Para o Plenário, a concessão de benefícios vitalícios a ex-agentes públicos viola os princípios republicano, isonômico e da moralidade administrativa.
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a prestação de serviços de segurança e apoio a ex-governadores do Estado do Amazonas deve se limitar ao fim do mandato subsequente ao exercido pelo beneficiário, até que seja regulamentada a Lei estadual 4.733/2018, que trata sobre a matéria. A decisão foi tomada na sessão virtual encerrada em 3/11, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6579.
A ação foi ajuizada pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, que considera que a cessão de servidores prevista na norma é um benefício vitalício incompatível com a Constituição Federal e que a quantidade de até 10 servidores não é razoável em termos de moralidade constitucional. Como exemplo, argumentou que a Lei federal 7.474/1986 estabelece um total de oito pessoas para segurança e apoio a ex-presidentes da República.
Princípio republicano
A decisão da Corte seguiu o voto da ministra Rosa Weber, relatora da ação, que julgou a ação parcialmente procedente. Em relação à falta de previsão temporal para a cessão de servidores para o serviço de segurança e apoio, ela aplicou precedente firmado no julgamento da ADI 5346, em que foi reconhecida a inconstitucionalidade de dispositivo da Constituição do Estado da Bahia que tornava vitalícia vantagem semelhante, por violação dos princípios republicano, isonômico e da moralidade administrativa.
Autonomia federativa
A ministra, no entanto, não acolheu a alegação de inconstitucionalidade relativa ao número máximo de servidores estabelecido na lei estadual. Segundo ela, essa disposição enquadra-se no espaço normativo conferido aos estados pela autonomia federativa (artigo 25, caput e parágrafo 1º, da Constituição Federal).
O ministro Edson Fachin votou para declarar a inconstitucionalidade da lei, que, para ele, é um “simples privilégio” que não se coaduna com o princípio republicano.
O recurso ficou assim ementado:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 4.733/2018 DO ESTADO DO AMAZONAS, QUE PREVÊ A DISPONIBILIZAÇÃO DE SERVIÇOS DE SEGURANÇA E APOIO A EX-GOVERNADORES. ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE POR (I) AUSÊNCIA DE PRAZO CERTO PARA OS SERVIÇOS, EM VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS REPUBLICANO, DA IGUALDADE, DA RAZOABILIDADE, DA MORALIDADE E DA IMPESSOALIDADE; E (II) FIXAÇÃO DE QUANTITATIVO MÁXIMO DE DEZ SERVIDORES, EM VIOLAÇÃO DA RAZOABILIDADE E DA MORALIDADE. PRETENSÃO DE INTERPRETAÇÃO CONFORME PARA LIMITAR TEMPORALMENTE OS SERVIÇOS AO MANDATO SUBSEQUENTE E, COM REFERÊNCIA NA LEI FEDERAL Nº 7.4.74/1986, LIMITAR O NÚMERO MÁXIMO DE SERVIDORES A OITO PESSOAS. PRELIMINAR DE IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO (LEGISLADOR POSITIVO), RELATIVA AO SEGUNDO PEDIDO, REJEITADA. PARCIAL PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS, PARA CONFERIR, AO CAPUT DO ART. 1º DA LEI IMPUGNADA, INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO, NO ASPECTO TEMPORAL. PRECEDENTES DO STF. EFEITOS DA DECISÃO NÃO MODULADOS. 1. Ação direta que impugna a Lei nº 4.733, de 27 de dezembro de 2018, do Estado do Amazonas, que dispõe sobre medidas de segurança e apoio aos ex-governadores, mediante a disponibilização de até dez servidores, sem limitação temporal expressa. 2. A preliminar de impossibilidade jurídica do pedido, levantada pelo Advogado-Geral da União, quanto à interpretação conforme à Constituição a respeito do número máximo de servidores, porque estaria esta Suprema Corte atuando como legislador positivo, deve ser afastada, seja porque se confunde com a apreciação do mérito, devendo assim ser analisada, seja porque as técnicas decisórias a serem adotadas diante de eventual constatação de inconstitucionalidade se desenvolveram ao longo do tempo, indo atualmente além da simples declaração de inconstitucionalidade. 3. O Supremo Tribunal Federal definiu interpretação jurídica, na formação de precedentes, no sentido de que a instituição de prestação pecuniária mensal e vitalícia a ex-ocupantes de cargos eletivos ou seus dependentes, designada “subsídio” ou “pensão”, corresponde à concessão de benesse que não se compatibiliza com a Constituição Federal (notadamente com o princípio republicano e o princípio da igualdade, consectário daquele), por configurar tratamento diferenciado e privilegiado sem fundamento jurídico razoável, em favor de quem não exerce função pública ou presta qualquer serviço à administração. Assim, sob a minha relatoria, ADI 4555/PI (Pleno, j. 14/08/2019, DJe 30/08/2019) e ADI 4545/PR (Pleno, j. 05/12/2019, DJe 07/04/2020). No mesmo sentido: ADI 3.853/MS (Rel. Min. Cármen Lúcia, Pleno, j. 12/09/2007, DJe 26/10/2007); ADPF 413/SP (Rel. Min. Dias Toffoli, Pleno, j. 06/06/2018, DJe 21/06/2018); ADI 4544/SE (Rel. Min. Roberto Barroso, Pleno, j. 13/06/2018, DJe 11/09/2018); ADI 4609/RJ (Rel. Min. Roberto Barroso, Pleno, j. 13/06/2018, DJe 11/09/2018); ADI 3418/MA (Rel. Min. Dias Toffoli, Pleno, j. 20/09/2018, DJe 04/12/2018); ADI 4601/MT (Rel. Min. Luiz Fux, Pleno, j. 25/10/2018, DJe 07/11/2018); ADI 4169/RR (Rel. Min. Luiz Fux, Pleno, j. 25/10/2018, DJe 07/11/2018); ADI 4552/PA (Rel. Min. Cármen Lúcia, Pleno, j. 01/08/2018, DJe 14/02/2019); ADI 4562/PB (Rel. Min. Celso de Mello, Pleno, j. 17/10/2018, DJe 07/03/2019); ADI 5473/DF (Rel. Min. Marco Aurélio, Pleno, j. 19/12/2018, DJe 18/02/2019); RE 638307/MS (Rel. Min. Marco Aurélio, Pleno, j. 19/12/2019, DJe 13/03/2020); ADPF 590/PA (Rel. Min. Luiz Fux, Pleno, j. 08/09/2020, DJe 24/09/2020). 4. Em específico, esta Suprema Corte reconheceu, na ADI 5346/BA (Rel. Min. Alexandre de Moraes, Pleno, j. em sessão virtual de 11 a 17/10/2019, DJe 06/11/2019), a inconstitucionalidade do caráter vitalício da disponibilização de serviços de segurança e motorista estabelecida pela Constituição do Estado da Bahia, por violação dos princípios republicano, da isonomia e da moralidade administrativa, e conferiu interpretação conforme, para estabelecer que a prestação dos serviços fica limitada ao final do mandato subsequente, enquanto não regulamentada a norma. 5. Aplicação do precedente formado na ADI 5346/BA, para conferir, ao caput do art. 1º da lei impugnada, interpretação conforme à Constituição, nos mesmos termos. 6. Pedido de interpretação conforme à Constituição para limitação do quantitativo de servidores para oito pessoas, à semelhança da Lei Federal nº 7.474/1986, julgado improcedente, por ser questão abrangida pelo espaço normativo conferido pela autonomia federativa (art. 25, caput e § 1º, CRFB). Não foi demonstrada, no caso, a irrazoabilidade do número fixado e respectiva ofensa à moralidade. Diferença entre lei federal e lei estadual não exorbitante. Indevida pretensão de imposição do patamar estabelecido na lei federal como parâmetro de razoabilidade ao legislador estadual. 7. Decisão de parcial procedência sem modulação dos efeitos. Ausência de suficientes razões de segurança jurídica a autorizar a continuidade dos serviços aos atuais beneficiários da medida.
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Processo relacionado: ADI 6579