No Seguro de Responsabilidade Civil do Transportador Rodoviário de Cargas (RCTR-C), com apólice aberta e cláusula de averbação, todos os embarques e suas respectivas mercadorias devem ser registrados, sem exceção. Por deficiência nesse registro, uma empresa que teve a carga avariada em incêndio perdeu o direito de receber a indenização securitária contratada com a Sul América Companhia Nacional de Seguros.
A questão foi discutida pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em recurso interposto por uma transportadora que ajuizou ação de cobrança para receber a indenização. Alegou que a deficiência na averbação de alguns embarques nessa modalidade de seguro não seria suficiente para acarretar a perda do direito ao pagamento, a menos que houvesse comprovação de má-fé.
A Turma, contudo, observou que a transportadora, reiteradamente, não fazia as averbações integrais dos embarques realizados, o que configura descumprimento de obrigação contratual e afasta o dever da seguradora de indenizar.
Apólice única
O relator, ministro Villas Bôas Cueva, explicou que o seguro RCTR-C garante o reembolso dos valores que a transportadora paga aos proprietários da carga danificada. Como nessa atividade há diversas recepções e entregas de mercadorias, o que dificulta o seguro avulso para cada uma delas (com apólice fechada), o mercado de seguros instituiu a apólice em aberto, com cláusula de averbação.
Nesse modelo, é emitida uma única apólice para proteger todos os embarques por determinado período de tempo, especificando de forma genérica os riscos cobertos, sem detalhar as características de cada embarque. Esse detalhamento é feito em momento futuro, por meio da averbação, que deve ser entregue após as viagens, sob pena de perder a indenização securitária.
Villas Bôas Cueva destacou que, pelo princípio da globalidade, todos os transportes, bens e mercadorias devem necessariamente ser averbados, sem exceção. Isso é preciso para que a seguradora conheça o risco ao qual se obriga. É essencial também para fixação do valor da apólice.
Assim, o contratante do seguro não pode escolher, entre os embarques segurados, quais serão averbados. “Se somente averbar aqueles que lhe interessam (notadamente eventos em que ocorreram prejuízos), o equilíbrio econômico-atuarial do contrato restará prejudicado, ensejando a fraude e inviabilizando a concessão da garantia pelo segurador”, ponderou o relator.
Segundo o ministro, se o transportador quer escolher livremente quais embarques ou mercadorias averbar, não deve contratar o seguro de apólice aberta, mas, sim, pactuar um seguro avulso, de apólice fechada.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO ESPECIAL. CIVIL. DIREITO SECURITÁRIO. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. SEGURO DE RESPONSABILIDADE CIVIL DO TRANSPORTADOR RODOVIÁRIO DE CARGAS. APÓLICE EM ABERTO. DEFICIÊNCIA DE AVERBAÇÕES DE MERCADORIAS. PRÁTICA REITERADA. PRINCÍPIO DA GLOBALIDADE. INOBSERVÂNCIA. DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO CONTRATUAL. DESEQUILÍBRIO CONTRATUAL. AUSÊNCIA DE BOA-FÉ. PERDA DA GARANTIA SECURITÁRIA.1. Ação de cobrança fundada em Seguro de Responsabilidade Civil do Transportador Rodoviário de Cargas (RCTR-C), de apólice aberta, visando o recebimento de indenização securitária decorrente de sinistro: o veículo transportador sofreu incêndio de causa ignorada, ocasionando avarias à mercadoria transportada.2. No seguro de apólice aberta, em que há cláusula de averbação, como todos os embarques futuros já estão, desde logo, protegidos pelas condições contratuais durante certo período de tempo, a totalidade dos transportes e dos bens e mercadorias que o transportador receber deverá, necessariamente, ser averbada, sem exceção (princípio da globalidade).3. Para o seguro de responsabilidade civil do transportador rodoviário de carga, em virtude de os transportadores terrestres não saberem quando serão chamados a recolher as mercadorias, tampouco o valor e o local de destino, a entrega da averbação com os detalhes necessários à caracterização do risco é feita no dia seguinte à emissão dos conhecimentos ou manifestos de carga. Com base nos pedidos de averbação recebidos, geralmente em cada mês de vigência do seguro, a seguradora extrai a conta mensal de prêmio, encaminhando-a ao segurado para o respectivo pagamento.4. É válida a cláusula permitindo a entrega de averbações após o início dos riscos, no caso de seguro de responsabilidade civil do transportador, desde que averbados todos os embarques; a não averbação de todos os embarques isenta de responsabilidade a seguradora, dada a não observância do princípio da globalidade, essencial para manter hígida a equação matemática que dá suporte ao negócio jurídico entabulado. Exceção deve ser feita se, comprovadamente, a omissão do transportador se der por mero lapso, a evidenciar a boa-fé.5. O dever de comunicar todos os embarques tem a finalidade de evitar que o segurado averbe apenas aqueles que lhe interessem (notadamente eventos em que ocorreram prejuízos), porquanto a livre seleção dos riscos a critério do transportador, com exclusão das averbações dos embarques de pequeno risco, tornaria insuficiente ou deficitário o fundo mútuo constituído pelos prêmios pagos por todo o grupo segurado. Seriam averbações de sinistros ao invés de averbações de embarques.6. A empresa transportadora que reiteradamente não faz averbações integrais dos embarques realizados, não cumprindo o princípio da globalidade ou a obrigação contratual, perde o direito à garantia securitária, sobretudo se não forem meros lapsos, a configurar boa-fé, mas sonegações capazes de interferir no equilíbrio do contrato e no cálculo dos prêmios.7. Recurso especial não provido.
Leia a íntegra do voto do relator.