O Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmou jurisprudência no sentido da “validade das provas encontradas casualmente pelos agentes da persecução penal, relativas à infração penal até então desconhecida, por ocasião do cumprimento de medidas de obtenção de prova de outro delito regularmente autorizadas desde que não haja desvio de finalidade na execução do meio de obtenção de prova” configurando-se o instituto da serendipidade, amplamente aceito pela jurisprudência pátria.
Com esse entendimento, a 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) manteve a condenação da apelante pela prática do crime de operar instituição financeira sem autorização do Banco Central do Brasil (art. 16 da Lei 7.492/1986).
O relator, juiz federal convocado Leão Aparecido Alves, constatou a ocorrência de encontro fortuito de provas da autoria, dolo e materialidade do delito no contexto de investigação em que a autoridade policial constatou a ocorrência da infração penal até então desconhecida. Destacou que as provas emprestadas são válidas ainda que o “crime achado” não possua conexão com o crime que estava sendo investigado, desde que o meio de execução da ordem judicial de obtenção da prova não sofra desvio de finalidade.
Relativamente ao delito de usurpação, consistente em produzir bens ou explorar matéria-prima pertencentes à União, sem autorização legal (art. 2º da Lei 8.176/1991) o magistrado votou no sentido de dar provimento à apelação para absolver a ré da imputação, acolhendo o parecer do Ministério Público Federal (MPF), por insuficiência de provas no processo para fundamentar a condenação.
O recurso ficou assim ementado:
PROCESSO PENAL. PENAL. USURPAÇÃO. PRELIMINAR DE PRESCRIÇÃO AFASTADA. MATÉRIA PRIMA PERTENCENTE À UNIÃO. FALTA DE PROVAS. ABSOLVIÇÃO. JUÍZO DA CERTEZA. PARECER MINISTERIAL. ART. 16 DA LEI Nº 7.492/86 (OPERAÇÃO ILEGAL DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA). MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. SERENDIPIDADE. CABIMENTO. PRECEDENTE. CONDENAÇÃO MANTIDA. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.
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Recurso de apelação interposto pela ré em face de sentença que julgou procedente a pretensão punitiva estatal para condená-la como incursa nas penas do art. 16 da Lei 7.492/86 e art. 2º, §1º da Lei 8.176/91, na forma do art. 69 do CP, à pena total de 01 (um) ano de reclusão, 01 (um) ano de detenção e 20 (vinte) dias-multa. Houve substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, consistentes na prestação pecuniária no valor de 10 salários mínimos e prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, pelo prazo de 02 anos.
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Segundo a denúncia, no período de outubro de 2011 a maio de 2012, a denunciada fez operar instituição financeira sem autorização do Banco Central do Brasil. A suposta prática criminosa foi descoberta no âmbito da “Operação Sangria”, destinada a apurar os atos de organização criminosa voltada para a prática de crimes contra o Sistema Financeiro Nacional. Ainda segundo a acusação, a recorrente teria adquirido e comercializado matéria-prima da União, consistentes em esmeraldas e turmalinas, sem a devida autorização legal, avaliadas em US$ 7.338,30 (sete mil, trezentos e trinta e oito dólares e trinta centavos).
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Não se pode falar em prescrição, pois o fato criminoso ocorreu no período de outubro de 2011 a maio de 2012; a denúncia foi recebida em 01/07/2015; e a sentença foi prolatada em 01/10/2018, tendo as penas da ré ficado fixadas em 01 ano de reclusão com relação ao crime previsto no art. 16 da Lei 7.492/86 e 01 ano de detenção com relação ao crime previsto no art. 2º, §1º da Lei 8.176/91. Por não ter havido recurso de apelação da acusação, o lapso prescricional a ser considerado do caso é de 04 anos, nos termos do art. 109, inciso V, do CP. Assim, no caso, não decorreu mais de 04 anos entre os marcos interruptivos.
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A tese sustentada pela defesa de que a prova emprestada que resultou na sua condenação é ilícita, haja vista “o crime achado” não possuir relação, conexão com o crime que estava sendo investigado, não merece acolhimento, pois, conforme demonstrado no amplo conjunto fático-probatório, no caso, houve encontro fortuito de provas, quando em uma investigação a autoridade policial constata a ocorrência de outra infração penal até então desconhecida.
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A jurisprudência do STJ é firme no sentido da validade das provas encontradas casualmente pelos agentes da persecução penal, relativas à infração penal até então desconhecida, por ocasião do cumprimento de medidas de obtenção de prova de outro delito regularmente autorizadas, ainda que inexista conexão ou continência com o crime supervenientemente encontrado e este não cumpra os requisitos autorizadores da medida probatória, desde que não haja desvio de finalidade na execução do meio de obtenção de prova: (AgRg no REsp 1384669/RS, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 05/10/2017, DJe 16/10/2017).
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A materialidade e a autoria do delito previsto no art. 16 da Lei 7.492/86 estão comprovadas pelo Relatório Circunstanciado de Informação constante do Apenso I; pelo Auto Circunstanciado de Busca e Arrecadação; pelo Auto de Apreensão; pelo Relatório de análise de Apreensão constante do Apenso III; e pelo Laudo Pericial nº 1714/2012 – SETEC/SR/DPF/MG.
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No tocante ao delito previsto no art. 2º da Lei 8.176/91, todavia, segundo apontado pelo próprio MPF em parecer, a ré deve ser absolvida, uma vez que “o MPF não acostou aos autos provas suficientes para fundamentar um decreto condenatório. Realmente, o mero fato de as pedras terem sido encontradas desacompanhadas de documentação pertinente não prova que estas foram adquiridas ou exploradas ilegalmente. Seria necessário, para tal, algum elemento que vinculasse a apelante à exploração ou comércio ilegal da matéria-prima, o que não foi produzido”.
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Prossegue o fiscal da ordem jurídica: “Além disso, a defesa apresentou notas ficais (fls. 701/706) referentes à aquisição regular das esmeraldas e turmalinas apreendidas. Assim, ao que tudo indica, não houve exploração ou comércio irregular das pedras em questão, tendo estas sido adquiridas regularmente. A conduta é, pois, atípica”.
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Inexistente prova coesa contundente e inequívoca sobre a prática delitiva, o benefício da dúvida favorece a ré. E nem poderia ser diferente, pois meros indícios, desprovidos de qualquer elemento de prova mais consistente, não são aptos a dar ensejo à condenação dos acusados, resultando inevitável a absolvição, com supedâneo no princípio in dubio pro reo.
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O recurso deve ser parcialmente provido para absolver a ré da condenação pela prática do crime previsto no art. 2º da Lei 8.176/91, com a consequente devolução das pedras apreendidas, mantida a condenação quanto ao crime capitulado no art. 16 da Lei nº 7.492/86, bem como a pena definitiva, porquanto fixada no mínimo previsto no preceito secundário do tipo.
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Apelação parcialmente provida para absolver a ré da condenação pela prática do crime previsto no art. 2º da Lei 8.176/91, com a consequente devolução das pedras apreendidas, mantida a condenação quanto ao crime capitulado no art. 16 da Lei 7.492/86.
Com estas considerações, e nos termos do voto do relator, o Colegiado deu parcial provimento à apelação para absolver a apelante do crime de usurpação, mantendo os demais termos da sentença condenatória.
A decisão foi unânime.
Processo 0037355-03.2015.4.01.3800