STF decide que a Lei de Licitações não se aplica à Petrobras

Em julgamento de recurso, a maioria do colegiado entendeu que as empresas de economia mista que disputam livremente o mercado devem estar submetidas a regime próprio diferenciado.

Por maioria de votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), na sessão virtual encerrada em 5/3, assentou que a Petróleo Brasileiro S.A. (Petrobras) não está sujeita às normas para licitações previstas na Lei 8.666/1993. Ao negar provimento ao Recurso Extraordinário (RE) 441280, o colegiado entendeu que a agilidade que se exige das empresas que atuam no mercado é incompatível com um sistema rígido de licitação.

Caso

O recurso foi interposto pela Frota de Petroleiros do Sul Ltda. (Petrosul) e pela Brasilmar Navegação S.A. contra decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) que mantivera a validade do cancelamento pela Petrobras, em 1994, de contrato de fretamento de navios para transporte de cargas e da contratação de outra empresa sem licitação. As transportadoras questionavam a rescisão com o argumento de que o artigo 37, inciso XXI, da Constituição Federal prevê a licitação como regra para as contratações da administração pública, incluindo as sociedades de economia mista. Elas pretendiam a anulação do ato administrativo e indenização por perdas e danos.

O TJ-RS entendeu, na ocasião, que o parágrafo único do artigo 1º da Lei de Licitações não se aplicaria à Petrobras. A decisão teve por fundamento a redação original, vigente na época, do artigo 173, parágrafo 1º, da Constituição, segundo o qual as sociedades de economia mista que explorem atividade econômica se sujeitam ao regime jurídico próprio das empresas privadas.

Regime diferenciado

A maioria do colegiado acompanhou o voto do relator, ministro Dias Toffoli, de que as empresas de economia mista sujeitas à ampla concorrência do mercado devem ter regime diferenciado em relação a suas contratações. Toffoli explicou que o artigo 173, parágrafo único, da Constituição foi alterado pela Emenda Constitucional 19/1998, cuja redação passou a prever que o estatuto jurídico das estatais que explorem atividade econômica deve ser estabelecido por lei e discorrer, entre outros pontos, sobre a contratação de serviços.

No entanto, segundo o relator, mesmo com redações diversas, o objetivo das normas constitucionais foi proteger a atividade dessas sociedades, enquadrando-as, sempre, no regime das empresas privadas, afastando qualquer mecanismo de proteção ou de privilégios.

O ministro lembrou, ainda, que, de acordo com a Lei 9.748/1997, os contratos celebrados pela Petrobras para a aquisição de bens e serviços seriam precedidos de procedimento licitatório simplificado, a ser definido em decreto do presidente da República (no caso, o Decreto 2.745/1998).

Livre competição

Toffoli citou diversos precedentes em que a Corte entendeu que, com a relativização do monopólio do petróleo pela EC 9/1995, a estatal passou a exercer atividade econômica em regime de livre competição. Assim, se a Petrobras disputa espaço livremente no mercado em que atua, em condições parelhas com as empresas privadas, é inviável que se subordine aos rígidos limites da licitação da lei especial destinada aos serviços públicos, sob pena de criar-se um grave obstáculo ao desempenho de suas atividades comerciais. Em seu entendimento, portanto, não é possível conciliar o regime previsto na Lei 8.666/1993 com a agilidade própria desse tipo de mercado, “movido por intensa concorrência entre as empresas que nele atuam”

Aderiram ao entendimento do relator os ministros Luiz Fux, Ricardo Lewandowski, Celso de Mello (aposentado), Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes.

Divergência

Ficaram vencidos os ministros Marco Aurélio e Edson Fachin e as ministras Rosa Weber e Cármen Lúcia, que votaram pelo provimento do recurso. Segundo essa corrente, como, na época dos fatos, já vigorava a Lei 8.666/1993, não haveria razão para excluir a Petrobras da aplicação da lei, que expressamente determina a incidência de suas regras às sociedades de economia mista.

O RE 441280, ficou assim ementado:

Recurso extraordinário. Contrato de transporte marítimo celebrado pela Petrobrás. Decisão em que se refutou a pretendida nulidade do procedimento de escolha da contratante. Procedimento não precedido de licitação. Pretensão de reforma. Condenação da empresa em perdas e danos. Indenização que não encontra amparo constitucional. Sociedade de economia mista que atua no mercado de exploração comercial de bens e serviços. Submissão, à época dos fatos, aos ditames do Decreto nº 2.745/98. Contrato regularmente celebrado. Conhecimento parcial do recurso. Não provimento. 1. A decisão recorrida lastreou-se na pacífica jurisprudência do Supremo Tribunal Federal de que, à época dos fatos, não se submetia a recorrida ao disposto na Lei de Licitações. 2. Esse regime legal, ademais, inviabilizaria sua ativa participação no competitivo segmento de mercado em que atuava, inclusive em âmbito internacional. 3. A avença foi, portanto, regularmente celebrada, à luz da legislação então aplicável. A pretensão anulatória foi corretamente refutada. O pleito indenizatório, cumulativamente deduzido, não veicula matéria constitucional, a inviabilizar seu conhecimento. 4. Recurso extraordinário do qual se conhece parcialmente e ao qual, quanto a essa parte, se nega provimento.

O MS 28626, ficou assim decidido:

MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA DECISÃO DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. APLICAÇÃO DA LEI N. 8.666/93 ÀS CONTRATAÇÕES DA PETROBRAS S.A. SOBRESTAMENTO DO PROCESSO ATÉ DECISÃO PLENÁRIA DESTE SUPREMO TRIBUNAL SOBRE A MATÉRIA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO N. 441.280 JULGADO EM 5.3.2021 NO SENTIDO DA INAPLICABILIDADE DA LEI LICITAÇÕES À PETROBRAS S.A.. SEGURANÇA CONCEDIDA. Relatório 1. Mandado de segurança, com requerimento de medida liminar, impetrado pela Petrobras – Petróleo Brasileiro S.A contra o Acórdão nº 2.457/2009-Plenário (e acórdãos correlatos), do Tribunal de Contas da União, pelo qual determinada a aplicação da Lei n. 8.666/1993 a contratações administrativas efetivadas pela impetrante. O caso 2. A impetrante alega ter o Tribunal de Contas da União apreciado Relatório de Levantamento de Auditoria efetivada na impetrante, “com o objetivo de averiguar a contratação e execução física e financeira de obras e serviços relacionados à manutenção de sistemas de segurança, de produção ambiental e de saúde nas atividades de exploração e produção de petróleo e gás natural da PETROBRAS”. Afirma que a realização de mencionadas obras deu-se mediante assinatura de contratos entre a impetrante e as empresa ALTUS SISTEMAS DE INFORMÁTICA S.A e ACES – AC ENGENHARIA E SISTEMAS LTDA tendo o Tribunal de Contas determinado que fossem ajustadas as contratações às disposições do art. 24 da Lei n. 8.666/1993. Assevera que a seleção e a contratação das aludidas empresas deu-se em obediência aos termos do Decreto n. 2745/1998, que regula o procedimento licitatório simplificado, aplicável à impetrante. Salienta que o acórdão do Tribunal de Contas da União teria considerado ilegal o decreto da Presidência da República ignorando a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que prestigiariam a situação singular da impetrante em face da Lei n. 8.666/1993. Argumenta que o Tribunal de Contas da União não teria legitimidade para declarar normas inconstitucionais, sendo essa prerrogativa exclusiva do Poder Judiciário. Requer liminar para suspender os efeitos do acórdão do Tribunal de Contas da União, cuja competência administrativa estaria exaurida. No mérito, pede a confirmação da nulidade do acórdão daquele órgão de contas. 3. Em 1º.3.2010, o então Relator, Ministro Dias Toffoli, deferiu a liminar para “para suspender os efeitos do acórdão do Tribunal de Contas da União, até o julgamento de mérito da presente ação” (fl. 6, e-doc. 0). 4. Prestadas as informações pelo impetrado (fl. 197, e-doc. 22), a Advocacia-Geral da União, sem recorrer contra o deferimento da liminar, manifestou-se pela “constitucionalidade e legalidade da Lei no 9.478/1997 e do Decreto no 2.745/1998” (fl. 238, e-doc. 22) que teriam regido as contratações em exame. 5. A Procuradoria-Geral da República opinou pela denegação da segurança. 6. Em 27.11.2012, o Ministro Dias Toffoli determinou o sobrestamento deste mandado de segurança pois “o mérito, a questão encontra-se submetido ao Plenário da Corte, sob a forma do RE nº 441.280/RS, de minha relatoria, atualmente com pedido de vista do eminente Ministro Luiz Fux” (fl. 1, e-doc. 11). Examinados os elementos constantes do processo, DECIDO. 7. O objeto da presente impetração cinge-se em decidir questão de direito, quanto à aplicabilidade, ou não, de dispositivos da lei geral de licitações, Lei Nacional n. 8.666/93, sobre as contratações procedidas pela impetrante em procedimento licitatório simplificado, regido pelas disposições da Lei n. 9.478/1997 e do Decreto no 2.745/1998. Como relatado, o presente mandado de segurança foi sobrestado pelo então Relator, Ministro Dias Toffoli, até que o Plenário deste Supremo Tribunal decidisse sobre a matéria, objeto desta impetração, no Recurso Extraordinário n. 441.280, também de relatoria de Sua Excelência, em sessão virtual finalizada em 5.3.2021. O Tribunal, por maioria, conheceu parcialmente do recurso extraordinário e, nessa parte, a ele negou provimento, assentando a inaplicabilidade da Lei n. 8.666/93 às contratações procedidas pela Petrobras S.A nos termos do voto condutor do Ministro Dias Toffoli, vencidos os Ministros Marco Aurélio, Edson Fachin, Rosa Weber e a atual relatora deste mandado de segurança. Este a ementa do acórdão: “Recurso extraordinário. Contrato de transporte marítimo celebrado pela Petrobrás. Decisão em que se refutou a pretendida nulidade do procedimento de escolha da contratante. Procedimento não precedido de licitação. Pretensão de reforma. Condenação da empresa em perdas e danos. Indenização que não encontra amparo constitucional. Sociedade de economia mista que atua no mercado de exploração comercial de bens e serviços. Submissão, à época dos fatos, aos ditames do Decreto nº 2.745/98. Contrato regularmente celebrado. Conhecimento parcial do recurso. Não provimento. 1. A decisão recorrida lastreou-se na pacífica jurisprudência do Supremo Tribunal Federal de que, à época dos fatos, não se submetia a recorrida ao disposto na Lei de Licitações. 2. Esse regime legal, ademais, inviabilizaria sua ativa participação no competitivo segmento de mercado em que atuava, inclusive em âmbito internacional. 3. A avença foi, portanto, regularmente celebrada, à luz da legislação então aplicável. A pretensão anulatória foi corretamente refutada. O pleito indenizatório, cumulativamente deduzido, não veicula matéria constitucional, a inviabilizar seu conhecimento. 4. Recurso extraordinário do qual se conhece parcialmente e ao qual, quanto a essa parte, se nega provimento” (RE n. 441.280, Relator o Ministro Dias Toffoli, Pleno, DJe 24.5.2021). Na esteira de precedentes deste Supremo Tribunal, prevaleceu o entendimento segundo o qual as normas constitucionais sobre a matéria sempre sujeitaram as atividades das sociedades de economia mista exploradoras de atividades econômicas, ao regime jurídico das empresas privadas, sob padrões similares de disputa e concorrência, recrudescidas pela relativização do monopólio da União na exploração do petróleo, instituído pela Emenda Constitucional n. 9/95 e pela Lei nº 9.748/97. Nos termos daquela decisão, a aplicação linear da lei de licitações, em detrimento de regime próprio e simplificado de contratações, obstaria a agilidade exigível dessas atividades em um setor comercial globalizado, altamente competitivo e sujeito a regramentos internacionais. O Plenário assentou, ainda, tratar-se de desempenho “inerente ao sistema criado pela Constituição Federal, o qual atribui à sociedade de economia mista a exploração de atividades econômicas (comercialização de bens ou de prestação de serviços) e o mesmo regime das empresas de direito privado” não se havendo cogitar de interpretações que somente a aplicassem após a promulgação das Emendas Constitucionais ns. 9/95 e 19/98. Estes os fundamentos centrais da decisão: “À época em que se passaram os fatos em discussão nestes autos, vigorava o art. 173, § 1°, da Constituição Federal, em sua redação original, o qual, pura e simplesmente, estabelecia que a empresa pública, a sociedade de economia mista e outras entidades que viessem a explorar atividades econômicas deveriam sujeitar-se ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive, quanto às obrigações trabalhistas e tributárias. Com a promulgação da Emenda Constitucional nº 19/98, tal dispositivo constitucional teve alterada sua redação, passando a determinar que a lei deverá estabelecer o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo, relativamente àquele estatuto, sobre: função social; forma de fiscalização pelo Estado e pela sociedade; sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributárias; licitação de obras e contratação de serviços, contas, alienações, observados os princípios da Administração Pública; constituição ou o funcionamento dos conselhos de administração e fiscal, com a participação dos acionistas minoritários; os mandatos, a avaliação de desempenho e a responsabilidade dos administradores. Constata-se, portanto, que, em ambos os momentos em que foram redigidas essas normas constitucionais, o que se desejou foi proteger a atividade dessas sociedades que exploram atividade econômica, pondo-as, sempre, sob o regime das empresas privadas. De fato, a preocupação maior parece ter sido a de se assegurar concretamente que esse desempenho das sociedades de economia mista pudesse guardar o mesmo padrão das demais empresas que atuam no mercado, afastando-se, assim, qualquer mecanismo de proteção ou de privilégios. Esta Corte, quando do julgamento da ADI nº 3.273/DF (DJ de 2/3/07), Redator do acórdão o Ministro Eros Grau, deixou bem claro que essa é a orientação prevalecente com relação à recorrida, como ficou explicitado naquela ocasião, sendo certo que, naquele momento, o que se discutiu, de forma objetiva, foi a participação da Petrobras em uma dada licitação. Destaca-se, por oportuno, o seguinte trecho do acórdão então proferido, que bem explicita a questão ora em análise: “A PETROBRAS não é prestadora de serviço público; não pode ser concebida como delegada da União; explora atividade econômica em sentido estrito, sujeitando-se ao regime jurídico das empresas privadas (§ 1°, 11 do artigo 173 da Constituição do Brasil de 1988). Atua em regime de competição com empresas privadas que se disponham a disputar, no âmbito dos procedimentos licitatórios (artigo 7°, XXI da Constituição), as contratações previstas no § 1° do artigo 177 da Constituição do Brasil.” Não foi por outra razão que o eminente Ministro Gilmar Mendes, em longa e percuciente decisão, deferiu uma medida liminar em mandado de segurança a favor da recorrente, impetrado diante de decisão oriunda do Tribunal de Contas da União, mandado que cuidava expressamente da aplicação do regime de licitação previsto na Lei n. 8.666/93. (…) Observando a disciplina imposta pela Constituição Federal, veio à lume a Lei nº 9.748/97, dispondo que os contratos celebrados pela recorrente para a aquisição de bens e serviços seriam precedidos de procedimento licitatório simplificado, o qual viria a ser definido em decreto do Presidente da República. E isso efetivamente aconteceu, com a edição do Decreto nº 2.745/98. Por essa razão, o eminente Ministro Ricardo Lewandowski, nos autos do Mandado de Segurança nº 26.410 (DJ de 2/3/07), entendeu que a submissão legal da recorrida ao regime diferenciado de licitação parece estar justificada pelo fato de que, com a relativização do monopólio do petróleo trazida pela aludida Emenda Constitucional nº 9/95, a empresa passou a exercer uma atividade econômica que estava vinculada a um regime de livre competição, e não mais de monopólio exclusivo. (…) Inúmeras decisões de igual teor foram proferidas em ações mandamentais impetradas pela recorrida em casos similares, tais como ocorreu nos autos do MS nº 27.337/DF, Relator o Ministro Eros Grau (DJe de 28/5/08), e do MS nº 27.743/DF, Relatora a Ministra Cármen Lúcia (DJe de 15/12/08). Assim, se se tem por certo que a recorrida disputa espaço livremente no mercado em que atua em condições parelhas com as empresas privadas, não se há de exigir que ela fique subordinada aos rígidos limites da licitação da lei especial destinada aos serviços públicos, em sentido ampliado, sob pena de criar-se um grave obstáculo ao normal desempenho de suas atividades comerciais. Portanto, reputo ser inaplicável às sociedades de economia mista que explorem atividade econômica própria das empresas privadas, concorrendo, portanto, no mercado, o regime estreito de licitação estabelecido na Lei nº 8.666/93, por entender não ser possível conciliar tal regime com a agilidade própria desse tipo de mercado que, como sabido, é movido por intensa concorrência entre as empresas que nele atuam. Daí a perspectiva de se reconhecer, com a Emenda nº 19/98, a necessidade de essas empresas disporem de um regime licitatório diferenciado, consequência previsível da redação original do § 1º do art. 173 da Constituição, o qual já adotava, para essas empresas, na prática de atos de comércio, o regime do direito privado. Não se diga, também, que essa interpretação só se tornou possível com a promulgação da Emenda Constitucional nº 9/95, ou mesmo da Emenda Constitucional nº 19/98. Pelo contrário, a compreensão dessa realidade, ou seja, de que tais empresas que assim atuam no mercado se sujeitam ao regime jurídico de direito privado, é inerente ao sistema criado pela Constituição Federal, o qual atribui à sociedade de economia mista a exploração de atividades econômicas (comercialização de bens ou de prestação de serviços) e o mesmo regime das empresas de direito privado. Não faz nenhum sentido unir esse regime àquele outro em que se exige que as entidades públicas sigam o padrão de contratação adequado à prestação de serviços públicos,os quais não se submetem ao regime da livre concorrência. Tal interpretação, que afasta a aplicação do art. 1º, parágrafo único, da Lei nº 8.666/93, é uma consequência direta da própria natureza constitucional dessa sociedade, tal como foi posto pelo constituinte originário e reiterado pelo constituinte derivado quando esse editou a Emenda Constitucional nº 19/98. Saliente-se, ademais, que as exigências mercadológicas nesses contratos de afretamento são dotados de uma tal tipicidade que, se seguisse a recorrida o regime exigido pela Lei n° 8.666/93, ficaria até mesmo, de uma certa maneira, inviabilizada a contratação da sociedade de economia mista em questão, na medida em que, em tais contratos, se obedecem padrões internacionais. Por conseguinte, torna-se impossível vinculá-los àquele regime de licitação previsto na lei própria para os contratos licitados no regime do serviço público stricto sensu. Diga-se, ainda, que, se não bastasse essa especificidade dos contratos de afretamento, o fato é que, para as empresas privadas, o mercado passou a ter limites bem maiores a partir da globalização da economia e, por óbvio, da possibilidade de descentralizar-se a produção de bens e serviços, considerando-se os preços e condições de fornecimento. (…) O Estado moderno, no plano do exercício das atividades econômicas, encontra-se exposto ao mercado internacional, devendo se adequar a suas exigências, sob pena de ficar ultrapassado e correr o risco de derrocada econômica, com graves consequências para os cidadãos que estão sob sua jurisdição. (…) É incompatível, nesse cenário, exigir que essas sociedades que nasceram das entranhas do Estado para competir no mercado de exploração comercial de bens e serviços fiquem subordinadas a regime administrativo próprio dos serviços públicos, tornando-se incapazes de enfrentar, certamente, a realidade da prática comercial aguerrida com que se deparam, diuturnamente, no desempenho de suas atividades comerciais. Por isso, as sociedades de economia mista que disputam livremente o mercado – tanto que a Constituição Federal por essa razão mesma conferiu-lhes o regime de empresas privadas – devem estar submetidas a um regime próprio diferenciado, aperfeiçoado pelo constituinte derivado com a redação da Emenda Constitucional nº 9/95” (voto condutor do Ministro Dias Toffoli no RE n. 441.280, de sua relatoria, Pleno, DJe 24.5.2021). 8. Na espécie, o Tribunal de Contas da União, em processo de tomada de contas, nos termos dos acórdãos apontados como coatores, determinou a aplicação de dispositivo da Lei nº 8.666/1993 às contratações realizadas pela impetrante com as empresas Altus Sistemas de Informática S.A e ACES-AC Engenharia e Sistemas LTDA para a prestação de serviços em plataformas na Bacia de Campos. Este o item impugnado na impetração, constante do Acórdão n. 454/2009-Plenário-TCU, mantido no julgamento dos recursos, pelos Acórdãos ns. 1910/2009 (pedido de reexame) e 2.457/2009 (embargos de declaração): “9.2. determinar à Petrobrás S.A que, em futuras contratações realizadas com dispensa de licitação por emergência, o prazo de vigência do contrato seja fixado dentro dos limites estabelecidos no inciso IV do art. 24 da Lei 8.66611993, bem como que sejam obedecidos os princípios estabelecidos no inciso XXI do art. 37 da Constituição Federal e ao princípio da proporcionalidade. A fixação de prazo superior descaracteriza a urgência e pode ser considerada como fuga à obrigação de licitar” (fl. 65, e-doc. 21). 9. As contratações sob exame, ocorridas após a promulgação das Emendas Constitucionais n. 9/95 e 19/98 e da denominada Lei do Petróleo, n. 9.478/97, deram-se com base no Decreto nº 2745/1998 e no art. 67, daquele diploma legal, respaldadas em parecer da Advogado-Geral da União, aprovado pelo Presidente da República, “o que nos termos do art. 40, § 1º, da Lei Complementar n° 73/93, vincula a Administração Federal, da qual a Impetrante faz parte como sociedade de economia mista que é” (fl. 2, e-doc. 21). Como manifestado pela Advocacia-Geral da União, que não recorreu do deferimento liminar ou do sobrestamento do processo, “o decreto [nº 2745/1998] se limitou a regulamentar o mandamento legal de estabelecer um procedimento simplificado, sem com isso violar qualquer dos princípios administrativos aplicáveis à licitação e previstos, inclusive, em sua maioria, na própria Lei n. 8.666/93. ” (fl. 237, e-doc. 22). De se aplicar, também, na espécie, observado o princípio da colegialidade e com a ressalva de meu entendimento, vencido no julgamento daquele Recurso Extraordinário n. 441.280 (DJe 24.5.21), a recente decisão proferida pelo Plenário deste Supremo Tribunal quanto à inaplicabilidade da Lei n. 8.666/90 às contratações da impetrante, procedidas nos termos do Decreto n. 2.745/1998, que regula o procedimento licitatório simplificado. 10. Pelo exposto, concedo a segurança para anular o item 9.2 do Acórdão n. 454/2009, e seus consectários, Acórdãos ns. 1.910/2009 e 2.457/2009 (art. 205 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal)

 

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