Sexta Turma reafirma que manifestação do MP pela absolvição não impede a Justiça de condenar o réu

Por entender que a manifestação do Ministério Público pela absolvição do réu nas alegações finais da ação penal não vincula o magistrado – que pode decidir de maneira diversa ou até oposta à posição ministerial –, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou o pedido de habeas corpus em favor de um homem condenado por roubo majorado.

Para o colegiado, eventual condenação decretada pelo juízo, mesmo diante de um pedido de absolvição formulado pelo Ministério Público, é compatível com o sistema acusatório consagrado pela Constituição de 1988.

Segundo os autos, o réu foi denunciado pelo Ministério Público do Paraná (MPPR) pelos delitos de posse de arma de fogo de uso restrito, receptação, adulteração de sinal identificador de veículo e roubo majorado.

Contudo, nas alegações finais, o MPPR pediu a absolvição do réu em relação ao último crime – solicitação não acolhida pela primeira instância, que considerou as provas suficientes para a condenação. A sentença foi mantida pelo Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR).

No habeas corpus apresentado ao STJ, a defesa sustentou ter havido violação do sistema acusatório, argumentando que eventual pedido do Ministério Público pela absolvição do acusado, em momento posterior à denúncia, significa falta de interesse processual pela condenação.

Julgamento segue o princípio do livre convencimento motivado

A ministra Laurita Vaz, relatora, citou precedentes do Supremo Tribunal Federal e do STJ no sentido de que o juiz não está obrigado a seguir eventual manifestação do MP pela absolvição do réu. No REsp 1.521.239, a própria Sexta Turma entendeu que, diferentemente do sistema jurídico norte-americano, em que o promotor pode retirar a acusação, vinculando a posição do juiz, no sistema brasileiro isso não acontece.

Ainda segundo o precedente, por ser o titular da ação penal pública, o órgão ministerial tem o dever de conduzi-la até seu desfecho, ainda que haja posicionamentos diferentes ao longo do processo – ou até opostos – entre os membros do Ministério Público que atuam como autor da ação e fiscal da lei.

“A circunstância de o Ministério Público se manifestar pela absolvição do acusado, como custos legis, em alegações finais ou em contrarrazões recursais, não vincula o órgão julgador, cujo mister jurisdicional funda-se no princípio do livre convencimento motivado, conforme interpretação sistemática dos artigos 155, caput, e 385, ambos do Código de Processo Penal”, concluiu a ministra ao negar o habeas corpus.

O recurso ficou assim ementado:

HABEAS CORPUS. ART. 157, § 2.º-A, INCISO I, DO CÓDIGO PENAL. ABSOLVIÇÃO REQUERIDA PELO PARQUET NAS ALEGAÇÕES FINAIS. MANIFESTAÇÃO QUE NÃO VINCULA O JUDICIÁRIO. INOCORRÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO SISTEMA ACUSATÓRIO. ORDEM DE HABEAS CORPUS DENEGADA.
1. A circunstância de o Ministério Público requerer a absolvição do Acusado, seja como custos legis, em alegações finais ou em contrarrazões recursais, não vincula o Órgão Julgador, cujo mister jurisdicional funda-se no princípio do livre convencimento motivado, conforme interpretação sistemática dos arts. 155, caput, e 385, ambos do Código de Processo Penal. Precedentes do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça.
2. “Quando o Ministério Público pede a absolvição de um réu, não há, ineludivelmente, abandono ou disponibilidade da ação, como faz o promotor norte-americano, que simplesmente retira a acusação (decision on prosecution motion to withdraw counts) e vincula o posicionamento do juiz. Em nosso sistema, é vedada similar iniciativa do órgão de acusação, em face do dever jurídico de promover a ação penal e de conduzi-la até o seu desfecho, ainda que, eventualmente, possa o agente ministerial posicionar-se de maneira diferente – ou mesmo oposta – do colega que, na denúncia, postulara a condenação do imputado” (STJ, REsp 1.521.239⁄MG, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Sexta Turma, julgado em 9⁄3⁄2017, DJe de 16⁄3⁄2017).
3. Ad argumentandum, vale referir que o Legislador Ordinário, ao editar a Lei n. 13.964⁄2019, acrescentou ao Código de Processo Penal o art. 3.º-A, segundo o qual “[o] processo penal terá estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação”. Todavia, qualquer interpretação que determine a vinculação do Julgador ao pedido absolutório do Ministério Público com fundamento, por si só, nessa regra, não tem legitimidade jurídica, pois o Supremo Tribunal Federal, em decisão monocrática proferida no dia 22⁄10⁄2020 pelo Ministro LUIZ FUX, “na condição de relator das ADIs 6.298, 6.299, 6.300 e 6305”, suspendeu, “sine die a eficácia, ad referendum do Plenário, […] da implantação do juiz das garantias e seus consectários (Artigos 3º-A, 3º-B, 3º-C, 3º-D, 3ª-E, 3º-F, do Código de Processo Penal)”.
4. Ordem de habeas corpus denegada.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): HC 623598

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