A decisão vale a partir da publicação da ata do julgamento.
O Supremo Tribunal Federal (STF) manteve, nesta quinta-feira(7), a proibição de showmícios e a possibilidade da participação não remunerada de artistas em eventos de arrecadação de recursos para campanhas eleitorais. Por maioria, a Corte julgou parcialmente procedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5970.
A ação foi ajuizada pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e pelo Partido dos Trabalhadores (PT). Os primeiros votos foram proferidos na sessão de ontem (7).
Shows e eventos
O artigo 39, parágrafo 7º, da Lei das Eleições (Lei 9.504/1997), acrescentado pela Lei 11.300/2006 (Minirreforma Eleitoral), proíbe a realização de shows de artistas para animar comícios e reuniões eleitorais.
O segundo ponto em discussão é o artigo 23, parágrafo 4º, inciso V, da lei, que dispõe que as doações eleitorais poderão ser efetuadas por meio de promoção de eventos de arrecadação realizados diretamente pelo candidato ou pelo partido. Em relação a isso, os partidos apontavam o risco de a Justiça Eleitoral entender que o dispositivo não abrange a realização de espetáculos artísticos.
Relator
Prevaleceu, no julgamento, o entendimento do relator, ministro Dias Toffoli, que, na sessão de ontem, votou para interpretar a lei de modo a possibilitar apresentações artísticas ou shows musicais em eventos de arrecadação. A seu ver, esses eventos não se confundem com shows para o público em geral, pois são frequentados por pessoas que já têm simpatia pelo candidato.
Em relação aos showmícios, o relator entendeu que a restrição se justifica pela necessidade de assegurar igualdade de condições aos candidatos.
Paridade de armas
Os demais ministros que seguiram esse entendimento também fizeram reflexões sobre a proteção à paridade de armas nas eleições e a necessidade de coibir atos de abuso do poder econômico. Consideraram, ainda, que a Constituição assegura o desempenho profissional do exercício artístico e que os artistas podem continuar com suas atividades, mas não devem interferir nas eleições.
Arte e emoção
O ministro Luís Roberto Barroso e a ministra Cármen Lúcia votaram em maior extensão, para admitir os showmícios. Ambos destacaram a importância da música na vida social e política brasileira e avaliaram que a emoção gerada pela arte juntamente com a política é possível, desde que não haja abuso do poder econômico.
Para Barroso, impedir que um artista empreste o seu prestígio a um candidato em um comício não é razoável, uma vez que se permite a participação de um jogador de futebol ou de um ex-presidente da República. “É uma discriminação contra a arte, e não apenas contra os artistas em geral”, afirmou.
Proibição total
Os ministros Nunes Marques, Gilmar Mendes e Luiz Fux votaram pela improcedência dos pedidos, mantendo a proibição tanto dos showmícios quanto dos eventos de arrecadação. A seu ver, a arrecadação por meio de espetáculos pode gerar assimetria entre as campanhas, e o Estado não pode considerar que os cidadãos sejam facilmente manipulados e, por isso, devam ser protegidos de determinadas influências. Eles ressaltaram, ainda, que a discussão não tem relação com a liberdade de expressão, mas envolve questões como patrimonialismo e abuso de poder econômico.
Princípio da anualidade
Também por maioria dos votos, a Corte entendeu que não se aplica ao caso o princípio da anualidade eleitoral, que proíbe a aplicação da nova norma antes do prazo de um ano. O ministro Toffoli lembrou que esse entendimento a respeito dos eventos arrecadatórios já vinha sendo aplicado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Assim, o que foi decidido já vale desde a publicação da ata do julgamento, vencidos, nesse ponto, os ministros Nunes Marques, Gilmar Mendes e Luiz Fux.
O recurso ficou assim ementado:
Ação direta de inconstitucionalidade. Artigo 39, § 7º, da Lei nº 9.504/1997. Proibição de showmícios ou eventos assemelhados não remunerados. Ausência de contrariedade à liberdade de expressão e ao princípio da proporcionalidade. Artigo 23, § 4º, inciso V, da Lei nº 9.504/1997. Doações eleitorais mediante promoção de eventos de arrecadação organizados diretamente pelo candidato ou pelo partido político. Interpretação conforme à Constituição. Possibilidade de realização de apresentações artísticas ou shows musicais em eventos destinados à arrecadação de recursos para campanhas eleitorais. Pedido julgado parcialmente procedente. 1. Por sua natureza de propaganda eleitoral, o showmício é voltado ao público em geral e presta-se para o convencimento do eleitorado mediante oferecimento de entretenimento, ou, mais especificamente, de show artístico no contexto do comício ou de evento eleitoral realizado para a promoção de candidatura, nos quais o artista e o candidato dividem o palco/palanque com o objetivo de obter votos. 2. O Supremo Tribunal Federal reconhece a instrumentalidade da liberdade de expressão no contexto político-eleitoral, visto que se destina a estimular e ampliar o debate público, permitindo que os eleitores tomem conhecimento dos diversos projetos políticos em disputa. O destinatário último da troca de informações durante o período eleitoral é o cidadão eleitor, titular do direito ao voto, que deve ser exercido de forma livre e soberana. Não são admitidas, por contrárias à liberdade de expressão, limitações que venham a desencorajar o fluxo de ideias e propostas de cada candidato, ou a exercer uma censura prévia quanto a determinado conteúdo, cabendo a responsabilização, a posteriori, por eventuais abusos praticados no exercício desse direito. Precedentes: ADI nº 3.741/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe de 23/2/07; ADI nº 4.451/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Alexandre de Moraes, DJe de 6/3/19; ADI nº 4.650/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 24/2/16. 3. É também assegurado a todo cidadão manifestar seu apreço ou sua antipatia por qualquer candidato, garantia que, por óbvio, contempla os artistas que escolherem expressar, por meio de seu trabalho, um posicionamento político antes, durante ou depois do período eleitoral. A proibição dos showmícios e eventos assemelhados não vulnera a liberdade de expressão, já que a norma em questão não se traduz em uma censura prévia ou em proibição do engajamento político dos artistas, visto que dela não se extrai impedimento para que um artista manifeste seu posicionamento político em seus shows ou em suas apresentações. A norma em tela está a regular a forma com que a propaganda eleitoral pode ser feita, não se confundindo com a vedação de um conteúdo ou com o embaraço da capacidade de manifestação de opiniões políticas por parte de qualquer cidadão. 4. A medida se justifica pelo intuito de evitar o abuso de poder econômico no âmbito das eleições e de resguardar a paridade de armas entre os candidatos. O caráter gratuito do showmício ou do evento assemelhado não é suficiente para afastar o desequilíbrio por eles provocado entre os concorrentes a cargos eletivos, havendo clara vantagem para aquele que tem apresentações artísticas associadas à promoção de sua campanha, ainda que sem pagamento de cachê. Também se justifica no fato de que a promoção de uma candidatura por meio do patrocínio de um show destinado ao público em geral poderia ser considerada como oferecimento de uma vantagem ao eleitor, o qual acabaria por associar sua experiência de entretenimento ao político homenageado. 5. Enquanto o showmício configura uma modalidade de propaganda eleitoral direcionada ao público em geral para obtenção de votos, o evento destinado à arrecadação de recursos para a campanha eleitoral tem finalidade diversa, qual seja, a de mobilizar os apoiadores da candidatura com o intuito de obter recursos para a viabilização da campanha eleitoral. A realização de evento dessa natureza tem respaldo constitucional, por se tratar de uma modalidade de doação que proporciona ao eleitor, como pessoa física, participar do financiamento da democracia representativa, o que reflete o espírito republicano da Carta de 1988, pois possibilita que o cidadão viabilize ativamente o projeto político de sua escolha. 6. Ação direta de inconstitucionalidade julgada parcialmente procedente, reconhecendo-se como parte do escopo do art. 23, § 4º, inciso V, da Lei nº 9.504/1997 a possibilidade de realização de apresentações artísticas ou shows musicais em eventos de arrecadação de recursos para campanhas eleitorais, não se aplicando o princípio da anualidade eleitoral a esse entendimento.
Leia mais:
STF inicia julgamento sobre realização de showmícios em campanhas eleitorais
-
Processo relacionado: ADI 5970