondo ou equiparado, sem resultado morte, reincidente por crime comum (não específico). Art. 112, incisos V, VI e VII, da Lei de Execução Penal, com redação dada pela Lei 13.964/2019 (Pacote Anticrime). 3. Princípio da legalidade (art. 5º, XXXIX, CF): taxatividade e interpretação mais benéfica ao réu. Retroatividade da norma mais benéfica ao réu (art. 5º, XL, CF). Repercussão geral reconhecida. 4. A leitura dos dispositivos legais (art. 112 e incisos, LEP) atinentes à progressão de regime permite constatar a existência de verdadeiro vácuo normativo. Referida legislação não disciplinou, de forma expressa, a fração para progressão do condenado por crime hediondo ou equiparado reincidente em crime comum. 5. Diante da lacuna legislativa, não se pode admitir a aplicação de norma mais gravosa a partir de interpretação prejudicial ao réu. Tendo em vista a ausência de previsão aplicável a apenados condenados por crimes hediondos ou equiparados, mas reincidentes genéricos (condenação anterior por crime não hediondo ou equiparado), deve-se integrar a norma a partir de interpretação em benefício do réu, já que vedada a analogia in malam partem. 6. A Lei 13.964/19 (Pacote Anticrime) resultou em tratamento mais benéfico a condenados por crime hediondo, sem resultado morte, reincidentes não específicos. Nesse cenário, a norma mais benéfica deve retroagir mesmo para fatos criminosos passados. 7. Julgamento do mérito por reafirmação de jurisprudência: RHC 200.879/SC, Rel. Min. Edson Fachin, Segunda Turma, por unanimidade, DJe 14.6.2021; RHC 196.810 AgR/SC, Rel. Min. Rosa Weber, Primeira Turma, por maioria, DJe 25.6.2021; RHC 198.156 AgR/SC, Rel. Min. Rosa Weber, Primeira Turma, por maioria, DJe 25.6.2021; ARE 1.330.176/SC, Rel. Min. Edson Fachin, decisão monocrática, DJe 6.8.2021; HC 202.691/SP, Rel. Min. Nunes Marques, decisão monocrática, DJe 6.8.2021; HC 193.187/PR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, decisão monocrática, DJe 25.5.2021. 8. Agravo no recurso extraordinário provido para conhecer mas não prover o recurso extraordinário interposto pelo Ministério Público Federal. 9. Fixação da tese: “Tendo em vista a legalidade e a taxatividade da norma penal (art. 5º, XXXIX, CF), a alteração promovida pela Lei 13.964/2019 no art. 112 da LEP não autoriza a incidência do percentual de 60% (inc. VII) aos condenados reincidentes não específicos para o fim de progressão de regime. Diante da omissão legislativa, impõe-se a analogia in bonam partem, para aplicação, inclusive retroativa, do inciso V do artigo 112 da LEP (lapso temporal de 40%) ao condenado por crime hediondo ou equiparado sem resultado morte reincidente não específico.”
Tema
1169 – Progressão de regime de pessoas condenadas por crime hediondo sem resultado morte, reincidentes não específicos, ante a publicação da Lei 13.964/2019 (Pacote Anticrime).
Tese
Tendo em vista a legalidade e a taxatividade da norma penal (art. 5º, XXXIX, CF), a alteração promovida pela Lei 13.964/2019 no art. 112 da LEP não autoriza a incidência do percentual de 60% (inc. VII) aos condenados reincidentes não específicos para o fim de progressão de regime. Diante da omissão legislativa, impõe-se a analogia in bonam partem, para aplicação, inclusive retroativa, do inciso V do artigo 112 da LEP (lapso temporal de 40%) ao condenado por crime hediondo ou equiparado sem resultado morte reincidente não específico.
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Processo relacionado: ARE 1327963